Compartilhar
Informação da revista
Vol. 87. Núm. 4.
Páginas 428-433 (Julho - Agosto 2021)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
5022
Vol. 87. Núm. 4.
Páginas 428-433 (Julho - Agosto 2021)
Artigo original
Open Access
Avaliação diagnóstica dos pacientes com doença de Ménière por meio da prova calórica e do video‐head impulse test
Visitas
5022
Lívia Noleto de Rezende Oliveira
Autor para correspondência
livia_noleto@yahoo.com.br

Autor para correspondência.
, Cleydson Lucena de Andrada Oliveira, Karen de Carvalho Lopes, Fernando Freitas Ganança
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Escola Paulista de Medicina, Disciplina de Otologia e Otoneurologia, São Paulo, SP, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (3)
Tabela 1. Prevalência da hiporreflexia absoluta ou relativa, à prova calórica nos pacientes com doença de Ménière e dos indivíduos do grupo‐controle
Tabela 2. Frequência de alteração ao vHIT quando considerado ganho do reflexo vestíbulo‐ocular diminuído e presença de sacadas na avaliação dos canais semicirculares lateral, anterior e posterior nos pacientes com doença de Ménière e dos indivíduos do grupo‐controle
Tabela 3. Apresentação clínica da hiporreflexia absoluta ou relativa à prova calórica nas orelhas sintomáticas na presença ou na ausência de alteração no vídeo‐teste do impulso cefálico
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Introdução

Doença de Ménière é uma labirintopatia que geralmente se manifesta com episódios de vertigem espontânea, associada à perda auditiva neurossensorial, ao zumbido e à plenitude aural ipsi e unilateral, na maioria dos casos. Os testes da função vestibular, vídeo‐teste do impulso cefálico e prova calórica não são específicos para a doença, porém podem apresentar alterações que ajudam a avaliar o comprometimento funcional.

Objetivo

Descrever os resultados obtidos à prova calórica e ao vídeo‐teste do impulso cefálico nos pacientes com doença de Ménière definida e compará‐los entre as orelhas sintomáticas, assintomáticas e com as orelhas dos indivíduos do grupo‐controle.

Método

Estudo transversal e observacional que incluiu pacientes com doença de Ménière definida diagnosticados de acordo com os critérios da Sociedade Bárány (2015) e indivíduos saudáveis (grupo controle) submetidos à prova calórica e ao vídeo‐teste do impulso cefálico. Todos os sujeitos foram avaliados por meio de anamnese otoneurológica e avaliação audiológica (audiometria tonal, vocal e imitanciometria) para caracterização da amostra. Os achados obtidos foram descritos e comparados entre as orelhas sintomáticas e assintomáticas dos pacientes com doença de Ménière e também com as do grupo‐controle.

Resultados

Foram avaliados 32 pacientes com doença de Ménière definida. A média de idade dos pacientes foi de 45,7 anos, a maioria do sexo feminino (68,8%) e unilateral. O grupo‐controle foi composto por 20 indivíduos saudáveis, com média de 44,7 anos e maioria feminina (70,0%). Os grupos mostraram‐se homogêneos em relação à idade e ao sexo. A principal queixa dos pacientes foi a vertigem (71,9%). A maioria dos pacientes apresentou mais de seis crises nos últimos seis meses (71,9%). A perda auditiva neurossensorial moderada esteve presente em 38,5% dos pacientes. A prevalência da hiporreflexia à prova calórica foi maior nas orelhas sintomáticas (56,4%) e assintomáticas (36%) dos pacientes com doença de Ménière quando comparadas às orelhas dos indivíduos do grupo‐controle (7,5%), valor de p <0,001 e p =0,004 respectivamente. As alterações de vídeo‐teste do impulso cefálico de canal semicircular lateral foram mais frequentes nas orelhas sintomáticas dos pacientes com doença de Ménière do que nas orelhas dos indivíduos controles, (p =0,026).

