Em muitas regiões, o carcinoma de laringe é um câncer comum do trato respiratório superior e geralmente envolve a região glótica. O tratamento do câncer glótico inicial inclui radioterapia, cirurgia aberta e microcirurgia a laser de laringe. Entretanto, a forma preferencial de tratamento do câncer glótico inicial ainda é controverso.
ObjetivosEstudar os fatores que afetam a taxa de sobrevida em 5 anos do câncer glótico inicial Tis‐2N0M0 e demonstrar a segurança oncológica de diferentes tratamentos.
MétodoUm total de 144 pacientes com câncer glótico inicial foram analisados retrospectivamente. Todos os pacientes eram clinicamente negativos para linfonodos. Cinquenta e três pacientes foram submetidos à cirurgia aberta, 46 à microcirurgia transoral a laser de CO2, e radioterapia em 45 casos. Os pacientes foram acompanhados por 26 a 84 meses, com um período médio de seguimento de 62,9 meses.
ResultadosA sobrevida global em 5 anos foi de 82,6%. As taxas de sobrevida em cinco anos da cirurgia aberta, microcirurgia a laser e radioterapia foram de 83,0%, 82,6% e 82,2%, respectivamente. Não houve diferença significante na taxa de sobrevida em cinco anos entre os três tratamentos (p=0,987). Na análise multivariada, idade, estágio T, classificação histopatológica e envolvimento da comissura anterior foram fatores prognósticos importantes para o câncer glótico inicial.
ConclusãoNão houve diferença significante na taxa de sobrevida em 5 anos entre radioterapia, microcirurgia a laser e cirurgia aberta para câncer glótico inicial. Deve‐se estar atento à idade, estágio T, histopatológico e envolvimento da comissura anterior dos pacientes.
Em muitas regiões, o carcinoma da laringe é um câncer comum do trato respiratório superior e geralmente envolve a região glótica. O câncer glótico inicial é uma doença com alta taxa de cura. A taxa de controle local após 5 anos em pacientes com câncer glótico inicial é de aproximadamente 85% a 95% para T1N0M0 e de 60% a 80% em T2N0M0.1–5 O tratamento do câncer glótico inicial inclui radioterapia, cirurgia aberta e microcirurgia a laser de laringe. A microcirurgia a laser e a radioterapia sofreram um avanço significativo nos últimos anos, levando a uma diminuição da laringectomia parcial aberta. Entretanto, o tratamento preferido para o câncer glótico inicial ainda é controverso. A microcirurgia a laser implica em uma curta permanência no hospital, mas a radioterapia pode manter uma qualidade de voz ideal. Muitos estudos demonstraram que a preservação da voz é melhor após a radioterapia do que após qualquer procedimento cirúrgico,6–9 muito embora também haja estudos que não apoiam essa conclusão.10 Portanto, a escolha do tratamento para pacientes com câncer glótico precoce deve levar em consideração a profissão do paciente, o custo do tratamento, a doença concomitante, o tempo de internação e, mais importante, a preferência do paciente.
O objetivo deste estudo foi revisar os fatores que afetam a taxa de sobrevida em 5 anos do câncer inicial glótico Tis‐2N0M0 e demonstrar a segurança oncológica de diferentes tratamentos. Em nosso hospital, nossos métodos para o tratamento do câncer glótico inicial incluem radioterapia, microcirurgia a laser de laringe e cirurgia aberta. Neste estudo, tentamos avaliar os fatores prognósticos, incluindo sexo, idade, tratamento, estágio T, grau patológico e comprometimento da comissura anterior.
MétodoPacientesUm total de 144 pacientes com câncer glótico inicial foram analisados retrospectivamente. Esses pacientes têm dados completos e registros de seguimento. Neste estudo, o estágio do tumor foi determinado com base nos achados clínicos e classificado de acordo com os critérios da Union for International Cancer Control (UICC). Todos os pacientes eram clinicamente negativos para o envolvimento de linfonodos. O status do tumor foi avaliado por tomografia computadorizada de rotina (TC)/ ressonância magnética (RM) e laringoscopia por fibra óptica sob anestesia local.
TratamentosO estudo incluiu 132 homens (91,7%) e 12 mulheres (8,3%), com idades entre 39 e 83 anos, com média de idade de 52,4 anos. Uma TC ou RM pré‐operatória foi realizada em todos os pacientes para descartar qualquer infiltração da estrutura cartilaginosa. Cinquenta e três pacientes foram submetidos a cirurgia aberta (incluindo laringectomia total em 4 casos, laringectomia parcial em 49 casos), microcirurgia transoral com laser de CO2 em 46 casos e radioterapia em 45 casos (tabela 1). Nenhum paciente foi submetido ao esvaziamento cervical profilático. Quarenta e cinco pacientes receberam radioterapia. A dose total foi de 66Gy, 2,0Gy por dia, durante 33 vezes. O curso do tratamento foi de 7 semanas. Durante o tratamento, oncologistas especializados em radiologia e otorrinolaringologistas avaliaram a regressão tumoral através de exame laringoscópico. Cada paciente foi examinado uma vez por mês no primeiro ano, a cada 3 meses do segundo ao terceiro ano e a cada 6 meses a partir de então. A laringoscopia por fibra óptica foi realizada em cada nova revisão. Quando a laringoscopia de acompanhamento detectou uma lesão suspeita, as amostras de biópsia foram examinadas para descartar recorrência do tumor. Os pacientes foram acompanhados por 26 a 84 meses, com um período médio de acompanhamento de 62,9 meses. O diagnóstico de recorrência local incluiu exame clínico, diagnóstico histopatológico e laringoscopia por fibra óptica sob anestesia local.
