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Vol. 82. Núm. 4.
Páginas 466-478 (Julho 2016)
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A influência do modo respiratório no processo de aprendizagem: uma revisão sistemática da literatura
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Genef Caroline Andrade Ribeiroa, Isadora Diniz dos Santosa, Ana Claudia Nascimento Santosa, Luiz Renato Paranhosb, Carla Patrícia Hernandez Alves Ribeiro Césara
a Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, SE, Brasil
b Departamento de Odontologia, Universidade Federal de Sergipe (UFS), Campus Prof. Antônio Garcia Filho, Lagarto, SE, Brasil
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Tabela 1. Protocolo para pontuação qualitativa da metodologia modificado de Pithon et al.,11 com escore máximo de 13 pontosa
Tabela 2. Escores obtidos a partir da aplicação do Protocolo para Pontuação Qualitativa da Metodologia, adaptado de Pithon et al.11
Tabela 3. Síntese dos dez artigos que compuseram a amostra do estudo sobre o tema “respiração oral e aprendizagem”
Tabela 3. (Cont.)
Tabela 3. (Cont.)
Tabela 3. (Cont.)
Tabela 3. (Cont.)
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Introdução: A respiração oral traz consequências negativas para a qualidade de vida das pessoas, principalmente para escolares.

Objetivo: Verificar se o modo respiratório influencia no processo de aprendizagem infantil.

Método: Esta revisão sistemática foi realizada seguindo as instruções PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), sem restrição quanto ao ano de publicação e idioma, elaborada a partir da formulação de questão clínica elaborada pela estratégia P.I.C.O.: ‘‘A criança respiradora oral tem mais chances de apresentar dificuldades de aprendizagem quando comparada à respiradora nasal?’’, nas bases de dados eletrônicas SciELO, PubMed, LILACS e Scopus. Foi utilizado o Google Scholar para pesquisa da literatura cinza. As palavraschave ‘‘aprendizagem’’, ‘‘respiração bucal’’, ‘‘learning’’ e ‘‘mouth breathing’’ foram utilizadas de forma integrada. Os estudos incluídos foram observacionais, realizados com escolares entre sete e onze anos. Em seguida, os estudos foram avaliados quanto à sua qualidade metodológica. Toda a pesquisa foi realizada por dois revisores de elegibilidade.

Resultados: Foram obtidos 357 registros, sendo 314 blindados (43 registros em duplicidade). Após os critérios de elegibilidade, dez artigos integraram o escopo desta pesquisa. Metade dos estudos usou grupo controle e fez uso de avaliação otorrinolaringológica, a minoria fez uso de protocolos validados (20%) e de cálculo amostral (10%). Os procedimentos de avaliação foram variados. De forma geral, 80% dos artigos evidenciaram maior ocorrência de distúrbio de aprendizagem em respiradores orais.

Conclusão: Esta revisão sistemática demonstrou que indivíduos com respiração oral apresentam maior tendência de dificuldades na aprendizagem do que os nasais.

Palavras-chave:
Respiração bucal
Aprendizagem
Leitura
Escrita
Matemática

Introduction: Mouth breathing leads to negative consequences on quality of life, especially in school-age children.

Objective: To determine whether the breathing pattern influences children’s learning process.

Methods: This systematic review was carried out according to the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) instructions, with no restrictions regarding the year of publication and language, created based on the clinical question formulation according to the Problem/Patient/Population, Intervention/Indicator, Comparison, Outcome (PICO) strategy: ‘‘Is the mouth-breathing child more likely to have learning disabilities when compared to nasal breathers?’’ in the SciELO, PubMed, LILACS, and Scopus electronic databases. Google Scholar was used to search the gray literature. The keywords ‘‘learning,’’ ‘‘mouth breathing,’’ and their equivalent terms in Portuguese were used in an integrated manner. The studies included in the review were observational, conducted with schoolchildren aged 7-11 years. Afterwards, the studies were evaluated regarding their methodological quality. The research was performed by two eligible reviewers.

Results: A total of 357 records were obtained, of which 43 records were duplicate. After applying the eligibility criteria, ten articles were included in the research scope. Half of the studies used a control group and otorhinolaryngological assessment, whereas a minority used validated (20%) and sample calculation protocols (10%). The evaluation procedures were varied. Overall, 80% of the articles showed a higher incidence of learning disabilities among mouth breathers.