Conclusão

A maioria dos pacientes com doença de Ménière definida apresentou hiporreflexia à prova calórica e vídeo‐teste do impulso cefálico com função normal na orelha sintomática. A hiporreflexia vestibular à prova calórica foi mais frequente nas orelhas sintomáticas e assintomáticas dos pacientes com doença de Ménière do que nas orelhas do grupo‐controle. O vídeo‐teste do impulso cefálico apresentou mais alterações no canal semicircular lateral.

Palavras‐chave:
Doença de Ménière
Vertigem
Perda auditiva
Teste funcional vestibular
Texto Completo
Introdução

A doença de Ménière (DM) é uma síndrome clínica que consiste em episódios de vertigem espontânea associada à perda auditiva neurossensorial (PANS) e sintomas auditivos flutuantes (audição, zumbido e plenitude aural) na orelha afetada.1

O substrato histopatológico da DM corresponde à hidropisia endolinfática (HE), descrita em 1938 por Hallpike e Cairns e detectável em estudos histopatológicos de ossos temporais.2,3 A HE trata‐se do excesso de endolinfa no labirinto membranoso, que leva à dilatação do ducto coclear, sáculo, dos canais semicirculares e do utrículo.

Embora não existam achados específicos para o diagnóstico da DM nos testes vestibulares, a avalição funcional das estruturas da orelha interna é importante para mensurar o comprometimento da doença, para o prognóstico e o tratamento mais específico.

A prova calórica (PC) é o método mais antigo para avalição funcional do sistema vestibular, embora avalie apenas os canais semicirculares (CSC) laterais, por meio de estímulos de baixas frequências, em torno de 0,002–0,004 Hz, possibilita, de forma isolada, a identificação do labirinto lesado.4 Não existe achado patognomônico de DM à PC, pode apresentar respostas normais, hiperreflexia, hiporreflexia, arreflexia unilateral ou bilateral, porém o resultado mais comum é a hiporreflexia do labirinto doente.5

O vídeo‐teste do impulso cefálico (vHIT) avalia os três CSC de cada lado do labirinto. O vHIT é a análise quantitativa computadorizada do teste de impulso cefálico (TIC), que mede o ganho angular do reflexo vestíbulo‐ocular (RVO).6 O TIC é um teste muito específico da função do CSC, pois sua resposta é muito rápida. Enquanto na PC a estimulação é feita em baixas frequências, no vHIT a estimulação do labirinto é feita em altas frequências, em torno de 5–7 Hz.7

Apesar dos diversos estudos científicos feitos sobre a DM, ainda não foi esclarecido como a função vestibular é influenciada por essa doença. Considerando o fato de ser uma doença com variantes clínicas, é extremamente importante uma avaliação vestibular mais completa. Fazem‐se necessários novos estudos, que envolvam ambos os exames, para oferecer uma investigação mais precisa e um acompanhamento mais adequado aos pacientes que sofrem da doença.

O objetivo desse estudo foi descrever os resultados obtidos à PC e ao vHIT, em pacientes com DM definida, e comparar os resultados obtidos entre as orelhas sintomáticas e assintomáticas dos pacientes com DM e também com as do grupo‐controle.

Método

Para alcançar o objetivo, fez‐se um estudo observacional e transversal, no Ambulatório de Otoneurologia, da Disciplina de Otologia e Otoneurologia, do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, da Universidade Federal de São Paulo.

O presente estudo foi aprovado, em 2016, pelo comitê de ética em pesquisa (CEP) da Instituição, Plataforma Brasil – número 59556216.8.0000.5505.

Os pacientes de ambos os sexos, dos 18 aos 65 anos, com diagnóstico clínico de DM definida, de acordo com os critérios da sociedade Bárány (2015), foram recrutados consecutivamente no Ambulatório de Otoneurologia de 01 de abril de 2017 a 01 de dezembro de 2018.1

Os critérios de exclusão foram pacientes com outras doenças vestibulares, doenças otológicas crônicas, doenças cervicais, doenças oftalmológicas que impedissem a devida visualização do alvo durante o vHIT ou as movimentações oculares, doenças do sistema nervoso central e que já haviam feito algum procedimento invasivo em alguma das orelhas.

