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Vol. 86. Núm. S1.
Páginas 67-71 (Dezembro 2020)
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Relato de Caso
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Adult onset Kawasaki disease presenting with acute epiglottitis findings
Doença de Kawasaki com início na idade adulta e achados de epiglotite aguda
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Daichi Murakamia, Gen Sugitaa, Mehmet Gunduza, Tomohiro Suenagab, Takashi Takeuchib, Hiroyuki Suzukib, Muneki Hotomia,
Autor para correspondência
mhotomi@wakayama-med.ac.jp

Autor para correspondência.
a Wakayama Medical University, Department of Otorhinolaryngology‐Head and Neck Surgery, Wakayama, Japão
b Wakayama Medical University, Department of Pediatrics, Wakayama, Japão
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Introdução

A doença de Kawasaki (DK) é uma síndrome mucocutânea linfonodal e foi descrita pela primeira vez no Japão em 1967.1 Em termos fisiopatológicos, trata‐se de uma vasculite necrotizante aguda das artérias de médio e pequeno porte. De acordo com pesquisas de rastreamento de 2013 a 2014 no Japão, a proporção entre os sexos (masculino/feminino) foi de 1,28. A DK frequentemente ocorre em crianças e casos em adultos são muito raros. A taxa de incidência (até quatro anos) foi de 305,3 por 100.000 e apenas 2,8 por 100.000 em indivíduos com mais de 10 anos. A proporção de pacientes com menos de três anos foi de 63,5%. De acordo com uma revisão recente em 2015, foram descritos apenas 100 casos de DK em adultos.2 O diagnóstico da DK clássica é feito clinicamente pela febre por um período maior do que cinco dias, combinada com pelo menos quatro das cinco manifestações clínicas: alterações dolorosas eritematosas ou edematosas nas extremidades especialmente nas mãos, exantema polimórfico, alterações eritematosas na mucosa oral ou faríngea ou rachaduras nos lábios, injeção conjuntival não purulenta e indolor e linfadenopatia cervical. Há também uma forma incompleta de DK que se manifesta com febre e apenas alguns dos achados clínicos descritos acima. Também são observadas alterações laboratoriais, como leucocitose, PCR aumentada, anemia e hipoalbuminemia. É importante enfatizar que a DK incompleta não deve ser confundida com a DK atípica. Enquanto a primeira apresenta alguns dos sintomas clássicos de DK, a última é admitida nas clínicas com sintomas incomuns, como paralisia do nervo facial, perda auditiva neurossensorial ou o aumento do fígado e icterícia. Alguns casos raramente vistos são aqueles admitidos em hospitais com sintomas otorrinolaringológicos. Aqui, relatamos um caso de DK em paciente adulto, que inicialmente foi admitido com epiglotite aguda.

Relato de casoHistória clínica

Um homem japonês de 35 anos, sem qualquer problema de saúde anterior, foi admitido em uma clínica de otorrinolaringologia local com febre alta de 39°C, dor de garganta e odinofagia. Como a fibroscopia laríngea mostrou edema em epiglote, prega ariepiglótica e mucosa aritenoide esquerda (fig. 1), inicialmente foi diagnosticado com epiglotite aguda. Para o tratamento das vias aéreas, foi transferido para o nosso Hospital Universitário de Medicina. Inicialmente, começamos um tratamento por infusão intravenosa de sulbactam/ampicilina (SBT/ABPC) 9g/dia e hidrocortisona 500mg/dia.

Figura 1.

Fibrolaringoscopia na admissão. Epiglote e mucosa aritenoide esquerda se encontram edematosas.

(0,11MB).
Achados laboratoriais

Na admissão, sua temperatura, pressão arterial e pulso foram 39,4°C, 103/53mmHg e pulso de 98 bpm, respectivamente. Os exames laboratoriais revelaram leucocitose a 20 × 109/L com predominância de células polimorfonucleares (88,3%) e a concentração de proteína C reativa (PCR) foi de 24,0mg/dL.