Conclusion: This systematic review has shown that mouth breathers are more likely to have learning difficulties than nasal breathers.

Keywords:
Mouth breathing
Learning
Reading
Writing
Mathematics
Texto Completo

Introdução

Os distúrbios de aprendizagem podem ocorrer por razões multifatoriais, dentre elas a alteração em processar informações auditivas,1,2 o déficit de atenção, a dificuldade de relacionamento interpessoal, o distúrbio de conduta, o déficit cognitivo, o contexto socioeconômico menos favorecido,3 o histórico familiar de dificuldades e distúrbios de aprendizagem,4 entre outras, como a respiração oral — que pode comprometer o aprendizado.5

Em relação à respiração, quando realizada exclusivamente pela boca, pode ser considerada como uma adaptação patológica, em virtude da dificuldade de se respirar pelo nariz,6 favorecendo a inspiração de um ar mais seco, não filtrado, com temperatura mais fria ou mais quente do que o esperado, que acaba por sobrecarregar as tonsilas e a laringe, podendo provocar processos inflamatórios crônicos e, se tal adaptação patológica ocorrer por tempo prolongado, poderá acarretar hipertrofia tonsilar e, consequentemente, obstrução de via aérea superior de grau variado. Dessa forma, haverá resistência ao fluxo de gases, aumento permanente no gasto energético e adaptações estruturais (palato ogival e má oclusão dental) e funcionais (flacidez na musculatura orofacial, disfonias e apneia do sono, por exemplo) que podem prejudicar a qualidade do sono, o humor, o comportamento e o rendimento escolar,7 embora não haja evidências científicas significativas que comprovem a associação entre o modo respiratório alterado e as dificuldades de aprendizagem.

Considerando a alta prevalência da respiração oral na infância8 e a possibilidade de seu impacto na aprendizagem, este estudo foi construído com o objetivo de verificar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, se o modo respiratório influencia no processo de aprendizagem infantil.

Método

A seguir, será descrito o percurso metodológico adotado, com a estratégia de busca dos artigos e os critérios de elegibili-dade adotados, a fase de coleta de dados e como foram analisados. Esta revisão sistemática foi realizada seguindo as instruções PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses).9

Estratégia de busca e critérios de elegibilidade

A presente pesquisa de revisão sistemática foi realizada sem a restrição de ano e idioma de publicação. Foi utilizada a estratégia PICO, considerando escolares respiradores orais entre 7 e 11 anos de idade (P = paciente), avaliados quanto aos aspectos relacionados à aprendizagem (I = intervenção) e comparados com escolares respiradores nasais (C = comparação de intervenções ou controle), para que pudesse ser verificada a possibilidade de distúrbio de aprendizagem naqueles que apresentavam modo respiratório alterado (O = outcome ou desfecho), tendo sido construída a seguinte pergunta norteadora: “A criança respiradora oral tem mais chances de apresentar dificuldades de aprendizagem quando comparada à respiradora nasal?”.

O desenho do estudo está elucidado na figura 1, com os critérios de elegibilidade do estudo. Para os estudos elegíveis preliminarmente, o texto completo foi obtido e avaliado a fim de verificar se contemplavam todos os critérios de inclusão. Foram utilizados como critério de inclusão: estudos observacionais (controlados, transversais, longitudinais prospectivos ou retrospectivos) sobre o tema e escolares entre sete e 11 anos de idade.

Figura 1 Fluxograma com a estratégia de busca e seleção dos artigos.

Os critérios de exclusão foram: ambiguidade dos resultados, apresentação insuficiente de resultados, duplicidade de estudos a partir da busca em bancos de dados, estudos de revisão, comunicações, relatos de casos, resumos de eventos científicos, monografias, comentários ou editoriais. Foram também excluídos estudos realizados com pacientes sindrômicos e com deficiência intelectual, bem como registros sem relação direta com o desfecho final do presente estudo (fig. 1).