O grupo‐controle foi constituído por sujeitos de ambos os sexos, entre 18 e 65 anos, que não apresentavam queixas auditivo‐vestibulares, nem outras comorbidades, e que aceitaram participar do estudo.

Os pacientes foram submetidos a uma rotina diagnóstica, composta por anamnese otoneurológica completa, exames otorrinolaringológicos e otoneurológicos e avaliação audiológica (audiometria tonal, vocal e imitanciometria). A avaliação vestibular foi feita por meio da videonistagmografia (VNG) com PC e vHIT. Esses dois exames foram feitos com intervalo de 1 hora entre si e com pelo menos 72 horas após crise da DM, o primeiro exame feito foi o vHIT e, em seguida, a PC. Ambos os exames foram feitos pelo mesmo pesquisador, médica otorrinolaringologista, autora principal deste estudo, com experiência na feitura desses exames, que conhecia a que grupo de pesquisa cada sujeito pertencia.

Os pacientes foram orientados a não consumir bebidas alcoólicas ou cafeinadas, chocolate, evitar fumar e usar medicamentos como analgésicos, supressores vestibulares (antivertiginosos e calmantes), 72 horas antes dos testes da função vestibular.

O questionário clínico foi constituído por dados sociodemográficos e clínicos, como o tempo de doença, a frequência das crises de vertigem nos últimos seis meses, a lateralidade da doença e o sintoma principal, ou seja, o de maior incômodo no momento da avaliação.

Os pacientes foram distribuídos de acordo com o número de crises de vertigem nos últimos seis meses em três grupos: I (≤ 2 crises), II (3–5 crises), III (≥ 6) e de acordo com os critérios do estadiamento audiométrico proposto pela AAO‐HNS (1995), o qual se baseia na média dos limiares tonais das frequências 500 HZ, 1 kHZ, 2 kHZ e 3 kHz, as orelhas dos pacientes foram definidas em quatro estádios: I (≤ 25 dB NA), II (26–40 dB NA), III (41–69 dB NA) e IV (≥ 70 dB NA).8

A PC foi feita com o paciente de máscara da VNG fechada, em decúbito dorsal horizontal, com a cabeça estendida em 30°, verticalizaram‐se os canais laterais, com as ampolas para cima, com o otocalorímetro (ICS Air Cal, GN‐Otometrics, Denmark) a ar (24°C para prova fria e 50°C para a prova quente), com volume de 8 litros de ar por minuto e duração de 60 segundos, com intervalo entre as irrigações de 5 minutos. Terminada a irrigação, aguardou‐se o pico da velocidade angular da componente lenta (VACL); em seguida, o paciente fixou os olhos em um ponto luminoso, registrando‐se desde o início e por mais 30 segundos após a fixação ocular. Fez atividade mental durante toda irrigação e após, para diminuir a inibição cortical da resposta pós‐calórica. A sequência de estimulação seguiu a seguinte sequência: fria direita, fria esquerda, quente esquerda e quente direita. Considerou‐se hiporreflexia absoluta unilateral quando a soma dos valores da VACL das provas fria e quente, da orelha direita ou esquerda <5°/s. Hiporreflexia absoluta bilateral quando a soma dos valores da VACL nas quatro provas <12°/s. Para avaliar o predomínio labiríntico (PL), calculou‐se a diferença, em porcentagem, entre as respostas dos dois labirintos, quantificada de acordo com a fórmula de Jongkees, em que é escolhida a melhor resposta da velocidade angular da componente lenta em cada temperatura e em cada orelha. Considerou‐se hiporreflexia relativa nos casos de PL> 19%.9