Declaração de éticaTodas os procedimentos foram aprovados pelo comitê de ética do Heping Hospital, afiliado ao Changzhi Medical College (n° 2019006) e estão em conformidade com as diretrizes do comitê de ética local.
Análise estatísticaTodas as análises estatísticas foram realizadas com o software SPSS 25. A sobrevida global foi calculada utilizando as curvas de Kaplan‐Meier. Os fatores preditivos de sobrevida foram identificados por análise univariada e multivariada, considerando as seguintes variáveis: sexo, idade (≥ 60 anos vs. <60 anos), tratamento, estágio T, classificação histopatológica e comprometimento da comissura anterior (sim vs. não). Para a análise multivariada, todas as variáveis que foram estatisticamente significantes nos testes log‐rank foram incluídas nos modelos de risco proporcional de Cox.11 Um valor de p igual ou inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significante.
ResultadosOs três tratamentos dos pacientes estão resumidos na tabela 1. A sobrevida global em cinco anos foi de 82,6%. As taxas de sobrevida em cinco anos de cirurgia aberta, microcirurgia a laser e radioterapia foram de 83,0%, 82,6% e 82,2%, respectivamente. Não houve diferença significante na taxa de sobrevida em cinco anos entre os três tratamentos (χ2=0,026, p=0,987) (fig. 1). Um total de 25 pacientes morreu, dos quais 5 casos foram relacionados ao câncer de laringe, e o restante devido a cânceres secundários ou a doenças intercorrentes.
A mediana da duração do seguimento foi de 64 meses (variação de 26 a 84 meses). A tabela 2 resume as características dos pacientes e faz uma análise univariada para identificar os fatores que afetam a taxa de sobrevida em cinco anos. A taxa de sobrevida em cinco anos de pacientes com menos de 60 anos foi de 86,8%, enquanto a de pacientes com idade igual ou superior a 60 anos foi de 71,1% (fig. 2). Houve diferença significante entre os dois grupos (χ2=5,245, p=0,022). No estudo, o sexo não teve efeito no prognóstico (χ2=0,001, p=0,970) (fig. 3). Na análise univariada, um estágio T mais elevado (χ2=10.717, p=0.005) (fig. 4), baixa classificação histopatológica (χ2=16.806, p <0.001) (fig. 5) e comprometimento da comissura anterior (χ2=35,193, p <0,001) (fig. 6) foram fatores que afetaram a sobrevida em 5 anos. Na análise multivariada, idade, estágio T, classificação histopatológica e comprometimento da comissura anterior permaneceram fatores prognósticos importantes no câncer glótico inicial (tabela 3).
Características dos pacientes e fatores prognósticos potenciais para sobrevida global
Fator prognóstico | N° de pacientes | Taxa de sobrevida em 5 anos (%) | χ2 | p‐valor |
---|---|---|---|---|
Sexo | 0,970 | |||
Masculino | 132 | 82,6 | 0,001 | |
Feminino | 12 | 83,3 | ||
Idade (anos) | 0,022 | |||
<60 | 106 | 86,8 | 5,245 | |
≥ 60 | 38 | 71,1 | ||
Tratamento | 0,987 | |||
Cirurgia aberta | 53 | 83,0 | 0,026 | |
Microcirurgia a laser | 46 | 82,6 | ||
Radioterapia | 45 | 82,2 | ||
Estágio T | 0,005 | |||
Tis | 6 | 100 | 10,717 | |
T1 | 77 | 90,9 | ||
T2 | 61 | 70,5 | ||
Classificação histopatológica | <0,001 | |||
Bem e moderadamente diferenciado | 112 | 89,2 | 16,806 | |
Pouco diferenciado | 32 | 59,4 | ||
Tumor na comissura anterior | <0,001 | |||
Não | 115 | 91,3 | 35,193 | |
Sim | 29 | 48,3 |
Fatores prognósticos para sobrevida global na análise multivariada (modelo de Cox)
Fator prognóstico | IC 95% | |||
---|---|---|---|---|
p‐valor | HR | Inferior | Superior | |
Idade | 0,001 | 0,120 | 0,035 | 0,410 |
Estágio clínico T | 0,019 | 4,758 | 1,287 | 17,589 |
Classificação histopatológico | 0,014 | 3,883 | 1,323 | 11,397 |
Envolvimento da comissura anterior | 0,002 | 18,081 | 2,983 | 109,596 |
O câncer de cabeça e pescoço abrange um amplo espectro de doenças malignas e é responsável por 550.000 novos casos e 380.000 mortes em todo o mundo anualmente.12 Histologicamente, a grande maioria (cerca de 90%) são carcinomas de células escamosas. A abordagem de tratamento ideal para esses pacientes de alto risco permanece incerta. Pacientes com câncer glótico com manifestações clínicas como rouquidão podem ser detectados a tempo13,14 e a taxa de metástases nos linfonodos locais é baixa,15,16 então eles têm uma maior taxa de sobrevida,17 mas ainda existem alguns pacientes com doença não‐tratável ou recorrência de tumor. Analisamos retrospectivamente os efeitos de diferentes características clínicas e tratamentos nas taxas de sobrevida em 5 anos para identificar grupos de alto risco para falha do tratamento nesse subgrupo.