As palavras-chave foram selecionadas no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde da BVS) e no MeSH (PubMed), a fim de identificar os estudos relevantes das bases de dados eletrônicas PubMed, SciELO, LILACS e Scopus. Os descritores controlados foram “learning” e “mouth breathing”, “aprendizagem” e “respiração bucal”. Foram utilizados os operadores booleanos (OR e AND) para a combinação dos descritores. Esta pesquisa foi realizada em 15 de julho de 2015. A literatura cinza foi identificada pela busca no Google Scholar, consul-tando os cem primeiros registros de cada combinação.

Validade do procedimento de avaliação e extração de dados

A partir da obtenção da lista das pesquisas realizadas com os descritores escolhidos, foi aplicado do Teste de Relevância, e cada estudo foi analisado criteriosamente por dois revisores de elegibilidade (não cegos para os autores e revistas), que realizaram o levantamento de forma independente e, median-te reunião, verificaram quais estudos foram ou não selecionados. Na eminência de divergência de resultados, um terceiro avaliador foi consultado, a fim de solucionar a dúvida quanto à inclusão ou não do estudo, como sugerido na literatura.10

Inicialmente, foram identificados os títulos, os descritores e os resumos dos artigos, sendo esta a primeira aplicação de filtro na pesquisa, para seleção dos artigos. Posteriormente, a partir dos resultados obtidos, aplicou-se o segundo filtro, a partir da leitura da introdução e da conclusão do estudo. Caso o artigo fosse considerado elegível, procedia-se leitura do texto científico na íntegra, aplicando-se, portanto, o terceiro filtro de seleção.

Os textos elegíveis nesta fase preliminar foram avaliados quanto a sua força metodológica, sendo esta fase o quarto e último filtro do teste de relevância adotado. Para essa avaliação, foi utilizado o protocolo para pontuação qualitativa da metodologia, modificado de Pithon et al.,11 que possibilita pontuação máxima de 13 pontos (tabela 1). Neste momento, a revisão foi cega para os autores, com posterior revisão, evitando, assim, qualquer viés de seleção e possíveis conflitos de interesses.

Cabe salientar que a adaptação ocorreu apenas no estabelecimento do número de sujeitos que deveriam participar dos estudos (n), como base para o cálculo amostral relacionado ao assunto, adotando-se n de 147 sujeitos, tendo como base o estudo de Menezes et al.,12 que utilizou este valor como o mínimo para a condução de estudo com respiradores orais com idades entre 8 e 10 anos, ou seja, dentro da idade média dos estudos incluídos nesta pesquisa.

Os estudos foram sintetizados e distribuídos em quadro próprio, contendo as seguintes informações: ano de publicação, tipo de estudo, diagnóstico e instrumentos utilizados para a coleta de dados, caracterização da amostra, principais resultados e conclusão do estudo, descritos na sessão dos resultados.

Análise dos dados

A análise foi realizada de forma qualitativa, uma vez que os métodos adotados nas pesquisas foram heterogêneos.

Resultados

Estratégia de pesquisa e avaliação metodológica

Com os unitermos “respiração bucal” AND “aprendizagem”, foram obtidos sete artigos da base de dados LILACS, 2.440 artigos da base de dados Google Scholar (destes, foram analisados os 100 primeiros), seis artigos no Scopus, e um na SciELO. Com os unitermos “mouth breathing” AND “learning”, foram obtidos oito artigos na LILACS, 147.000 no Google Scholar (tendo sido analisados os 100 primeiros), cinco na SciELO, e 30 na base de dados PubMed. Dessa forma, a amostra inicial totalizou 357 artigos.

A partir da aplicação dos filtros desenhados no método, 43 artigos foram excluídos no primeiro filtro por apresentarem duplicidade nas bases de dados, e 304 por abordarem outros temas (233 no segundo filtro e 71 no terceiro), como prevalência, avaliação comportamental, postura, habilidades auditivas, má oclusão, estudos em adultos, em animais e em tratamento, como pode ser observado na figura 1. Assim, a amostra foi composta por 10 artigos.

Quanto à força metodológica, todos13-22 (100%) os estudos da amostra apresentaram força metodológica moderada (tabela 2).

Características dos estudos incluídos

Dos dez estudos incluídos, a metade (50%) utilizou grupo controle.13,17,19,20,22 As publicações foram divulgadas entre 2003 e 2015, com picos de concentração em 2003 (dois estudos, 20%)13,14 e em 2013 (dois estudos, 20%).20,21 O uso de cálculo amostral foi efetivado em um estudo (10%).22 A tabela 3 mostra as principais características dos estudos selecionados.