Para o v‐HIT (ICS, GN Otometrics, Denmark), movimentos manuais, imprevisíveis, foram feitos no eixo yaw, para testagem dos canais laterais. Os impulsos devem ter um ângulo entre 15° e 20° da linha média, velocidade entre 100° e 250°/s e aceleração entre 1000° e 2500°/s2. Os testes dos canais verticais foram feitos no plano diagonal, entre os eixos roll e pitch, a cabeça foi girada 35° para a direita ou esquerda, a partir da linha média. O plano de testagem quando a cabeça é girada para a direita assume a sigla inglesa do plano LARP (Left Anterior e Right Posterior); quando girada 35° para esquerda, assume o plano RALP (Right Anterior e Left Posterior). Esses movimentos podem ter amplitude entre 10° e 20°, velocidade entre 80° e 250°/s e aceleração entre 750° e 5000°/s2.7,10

Foram obtidos no mínimo 20 estímulos em cada plano de movimentação. Os sensores detectam os movimentos dos olhos e da cabeça e os transcreveram em um gráfico, visível na tela do computador.

Quando o gráfico dos movimentos dos olhos e da cabeça é similar, o programa do computador aceita a situação como ganho normal e próximo a 1,00. Porém, durante um impulso cefálico, caso o movimento dos olhos seja aquém do necessário para manter o olhar fixo no alvo, o ganho será menor do que 1,00; e um segundo movimento ocular ocorre, a sacada corretiva. O equipamento considera normal uma diminuição de até 0,20 para os CSC laterais e de 0,25 para os verticais, devido às características de precisão dele.

Considerou‐se o vHIT alterado na presença de ganho diminuído e presença de sacadas corretivas após o movimento cefálico.

Os dados foram arquivados e tabelados no programa Microsoft Excel 2011® pelo pesquisador. Inicialmente, todas as variáveis foram analisadas descritivamente. O nível de significância usado para os testes foi de 5%.

Resultados

O grupo de pacientes com DM foi composto por 22 mulheres (68,8%) e 10 homens (31,2%), entre 18 e 62 anos (média =45,7). O grupo‐controle foi composto por 20 indivíduos, 14 (70,0%) mulheres e 6 (30,0%) homens, entre 28 e 62 anos (média =44,7). Os grupos mostraram homogeneidade em relação à idade e ao sexo.

De acordo com as características clínicas dos pacientes, o tempo médio de doença foi de 3 anos, com tempo mínimo de 3 meses e máximo de 42 anos. Em relação à lateralidade da doença, 13 pacientes (40,6%) apresentaram acometimento na orelha direita, 12 (37,5%) na esquerda e 7 (21,9%) bilateralmente. Na classificação da DM, de acordo com o número de crises nos últimos 6 meses, 28,1% relataram até duas crises em 6 meses e 71,9% relataram mais de seis crises nesse período. O estádio de perda auditiva que compreendeu mais pacientes foi o Tipo III (33,3%), o que representou perda auditiva neurossensorial moderada, segundo os critérios da AAO‐HNS. Quanto ao sintoma de maior incômodo, 68,8% dos pacientes referiram vertigem, 28,1% zumbido e 3,1% hipoacusia.

Em relação à prevalência da hiporreflexia absoluta ou relativa à PC, nas orelhas sintomáticas, nas assintomáticas e no grupo‐controle foram de 22 (56,4%); 9 (36%) e 3 (7,5%), respectivamente. As orelhas sintomáticas e assintomáticas apresentaram uma maior ocorrência de hiporreflexia absoluta ou relativa em comparação ao controle (tabela 1).

Tabela 1.

Prevalência da hiporreflexia absoluta ou relativa, à prova calórica nos pacientes com doença de Ménière e dos indivíduos do grupo‐controle

PC  Orelha sintomática(n =39)  Orelha assintomática(n =25)  Controle(n =40)  p‐valor 
Hiporreflexia  22 (56,4%)  9 (36%)  3 (7,5%)   
p‐valor (Sint.×controle)  –  –  –  p <0,001 
p‐valor (Assint.×controle)  –  –  –  p =0,004 
p‐valor (Sint.xAssint.)  –  –  –  p =0,111 

PC, prova calórica; Sint., sintomática; Assint., assintomática

A frequência de alteração ao vHIT, quando considerado ganho diminuído e presença de sacadas cobertas e ou descobertas, foi mais frequente nos CSC laterais nas orelhas sintomáticas quando comparadas ao grupo‐controle, com diferença estatisticamente significante (tabela 2).