Nota de admissão

No dia 2da hospitalização, ele reclamou de inchaço cervical esquerdo. O exame ultrassonográfico cervical e a tomografia computadorizada (TC) com contraste mostraram edema dos linfonodos cervicais esquerdos (fig. 2) e edema de tecido mole e do músculo esternocleidomastóideo. Suspeitamos de fleimão genital causado por linfadenite cervical e alteramos a terapia antimicrobiana para panipenem/betamipron (PAPM/BP).

Figura 2.

Exame ultrassonográfico e tomografia computadorizada cervical com contraste (A, B). (A) O exame ultrassonográfico mostra edema dos linfonodos cervicais. (B) Tomografia computadorizada com contraste mostra edema dos linfonodos cervicais, de tecido mole e do músculo esternocleidomastóideo.

(0,13MB).

Embora o edema da mucosa laríngea tenha melhorado gradualmente, a febre continuou alta. Os testes sorológicos foram negativos para antiestreptolisina‐O, vírus herpes simplex 1, vírus varicela‐zoster, vírus Epstein‐Barr, citomegalovírus, parvovírus B19, vírus linfotrópico de células T humanas, vírus da imunodeficiência humana, toxoplasmose e tuberculose. Testes laboratoriais mostraram persistência de altas concentrações de leucócitos, PCR e elevação da ferritina. O resultado da citologia de aspiração com agulha fina do nódulo linfático do pescoço foi Classe\III sem diagnóstico definitivo. Em seguida, fizemos biópsia aberta de linfonodos cervicais e tentativa de drenagem. No entanto, não havia coleção de pus. O resultado da biópsia foi de lesão linfoproliferativa atípica e o resultado da cultura bacteriana foi Staphylococcus capitis subspecies ureolyticus (+). No 5° dia de internação, ele desenvolveu um rash cutâneo eritematoso no abdômen e extremidades (fig. 3) e elevação de enzimas hepáticas como TGO, TGP ou γ‐TGP foi observada. Seus achados físicos sugeriram infecção grave causada por bactérias resistentes (especialmente por Staphylococcus aureus resistente à meticilina – MRSA) ou erupção e hepatite induzida por medicamentos. A terapia com PAPM/BP foi alterada para SBT/ABPC para evitar erupção e hepatite induzida por medicamentos e adicionamos linezolida (LZD) oral para tratar MRSA e imunoglobulina intravenosa (IgIV) para tratamento de infecção bacteriana grave. Como o edema da mucosa laríngea apresentou melhoria, a administração de hidrocortisona foi interrompida.

Figura 3.

Erupção eritematosa no abdômen e nas extremidades.

(0,08MB).

Apesar dos vários protocolos de tratamento, a febre alta e o edema cervical não apresentaram melhoria e os achados laboratoriais mostraram um aumento nas concentrações de leucócitos e na PCR. No sétimo dia de internação, desenvolveu quemose bilateral e foi diagnosticado com uveíte. A resistência ao tratamento antibacteriano bem como o diagnóstico de uveíte sugeriram que ele apresentasse alguma doença inflamatória não supurativa. As culturas bacterianas, inclusive sangue, urina e escarro, foram negativas e o beta‐D glucano não estava elevado, por isso concluímos que não apresentava uma doença infecciosa. Fator reumatoide, anticorpos antinucleares e os anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos foram todos negativos, mas seus achados sugeriram doença de Still no adulto. Os critérios clínicos da doença de Still para adultos são os seguintes:

Critérios maiores: (1) Febre de 39°C ou superior (> 1 semana); (2) Artralgia (> 2 semanas); (3) erupção cutânea maculopapular de cor rosada; (4) Leucocitose (> 10.000μL com > 80% de granulócitos).

Critérios menores: (1) Dor de garganta; (2) Linfadenopatia e/ou esplenomegalia; (3) Disfunção hepática; (4) Teste negativo do fator reumatoide (FR) e anticorpo antinuclear (ANA). Cinco características dos critérios de Yamaguchi, inclusive pelo menos dois critérios maiores, devem estar presentes para o diagnóstico de doença de Still de início no adulto.3 Foi iniciada a terapia de pulso com metilprednisolona (1.000mg/dia).

