O tumor de células granulares (TCG) – tumor de Abrikossoff – é raro, especialmente quando ocorre na laringe. Pode compartilhar aparência e sintomas semelhantes aos do granuloma laríngeo, pólipo ou nódulo, embora tenha características e etiologia diferentes (tabela 1). O diagnóstico deve ser feito pelo exame histológico. Em décadas passadas, a origem do TCG permaneceu controversa, mas, atualmente, as principais correntes consideraram que a sua origem seja neuroectodérmica, de acordo com a coloração imuno‐histoquímica.1 Apresentamos neste relato um paciente com história de carcinoma papilífero da tireoide em acompanhamento regular que foi recentemente diagnosticado com um TCG da laringe. Também fizemos uma revisão da literatura relacionada.
Lesões das pregas vocais
Lesões das pregas vocais | Características | Causas mais comuns | Tratamento |
---|---|---|---|
Nódulo | Geralmente bilateral | Abuso crônico da voz | Fonoterapia |
Menor | Excisão | ||
Pólipo | Com frequência unilateral | Abuso agudo da voz | Mudança de comportamento (parar de fumar, terapia da fala) |
Superfície óbvia | Irrigação crônica (Ex., tabagismo, refluxo gastroesofágeo) | ||
Vaso sanguíneo | Excisão | ||
Granuloma | Com frequência bilateral | Trauma repetido (Ex., intubação endotraqueal) | Excisão |
Maior | |||
Tumor de células granulares | Único | Desconhecida | Excisão |
Unilateral | |||
Mais comum na glote posterior |
Paciente do sexo feminino, 35 anos, com história de rouquidão progressiva por 10 meses, sem dor e com fadiga vocal. Três anos atrás, foi diagnosticada com carcinoma papilífero da tireoide e submeteu‐se a tireoidectomia total e terapia com iodo‐131. Desde então, faz uso de suplemento diário de levotiroxina (0,1mg por dia) e está em acompanhamento regular. Por 10 anos, fumava 20 cigarros por dia, mas sem história de abuso da voz. Não havia massa cervical palpável ao exame físico. Devido aos sintomas persistentes, procurou nossa clínica e uma laringoscopia indireta mostrou lesão tumoral branca no terço posterior da prega vocal direita, com cobertura mucosa e borda difusa, o que impossibilitava o fechamento da glote durante a fonação (fig. 1). Devido à história e aparência do tumor, a suspeita era de neoplasia maligna primária da laringe ou metástase recorrente de carcinoma papilífero da tireoide. O tumor foi completamente extirpado em cirurgia microlaríngea, com bisturi de lâmina fria e sob anestesia geral. A lesão media 0,5cm×0,2cm e foi totalmente embebida para secções. O exame histopatológico revelou lesão nodular com hiperplasia pseudoepiteliomatosa. Sob coloração com hematoxilina‐eosina (H&E), células poligonais com citoplasma granular eosinofílico abundante e pequenos núcleos uniformes dispostos em ninhos ficaram impressas (fig. 2). Não havia evidência de doença maligna devido à ausência de pleomorfismo com pequenos núcleos.
A coloração imuno‐histoquímica mostrou positividade para proteína S‐100 (fig. 3A), vimentina e enolase neurônio‐específica (fig. 3B). O tumor era uniformemente negativo para tireoglobulina, TTF1 e HBME‐1. De acordo com os resultados histopatológicos acima, o diagnóstico final foi de tumor de células granulares da laringe. Após seis meses de acompanhamento, a paciente estava satisfeita com o resultado de sua voz e recorrência local do tumor não foi observada.
DiscussãoA maioria dos casos descritos de carcinoma papilífero da tireoide papilar apresentava envolvimento da laringe por meio de invasão direta e foi considerada como de estágio avançado. Embora o carcinoma papilífero da tireoide tenha a tendência de se disseminar através do sistema linfático e manifestar‐se como nódulos metastáticos da laringe, a disseminação hematogênica também já foi relatada anteriormente.2 A paciente tinha história de câncer de tireoide e estava sob acompanhamento regular após tireoidectomia total. Portanto, neoplasia metastática deve ser considerada no diagnóstico diferencial de tumores da laringe.