Tabela 2.

Frequência de alteração ao vHIT quando considerado ganho do reflexo vestíbulo‐ocular diminuído e presença de sacadas na avaliação dos canais semicirculares lateral, anterior e posterior nos pacientes com doença de Ménière e dos indivíduos do grupo‐controle

CSC  Orelhasintomática  Orelhaassintomática  Controle  p‐valor 
Lateral  5 (12,8%)  1 (4,0%)  0 (0,0%)   
p‐valor (Sint.×controle)  –  –  –  0,026 
p‐valor (Assint.×controle)  –  –  –  0,385 
p‐valor (Sint.xAssint.)  –  –  –  0,391 
Anterior  2 (5,1%)  0 (0,0%)  0 (0,0%)  – 
p‐valor (Sint.×controle)  –  –  –  0,241 
p‐valor (Assint.×controle)  –  –  –  1,000 
p‐valor (Sint.xAssint.)  –  –  –  0,516 
Posterior  3 (7,7%)  0 (0,0%)  0 (0,0%)   
p‐valor (Sint.×controle)  –  –  –  0,116 
p‐valor (Assint.×controle)  –  –  –  1,000 
p‐valor (Sint.xAssint.)  –  –  –  0,275 

CSC, canal semicircular.

A maioria dos pacientes com DM não apresentou alterações quando submetidos ao vHIT. As orelhas sintomáticas que tiveram o vHIT alterado também apresentaram PC com hiporreflexia (tabela 3).

Tabela 3.

Apresentação clínica da hiporreflexia absoluta ou relativa à prova calórica nas orelhas sintomáticas na presença ou na ausência de alteração no vídeo‐teste do impulso cefálico

Orelha sintomática  vHIT com alteração  vHIT sem alteração 
PC com hiporreflexia  5 (12,8%)  17 (43,6%) 
PC sem hiporreflexia  0 (0,0%)  17 (43,6%) 

vHIT, vídeo teste do impulso cefálico; PC, prova calórica.

Discussão

O grupo de estudo apresentou um predomínio de mulheres com média de 45,7 anos, acometimento unilateral e sem predileção de lateralidade. Esses dados são consistentes com outros estudos, que verificaram maior prevalência de mulheres, acima dos 40 anos, e apresentação unilateral.11,12

O sintoma de maior incômodo nos pacientes com DM do atual estudo foi a vertigem. A maioria dos pacientes relatou mais de seis crises de vertigem nos últimos seis meses, promoveu o impacto negativo da doença na qualidade de vida. De acordo com Neuhauser et al., a vertigem de origem vestibular corresponde a 41% das licenças médicas na Alemanha; pacientes com vertigem têm baixo rendimento, interrupção das atividades diárias e evitam sair de casa.13,14

Em relação à PANS, a perda auditiva moderada esteve presente em 38,5% dos pacientes da atual amostra. A audição costuma ser flutuante nos primeiros anos e reversível após as crises de vertigem. No entanto, ao logo do tempo, a perda auditiva torna‐se permanente, de moderada a grave.15,16