Após o início da terapia de pulso com metilprednisolona, apresentou diminuição da febre nas 48 horas seguintes e os níveis de leucócitos e PCR diminuíram (fig. 4). A linfadenopatia cervical, o rash eritematoso e a quemose também apresentaram melhoria.

Figura 4.

Dados clínico‐laboratoriais antes e depois do pulso de metilprednisolona. A linha vertical preta indica o evento do tratamento de pulso de metilprednisolona.

(0,22MB).

No 15° dia de internação, a ponta dos dedos começou a descamar (fig. 5). Além da descamação, febre alta, linfadenopatia cervical, rash eritematoso e quemose sugeriram a doença de Kawasaki. Consultamos o departamento de pediatria e o diagnóstico clínico da doença de Kawasaki foi feito. O ecocardiograma feito por um pediatra não mostrou aneurisma coronário. A partir do 18° dia de internação, a metilprednisolona intravenosa foi alterada para prednisolona oral e a dose de prednisolona foi diminuída gradativamente. Finalmente, o uso oral de prednisolona foi concluído e o paciente recebeu alta.

Figura 5.

Descamação das pontas dos dedos.

(0,09MB).
Discussão

Apresentamos um caso raramente visto de doença de Kawasaki no adulto (DKA) com achados iniciais de epiglotite aguda. O diagnóstico completo de DK é definido pela presença de febre há cinco dias ou mais sem qualquer outra explicação específica e pelo menos quatro dos cinco seguintes critérios: (1) Exantema polimórfico; (2) Alterações nas extremidades periféricas; (3) Quemose bilateral não invasiva; (4) Alterações na mucosa orofaríngea; (5) Linfadenopatia cervical não supurativa aguda.4 A DK incompleta é definida por três dos cinco critérios acima e doença arterial coronariana. DKA é definida como DK com início após os 18 anos. A DKA é rara e muitas vezes diagnosticada erroneamente.

Há apenas dois casos relatados na literatura de pacientes com DK e epiglotite aguda, mas em crianças (13 e nove anos).5 Este relato é o primeiro de um paciente com DKA que apresentava epiglotite aguda.

O paciente com DK tem febre alta, alterações orofaríngeas, linfadenopatia ou aumento de sinais inflamatórios, como níveis de leucócitos e PCR, e os sintomas podem não ocorrer simultaneamente. Então, muitas vezes é feito um diagnóstico de doença infecciosa. Apesar da administração de antibióticos, os sintomas não melhoram, de modo que outros diagnósticos (por exemplo, síndromes de hipersensibilidade a medicamentos, síndrome do choque tóxico ou doenças autoimunes, tais como doença de Still do adulto) são muitas vezes feitos. Na verdade, quando o paciente foi admitido, fizemos um diagnóstico de flegmão bacteriano causado por linfadenite cervical e, subsequentemente, doença de Still do adulto.

Outros sintomas otorrinolaringológicos também foram relatados na doença de Kawasaki, como a peritonsilite ou o abcesso retrofaríngeo.6–10 O dano às artérias coronárias é a principal complicação fatal da doença de Kawasaki, então o atraso no diagnóstico ou no tratamento da doença às vezes leva a infarto coronariano ou morte súbita. Felizmente, nosso paciente não apresentou qualquer alteração coronariana.

Este caso mostra que, quando tratamos um paciente como uma infecção otorrinolaringológica que não responde à terapia antibiótica, precisamos discutir a possibilidade da doença de Kawasaki, mesmo que o paciente seja um adulto.

Conclusão

Há casos raros de doença de Kawasaki que podem apresentar vários sintomas similares a uma infecção otorrinolaringológica, mesmo em adultos. Quando a resposta aos antibióticos é ruim, os otorrinolaringologistas devem considerar a possibilidade da doença de Kawasaki para evitar o atraso no diagnóstico e o desenvolvimento de complicações coronarianas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Murakami D, Sugita G, Gunduz M, Suenaga T, Takeuchi T, Suzuki H, et al. Adult onset Kawasaki disease presenting with acute epiglottitis findings. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:S67–S71.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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