OS TCG são neoplasias incomuns e podem ser encontradas em qualquer órgão do corpo. Cerca de metade dos casos é encontrada na cabeça e pescoço, a língua é o local mais afetado nessa região. O acometimento da laringe por TCG é tão raro que a taxa é de 3 a 10% de todos os casos.3 Diferentemente de outras lesões laríngeas comuns, como pólipos ou nódulos, o TCG tem mostrado um discreto predomínio no sexo feminino e nenhuma relação causal entre TCG e abuso da voz tem sido estabelecida.4 Os sintomas do TCG variam de acordo com o tamanho e a localização do tumor. Rouquidão é o sintoma mais comum. No entanto, sensação de caroço na garganta, tosse seca, hemoptise e odinofagia também podem estar presentes.5 Em geral, os TCG da laringe são caracterizados por serem massas firmes, redondas e envoltas por mucosa e localizam‐se com mais frequência nos dois terços posteriores das pregas vocais, embora outros locais, como aritenoides, região cricoide posterior, áreas supraglóticas ou subglóticas, também tenham sido descritos.6
Os TCG muitas vezes se assemelham a granulomas das pregas vocais, pólipos e até lesões malignas. Consequentemente, o diagnóstico definitivo foi feito a partir de exame histopatológico, que demonstrou células poligonais com espessamento da membrana celular e abundância de grânulos citoplasmáticos eosinofílicos. A origem do TCG permaneceu controversa. Foi descrito pela primeira vez em 1926 por Abrikossoff, que o denominou mioblastoma, por considerar que era originário de células musculares esqueléticas, com base em sua citologia.7 Contudo, métodos recentes de estudos imunoquímicos forneceram evidências melhores da origem desse tumor, que mostra positividade para proteína S‐100, enolase neurônio‐específica e CD68, mas negatividade para marcadores musculares, como mioglobina, queratina e desmina. Essas características da coloração sugeriram que esses tumores tenham origem no tecido neuroectodérmico ou nas células de Schwann, e não nas células musculares.4 Em recente estudo imuno‐histoquímico, Simona Gurzu et al.8 sugeriram que o TCG tenha um componente de origem endomesenquimal.
A maioria dos TCG é benigna e de crescimento lento; apenas 1 a 2% de todos os casos ocorrem como tumores malignos e ao exame histológico mostram mais pleomorfismo nuclear, elevada proporção nuclear‐citoplásmica e aumento da atividade mitótica. Além disso, os tumores malignos tendem a exceder 4cm de tamanho com invasão de estruturas adjacentes ou metástases.1 A coexistência de TCG e outras neoplasias malignas na mesma estrutura foi relatada em vários órgãos, inclusive a língua e a laringe.9 Às vezes, a biópsia ou ressecção subtotal era muito superficial para distinguir a hiperplasia pseudoepiteliomatosa (HPE) que aparece na camada mucosa em metade dos casos de TCG laríngeo a partir de carcinoma espinocelular.10 Devido a esses problemas, o tratamento no nosso caso teve como propósito a excisão completa com laser ou instrumentos frios e mínimo dano funcional. Após a ressecção completa, a maioria dos casos pode ser curada, mas a recidiva ainda ocorre em 2 a 21% dos casos, geralmente no sítio primário.5 Portanto, os pacientes precisam estar sob acompanhamento com laringoscopia para confirmar a recuperação completa.
ConclusãoEm conclusão, o TCG laríngeo é um tumor raro e benigno. Porém, a possibilidade de coexistência com neoplasia maligna e distúrbios vocais são motivos de preocupação. A ressecção completa com laser ou lâmina fria para exame patológico deve ser feita. De acordo com nossa pesquisa, este é o primeiro caso de TCG glótico em pacientes que recebem suplemento de levotiroxina após tireoidectomia total. Em nossa paciente, não podemos fornecer evidências de que o crescimento do tumor foi mediado pela estimulação de levotiroxina; mais casos devem ser coletados para análise para o entendimento da etiologia desse tumor raro.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Cheng S‐Y, Cheng L‐H, Liao Y‐S, Lai W‐S. A rare laryngeal tumor in a patient with thyroid papillary cancer: granular cell tumor. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84:519–22.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.