A idade das amostras variou entre 2 e 16 anos, obtendo-se média de 9,28 anos. Com relação ao sexo (a partir dos estudos que declararam a divisão dos grupos em relação a essa variável), a maioria foi do masculino (52,28%).

Os procedimentos adotados para a avaliação dos sujeitos participantes foram: análise de fichas/prontuários, duas (20%)16,20; entrevista, quatro (40%)16,17,19,22; questionários, seis (60%)13-16,18,21; avaliação ou observação clínica, seis (60%)13,15-17,20,21; avaliação otorrinolaringológica comprovando a respiração oral, cinco (50%)15,17,19,20,22; testes específicos, seis (60%)15,17-19,21,22; e audiometria tonal liminar, duas (20%).17,22

Em relação aos instrumentos de coleta de dados, o uso de protocolos validados foi efetivado por duas pesquisas17,22 (20% da amostra), sendo que Uema et al.17 utilizaram, dentre várias provas, uma prova de reconhecimento de grafemas, por meio do teste de cancelamento de letras, e Kuroishi et al.,22 o Teste de Desempenho Escolar, de forma parcial.

Os respiradores orais apresentaram maior dificuldade na realização de operações matemáticas que os respiradores predominantemente nasais.19,22 Em contrapartida, há pesquisadores21 que não encontraram dificuldades nestas operações.

A compreensão de leitura foi considerada pior nos respiradores orais,22 bem como a escrita.21

De forma geral, oito estudos (80%)14-20,22 relataram dificuldades de aprendizagem em respiradores orais, sendo três (30%) relacionados às hipertrofias tonsilares ou de corneto inferior15,19,22; três (30%) aos distúrbios respiratórios do sono14,17,18; dois (20%) à obstrução nasal20,22 e à rinite alérgica (20%)15,19; um (10%) associado ao transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)16; um (10%) à asma18; e um (10%) ao desvio de septo.22 Dos estudos que não constataram relação entre respiração oral e distúrbio de aprendizagem (n = 2; 20%),13,21 um esteve relacionado à obstrução nasal13 e outro21 não dividiu os grupos entre respiradores orais e nasais, classificando os participantes com características de comprometimento respiratório, sem indicar a causa.

Discussão

As reprovações escolares ocorrem por diversos motivos, e o último censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira23 (INEP, BRASIL, 2013), em 2013, evidenciou que 6,1% dos escolares não conseguem avançar de série, sendo que um dos motivos se dá pela presença dos distúrbios de aprendizagem. A literatura descreveu diversos fatores para o seu surgimento, como as de ordem auditiva,1,2 de atenção, de relacionamento interpessoal, de conduta, de cognição, socioeconômico,3 histórico familiar,4 e também a respiração oral.5

Este modo respiratório é considerado uma adaptação patológica6 que pode prejudicar a qualidade do sono, o humor, o comportamento e o rendimento escolar,7 porém, poucas são as pesquisas que comprovam tal inter-relação. Além disso, é considerada alta a prevalência da respiração oral na infância8 e, por esse motivo, foi realizada a presente revisão sistemática.

Como pode ser observado pela composição da amostra, pouco ainda se investiga sobre o tema (2,8% de uma possibilidade de 357 pesquisas), evidenciando-se a necessidade de mais estudos na área.

Metade dos estudos da amostra utilizou grupo controle,13,17,19,20,22 sendo interessante ressaltar que Kajihara, Nishimura19 compararam seus resultados com grupo controle formado por outro estudo, porém, do mesmo grupo de pesquisa. Dessa forma, sugere-se que pesquisas sobre o tema com grupos controle sejam efetivadas para maior fidedigni-dade dos resultados. Ademais, para a prática baseada em evidências, ou seja, para que profissionalmente possa ser tomada uma decisão pautada nos resultados científicos obtidos, o ideal, segundo Muir Gray,24 é que tais pesquisas apresentem alta força de evidência, que são, em geral, estudos controlados e com randomização, sendo que este último não foi encontrado nas pesquisas que compuseram esta amostra.