Na análise da PC, o atual estudo mostrou que os pacientes com DM têm nas orelhas sintomáticas e assintomáticas uma maior ocorrência de hiporreflexia absoluta ou relativa em comparação ao controle. A prevalência da hiporreflexia na orelha sintomática foi concordante com Proctor. Também foi observada, na atual amostra, prevalência de 36% de hiporreflexia nas orelhas assintomáticas, o que diverge do encontrado por esse autor, em que apenas 19% dos pacientes com DM unilateral apresentaram hiporreflexia no lado assintomático.17 Isso pode ocorrer devido ao fato de a maioria dos pacientes apresentar hidropisia bilateral, porém nem sempre manifestam a DM, ou ao fato de não haver critérios audiológicos para defini‐la como tal.18 Outra explicação para a hiporreflexia na orelha assintomática do paciente com DM seria a diminuição da VACL contralateral, o que pode fazer parte de um mecanismo de compensação vestibular.19

No que concerne ao vHIT, no atual estudo, ocorreu maior prevalência de alterações de vHIT dos CSC laterais, nas orelhas sintomáticas dos pacientes com DM quando comparadas ao grupo‐controle. Esse fato pode ser atribuído a uma maior sensibilidade técnica do exame aos canais laterais do que os verticais. Em contrapartida, Fukushima et al. mostraram que alteração no vHIT foi mais frequentemente nos CSC posteriores, seguido do lateral.20

Foi observado que a hiporreflexia na PC ocorreu em mais da metade dos pacientes, entretanto a maioria dos resultados do vHIT apresentou‐se dentro da faixa de normalidade. As alterações de PC são concordantes ao estudo de Blodow et al., que encontraram PC alterada em 67% dos pacientes com DM, enquanto que o vHIT apresentou alteração em 37% dos casos, porcentagem maior do que a encontrada no estudo atual, que foi de 12%, porém nesse estudo, diferentemente desse, não foi especificado no critério de inclusão se os pacientes tinham DM provável e/ou definida.21 Outro estudo feito por Rubin et al. encontrou a PC alterada em 94% e o vHIT normal em 100% dos pacientes com DM definida, no entanto todos os pacientes estavam em estágio avançado da doença.22

Na presente amostra, todas as orelhas que apresentaram vHIT alterado também apresentaram hiporreflexia à PC. Mahringer et al. compararam a PC e o vHIT em pacientes com queixas de vertigem ou tonturas em um hospital comunitário. Esses pacientes tinham diferentes diagnósticos clínicos de doenças vestibulares, 15% desses tinham DM. Os autores consideraram somente os pacientes que tinham hiporreflexia à PC. Desses, 41% também apresentaram alteração ao vHIT.23 De acordo com Rambold, apesar de o vHIT ser um exame que economiza tempo e aprimora o trabalho, nos pacientes com DM a PC é mais eficiente para o diagnóstico de alterações da função vestibular.24

O vHIT e a PC medem diferentes aspectos do RVO.25,26 Assim como na PC, o vHIT também não apresentou sinal patognomônico na DM. Entretanto, diferente do observado à PC, não houve diferença significante dos resultados do vHIT entre as orelhas dos pacientes e dos controles. Essa diferença entre os resultados de ambos os testes vestibulares pode ser explicada pela semiologia neurológica da crista ampular dos canais semicirculares, em que a DM lesa preferencialmente as células Tipo II, localizadas na periferia do órgão, enquanto as células Tipo I, localizadas na região central, geralmente são poupadas. O vHIT estimula preferencialmente as células Tipo I enquanto a PC, as células Tipo II.27,28 Outra explicação para tal diferença se deve ao fato de que na HE ocorra um aumento do diâmetro dos CSC, o que, por sua vez, pode resultar em uma menor pressão induzida através da cúpula, durante a estimulação calórica, causa assim uma hiporreflexia. Porém, o aumento do diâmetro dos CSC teria pouco efeito sobre o vHIT.29 Apesar de os diversos estudos mostrarem maior prevalência de alterações na PC quando comparado ao vHIT, esse teste não pode ser considerado como padrão‐ouro para avaliação das alterações da função vestibular. Os autores ressaltaram o fato de ambos os exames serem complementares.21,23,24 De acordo com estudo de Hannigan et al., a PC alterada com vHIT dos canais horizontais normais é mais comumente associada à DM e pode funcionar como um marcador diagnóstico da doença.30

Esta pesquisa ratifica a necessidade da avaliação de ambas as orelhas, mesmo nos casos de doença unilateral, evidencia que o comprometimento funcional pode estar presente antes da manifestação clínica dos sintomas. Da mesma forma, ressalta a importância da avaliação global de todas as estruturas sensoriais da orelha interna.