A taxa de sobrevivência de pacientes com câncer diminui com o aumento da idade.18 A idade também é um fator importante no câncer glótico. Em nosso estudo, os pacientes foram divididos em idade ≥ 60 anos e <60 anos, e verificou‐se que houve uma diferença significante na taxa de sobrevida em 5 anos entre os dois grupos (p=0,022). Isso é consistente com as conclusões de outros estudos.19
O estágio T é bem conhecido como fator prognóstico em pacientes com câncer glótico.20 Embora não tenha sido identificado como um fator significante na análise multivariada de alguns estudos,21 ainda assim teve um efeito significante na sobrevida neste estudo (HR=4,758, IC 95% 1,287–17,589, p=0,019). A classificação patológica também é um fator importante que afeta a taxa de sobrevida em 5 anos (HR=3,883, IC 95% 1,332‐11,397, p=0,014), o que é consistente com a nossa experiência clínica.
O impacto do envolvimento da comissura anterior no controle local do câncer glótico tem sido controverso. Alguns estudos relatam que este fator não afeta significativamente a taxa de controle local.22,23 Anatomicamente, a cartilagem tireoidiana carece de um pericôndrio protetor como uma potencial barreira tumoral, enquanto a comissura anterior está diretamente ligada à cartilagem tireoidiana. Essa barreira é uma área fraca do ponto de vista da disseminação do tumor. De acordo com nossos dados, a taxa de falha local foi 18,08 vezes maior se a comissura anterior estivesse envolvida. O envolvimento da comissura anterior também foi um fator prognóstico importante em nosso estudo (HR=18,081, IC 95% 2,983‐109,596, p=0,002). Isso é consistente com a nossa hipótese anterior. No entanto, o intervalo de confiança de 95% pode ser grande devido ao tamanho da amostra.
Embora alguns estudos tenham demonstrado que o gênero é um fator independente que afeta a taxa de sobrevida global do câncer de laringe,24,25 não chegamos a essa conclusão em nosso estudo.
Na maioria dos pacientes com câncer glótico precoce, a preservação de órgãos é gradualmente considerada o melhor tratamento inicial. A microcirurgia a laser transoral e a radioterapia tornaram‐se tratamentos importantes para os tumores glóticos iniciais. Em nosso estudo, não houve diferença significante na taxa de sobrevida em cinco anos entre os dois tratamentos e a cirurgia aberta. A microcirurgia a laser requer boa exposição da área cirúrgica para garantir uma margem de segurança adequada. Porém, para tumores recorrentes, este não é um bom tratamento.26,27 É provável que a visão direta do tumor, juntamente com uma excisão mais extensa das estruturas envolvidas, pareça garantir um melhor controle local após a recidiva da radioterapia do que o obtido pela microcirurgia. A qualidade da voz é relatada como sendo melhor após a radioterapia.22,28,29 Entretanto, quando avaliada por análise acústica e estudos aerodinâmicos da fala, percebe‐se que a qualidade da voz não volta ao normal após a irradiação.30 Provavelmente, isso se deva ao próprio tumor ou porque a radioterapia produz uma assimetria geométrica e, então, uma perda de elasticidade das pregas vocais.7 Ao escolher um plano de tratamento, devemos explicar aos pacientes as vantagens e desvantagens dos vários métodos de tratamento, o que é finalmente decidido pelos próprios pacientes.
ConclusãoNão houve diferença significante na taxa de sobrevida em cinco anos do câncer glótico inicial tratado com radioterapia, microcirurgia a laser ou cirurgia aberta. A análise multivariada mostrou que idade, estágio T, classificação histopatológica e comprometimento da comissura anterior foram fatores importantes que afetam o prognóstico.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Wang G, Li G, Wu J, Song P. Analysis of prognostic factors for Tis‐2N0M0 early glottic cancer with different treatment methods. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:375–80.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.