Quanto ao diagnóstico nosológico confirmando o fator etiológico do modo respiratório oral, a metade da amostra do estudo15,17,19,20,22 submeteu seu grupo a avaliação otorrinolaringológica, comprovando respiração oral do tipo obstrutiva, porém, de diferentes etiologias. Cabe salientar, ainda, que Abreu, Moralese Ballo13 declararam que o grupo do estudo foi submetido a avaliação médica, porém, não citaram por qual especialidade nem tampouco quais procedimentos foram realizados.

Perilo et al.21 enviaram aos pais/responsáveis um Questionário de Avaliação das Características Respiratórias, composto por 22 perguntas fechadas, cuja resposta poderia ser afirmativa ou negativa. Porém, no procedimento de pesquisa dos autores, em virtude da inexistência de avaliação otorrinolaringológica que confirmasse o fator etiológico do modo respiratório alterado, não foi citada a quantidade de perguntas afirmativas que deveriam ter sido assinaladas para que o sujeito fosse considerado um possível respirador oral. Tal viés foi minimizado pela observação do vedamento labial por cinco minutos, observado por dois avaliadores, em tarefa distratora. Sendo assim, não dividiram a amostra em grupo de respiradores orais e nasais, analisando as características respiratórias da amostra e as compararam com as habilidades cognitivo-linguísticas.

Os estudos consultados e que compuseram a amostra fizeram uso de amostras não probabilísticas, compondo-as intencionalmente ou por conveniência, o que pode produzir viés na interpretação dos dados, por depender do julgamento do pesquisador. Apesar de o exposto, Kuroishi et al.22 realizaram estudo de cálculo amostral para conceber o tamanho da amostra, propiciando que seus resultados gerassem representatividade da população e maior precisão nos resultados obtidos.25

Apesar de a reprovação escolar ser uma variável de análise de ordem complexa, já que outros aspectos podem ocasionar retenção escolar, infere-se que escolares com distúrbios de aprendizagem apresentam maior chance para reprovação. Assim sendo, seria interessante que os estudos anunciassem se a amostra foi composta por estudantes que apresentaram ou não reprovação escolar. A pesquisa de Fensterseifer et al.20 estabeleceu mínimo de dois anos, e o estudo de Vera et al.16 relatou queixa (da maioria dos familiares de respiradores orais) de dificuldades escolares, embora 39% tenham sido reprovados (de uma a três vezes), com maior frequência, no Ensino Fundamental. Demais estudos14,15,17-19,21,22 não citaram sobre reprovações e, para a composição da amostra do estudo de Abreu, Morales e Ballo,13 os estudantes deveriam estar no período escolar apropriado para a idade, ou seja, os com reprovação não foram incluídos na pesquisa, podendo ser esta uma fragilidade a ser considerada.

Outro fator importante para a análise diz respeito ao local e ao período em que os estudos selecionados ocorreram, pois a mudança climática é um fator a ser levado em consideração.26 A maioria dos estudos que compôs a amostra é de pesquisadores brasileiros,13,15-22 evidenciando interesse sobre o assunto. Apenas quatro estudos (40%)13,15,17,20 indicaram o período (em meses ou anos) em que a seleção da amostra foi obtida.

Pesquisadores27 destacaram o impacto das mudanças climáticas sobre afecções das vias aéreas superiores (AVAS) em crianças menores que 13 anos na região metropolitana da cidade de São Paulo, nos meses que correspondem à entrada do inverno. Acrescentaram que o pico de morbidade por doenças respiratórias ocorre no mês de maio, possivelmente devido ao problema de termorregulação em indivíduos adaptados ao clima/tempo mais ameno de abril, justificando que pessoas com problemas de termorregulação são as mais sensíveis, com doenças respiratórias e cardiovasculares, sendo a população infantil uma das mais susceptíveis.

Há, neste período, um aumento às consultas hospitalares27 e, consequentemente, uma maior probabilidade de faltas escolares, o que pode dificultar o rendimento escolar, dependendo da cronicidade do quadro.

No Brasil, as doenças respiratórias representavam 5% dos anos de vida perdidos por morte prematura,28 revelando a importância das medidas públicas para a diminuição deste percentual.