Conclusão

A maioria dos pacientes com DM definida apresentou hiporreflexia à PC na orelha sintomática e vHIT sem anormalidades.

A hiporreflexia absoluta ou relativa foi mais frequente nas orelhas sintomáticas e assintomáticas dos pacientes com DM definida quando comparado aos controles. As alterações ao vHIT foram mais frequentes nos canais laterais nas orelhas sintomáticas dos pacientes com DM.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
J.A. Lopez-Escamez, J. Carey, W. Chung, J.A. Goebeld, M. Magnussone, M. Mandalaf, et al.
Diagnostic criteria for Menière's disease.
J Vestib Res., 1 (2015), pp. 1-7
[2]
C.S. Hallpike, H.B.W. Carins.
Observations of pathology of Meniere's syndrome.
Proc R Soc Med., 31 (1938), pp. 1317-1336
[3]
C.A. Foster, R.E. Breeze.
Endolymphatic hydrops in Meniere's disease: cause, consequence, or epiphenomenon?.
Otol Neurotol., 34 (2013), pp. 1210-1214
[4]
N. Perez, J. Rama-Lopez.
Head‐impulse and caloric tests in patients with dizziness.
Otol Neurotol., 24 (2013), pp. 913-917
[5]
M.M. Paparella.
Pathogenesis and pathophysiology of Ménière's Disease.
Acta Otolaryngol (Stockh)., 485 (1991), pp. 26-35
[6]
K.P. Weber, S.T. Aw, M.J. Todd, L.A. McGarvie, I.S. Curthoys, G.M. Halmagyi.
Head impulse test in unilateral vestibular loss: vestibulo‐ocular reflex and catch‐up saccades.
[7]
K.P. Weber, H.G. MacDougall, G.M. Halmagy, I.S. Curthoysn.
Impulsive testing of semicircular canal function using video‐oculography.
Ann N Y Acad Sci., 1164 (2009), pp. 486-491
[8]
Committee on Hearing, Equilibrium Guidelines for the Diagnosis, Evaluation of Therapy in Meniere's Disease.
American Academy of Otolaryngology‐Head and Neck Foundation, Inc..
Otolaryngol Head Neck Surg, 113 (1995), pp. 181-185
[9]
S. Albertino, R.S.M. Bittar, M.A. Bottino, M.M. Ganança, D.U. Gonçalves, M.E. Greters, et al.
Valores de referência da prova calórica a ar.
Braz J Otorhinolaryngol., 78 (2012), pp. 2
[10]
H.G. MacDougall, L.A. McGarvie, G.M. Halmagyi, I.S. Curthoys, K.P. Weber.
Application of the video head impulse test to detect vertical semicircular canal dysfunction.
Otol Neurotol., 34 (2013), pp. 974-979
[11]
L.B. Minor, D.A. Schessel, J.P. Carey.
Ménière's disease.
Curr Opin Neurol., 17 (2004), pp. 9-16
[12]
S.G. Bruderer, D. Bodmer, N.A. Stohler, S.S. Jick, C.R. Meier.
Population‐based study on the epidemiology of Meniere's disease.
Audiol Neurootol., 22 (2017), pp. 74-82
[13]
H.K. Neuhauser, A. Radtke, M. von Brevern, F. Lezius, M. Feldmann, T. Lempert.
Burden of dizziness and vertigo in the community.
Arch Intern Med., 168 (2008), pp. 2118-2124
[14]
H.K. Neuhauser.
The epidemiology of dizziness and vertigo.
Handb Clin Neurol., 137 (2016), pp. 67-82
[15]
A. Belinchon, H. Perez-Garrigues, J.M. Tenias, A. Lopez.
Hearing assessment in Meniere's disease.
Laryngoscope., 121 (2011), pp. 622-626
[16]
J.M. Espinosa-Sanchez, J.A. Lopez-Escamez.
Menière's disease.
Handb Clin Neurol., 137 (2016), pp. 257-277
[17]
L.R. Proctor.
Results of serial vestibular testing in unilateral Méniere's disease.
Am J Otol., 21 (2000), pp. 552-558
[18]
T. Nakashima, S. Naganawa, M. Sugiura, M. Teranishi, M. Sone, H. Hayashi, et al.