Outra variável de análise diz respeito ao impacto da urbanização nas condições de vida e saúde da população brasileira. Pode-se observar que, dos dez artigos consultados, metade foi realizada em capitais,13,15,17,20,21 e a outra metade14,16,18,19,22 em cidades bem desenvolvidas. Nos grandes centros, de acordo com Maricato,29 tem havido, no Brasil, um aumento ecológico da desigualdade, situação em que há o crescimento desordenado das cidades, com aumento de população na periferia. Geralmente, a população que reside na periferia de cidades brasileiras pertence à classe socioeconômica baixa (como observado em pesquisa)30 e, assim, apresentam-se mais vulneráveis a fatores que podem comprometer a qualidade de vida e a saúde.

Além de o exposto, há ainda a observação de que o fracasso escolar seja maior em meninos do que em meninas, predominantemente na raça negra e/ou escolares provenientes de famílias de baixa renda.30 A amostra deste estudo foi composta por meninos, em sua maioria, ratificando o exposto pela literatura, tanto em relação ao fracasso escolar, quanto à possibili-dade da presença de fator de comorbidade como o TDAH.16

Dessa forma, pode-se depreender que a compreensão dos determinantes da aprendizagem e de seu fracasso é multifatorial e complexa, e poucos são os instrumentos validados para investigação dos distúrbios de aprendizagem, o que dificulta a comparação dos procedimentos utilizados. Apenas duas pesquisas17,22 utilizaram instrumentos validados; outra21 utilizou protocolo publicado e adaptado a estudantes brasileiros; outra19 fez a aplicação de prova de avaliação utilizada em outro estudo, porém não validada; e os demais estudos13-16,18,20 não utilizaram de protocolos de avaliação dos escolares, fazendo uso de histórico escolar de reprovação ou de questionários aplicados aos familiares ou a educadores, aumentando o viés de análise.

O teste de desempenho escolar (TDE) (desenvolvido por Lilian Stein)31 foi utilizado em uma pesquisa (10%), porém, de forma parcial.22 Neste estudo, houve comparação de um grupo experimental com um controle, e os sujeitos foram pareados por idade e escolaridade, sendo que parte da amos-tra apresentava respiração oral. Foi possível verificar que tais escolares apresentaram desempenho escolar menor que o grupo controle nas tarefas de compreensão de leitura, aritmética e memória de trabalho (exceto para números).

Em relação à avaliação das habilidades matemáticas, dos estudos que aplicaram provas neste sentido, dois19,22 encontraram resultados indicativos de dificuldades em respiradores orais, enquanto outro não encontrou.21 Já a compreensão de leitura foi considerada pior nos respiradores orais,22 bem como a escrita foi pior nos sujeitos com características de problemas respiratórios, diferentemente daqueles que não as apresentavam.21

No geral, a maioria dos pesquisadores consultados relatou dificuldades na aprendizagem em sujeitos com alteração no modo respiratório.

Sendo assim, pesquisas envolvendo respiradores orais e aprendizagem carecem de maior investimento na área, visto que o número de estudos para análise foi reduzido e os procedimentos avaliativos diversificados. Estudos interdisciplinares controlados, incluindo avaliações padronizadas, com uso de instrumentos validados e grupos amostrais uniformes, necessitam ser realizados, para que estudo de revisão sistemática de meta-análise possa ser realizado e, assim, haja maior evidência científica, tanto para a prática clínica quanto para a implantação de Políticas Públicas em Saúde e Educação.

Conclusões

Existem evidências de que o modo respiratório pode influenciar o processo de aprendizagem. Esta revisão sistemática demonstrou que indivíduos com respiração oral apresentam maior tendência de dificuldades na aprendizagem do que os nasais. Mais estudos devem ser realizados para que cresçam as evidências científicas para a prática clínica e para a implantação de Políticas Públicas em Saúde e Educação.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 19 de junho de 2015;

aceito em 7 de agosto de 2015

*Autorparacorrespondência.

E-mail: carlacesar@globo.com (C.P.H.A.R. César).

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.08.026

Como citar este artigo: Ribeiro GCA, dos Santos ID, Santos ACN, Paranhos LR, César CPHAR. Influence of the breathing pattern on the learning process: a systematic review of literature. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:466-78.

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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