Visualization of endolymphatic hydrops in patients with Meniere's disease.
Laryngoscope., 117 (2007), pp. 415-420
[19]
P.F. Smith, I.S. Curthoys.
Mechanisms of recovery following unilateral labyrinthectomy: a review.
Brain Res Rev., 14 (1989), pp. 155-180
[20]
M. Fukushima, R. Oya, K. Nozaki, H. Eguchi, S. Akahani, H. Inohara, N. Takeda.
Vertical head impulse and caloric are complementary but react opposite to Meniere's disease hydrops.
Laryngoscope., 4 (2018), pp. 1-7
[21]
A. Blödow, M. Heinze, M.B. Bloching, M. von Brevern, A. Radtke, T. Lempert.
Caloric stimulation and video‐head impulse testing in Ménière's disease and vestibular migraine.
Acta Otolaryngol., 134 (2014), pp. 1239-1244
[22]
F. Rubin, F. Simon, B. Verillaud, P. Herman, R. Kania, C. Hautefort.
Comparison of Video Head Impulse Test and Caloric Reflex Test in advanced unilateral definite Menière's disease.
Eur Ann Otorhinolaryngol Head Neck Dis., 135 (2018), pp. 167-169
[23]
A. Mahringer, H.A. Rambold.
Caloric test and video‐head‐impulse: a study of vertigo/dizziness patients in a community hospital.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 271 (2014), pp. 463-472
[24]
H.A. Rambold.
Economic management of vertigo/dizziness disease in a county hospital: video‐head‐impulse test vs. caloric irrigation.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 272 (2015), pp. 2621-2628
[25]
S. Zellhuber, A. Mahringer, H.A. Rambold.
Relation of video‐head‐impulse test and caloric irrigation: a study on the recovery in unilateral vestibular neuritis.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 271 (2014), pp. 2375-2383
[26]
S.L. Bell, F. Barker, H. Heselton, E. MacKenzie, D. Dewhurst, A. Sanderson.
A study of the relationship between the video head impulse test anda ir calorics.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 272 (2015), pp. 1287-1294
[27]
A. Hanque, D.E. Angelaki, J.D. Dickman.
Spatial turning and dynamics of vestibular semicircular canal afferents in rhesus monkeys.
Exp Brain Res., 155 (2004), pp. 81-90
[28]
D.L. McCaslin, A. Rivas, G.P. Jacobson, M.L. Bennett.
The dissociation of Video Head Impulse Test (vHIT) and bithermal caloric test results provide topological localization of vestibular system impairment in patients with “Definite” Ménière's Disease.
Am J Audiol., 24 (2015), pp. 1-10
[29]
L.A. McGarvie, L.S. Cruthoys, H.G. MacDougall, G.M. Halmagyi.
What does dissociation between the results of video head impulse versus caloric testing reveal about the vestibular dysfunction in Ménière's disease?.
Acta Otolaryngol., 135 (2015), pp. 859-865
[30]
I.P. Hannigan, M.S. Welgampola, S.R D. Watson.
Dissociation of caloric and head impulse tests: a marker of Meniere's disease.
J Neurol., 268 (2021), pp. 431-439

Como citar este artigo: Oliveira LN, Oliveira CL, Lopes KC, Ganança FF. Diagnostic assessment of patients with Meniere's disease through caloric testing and the video‐head‐impulse test. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:428–33.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2019. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.