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Vol. 88. Núm. 2.
Páginas 283-286 (Março - Abril 2022)
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Vol. 88. Núm. 2.
Páginas 283-286 (Março - Abril 2022)
Relato de caso
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Carcinoma do espaço parafaríngeo ex‐adenoma pleomórfico: relato de caso e revisão da literatura
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İbrahim Yağcıa,
Autor para correspondência
ibrahim.yagci1@saglik.gov.tr

Autor para correspondência.
, Seyhan Özakkoyunlu Hasçiçekb, Metin Figenc, Alican Çoktura, Mehmet Ecea, Suat Turguta
a University of Health Sciences, Sisli Hamidiye Etfal Research and Training Hospital, Department of Otolaryngology & Head and Neck Surgery, Instambul, Turquia
b University of Health Sciences, Sisli Hamidiye Etfal Research and Training Hospital, Pathology Department, Instambul, Turquia
c University of Health Sciences, Sisli Hamidiye Etfal Research and Training Hospital, Radiation Oncology Department, Instambul, Turquia
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Introdução

O espaço parafaríngeo (EPF) é um espaço potencial preenchido por tecido fibrogorduroso, que se estende desde a base do crânio até o nível do osso hioide.

O EPF é dividido em compartimentos pré‐estiloide e pós‐estiloide pela fáscia que se estende do processo estiloide ao músculo tensor palatino. A frequência de tumores que podem se desenvolver em cada compartimento varia de acordo com as características dos tecidos dessas regiões. A determinação da localização pode ajudar o profissional médico a prever o possível diagnóstico da lesão tumoral. Tumores de glândulas salivares, linfomas e lipomas são frequentemente detectados no complemento anterior, enquanto os tumores da bainha nervosa, tumores vasculares e de tecidos moles estão frequentemente localizados no compartimento posterior.1

Os tumores do EPF são tumores raros e constituem 0,5% das neoplasias de cabeça e pescoço.2 Os tumores que se originam nessa região são frequentemente benignos. A taxa de lesões malignas é de cerca de 20% a 25% e a maioria deles são neoplasias das glândulas salivares.3 Os tumores de glândulas salivares nessa região geralmente se originam do lobo profundo da parótida adjacente, enquanto, em menor número, os tumores originários de glândulas salivares menores também podem ser detectados.

O carcinoma ex‐adenoma pleomórfico (CXAP) é um tumor epitelial agressivo e de alto grau que se desenvolve a partir do adenoma pleomórfico (AP). Embora frequentemente se desenvolva em APs recorrentes, também pode se desenvolver em APs primários.

O CXAP é um tumor raro de glândula salivar. Constitui 3% a 5% de todas as neoplasias das glândulas salivares e 5% a 15% de todas as neoplasias malignas das glândulas salivares.4 Sua incidência na população é de 0,63/1 milhão de indivíduos. É tipicamente de alto grau e a morte relacionada à doença é frequentemente observada devido a metástases a distância. A localização mais comum é a glândula parótida e o CXAP constitui 5% a 15% das neoplasias malignas primárias da glândula parótida.

Existem muito poucos casos de CXAPs primários do EPF relatados na literatura até o momento. O tumor detectado no EPF pode se originar dos tecidos do lobo profundo da parótida ou das glândulas salivares menores do EPF. Neste artigo, apresentamos um caso originado da glândula salivar menor do EPF e uma revisão da literatura.

O exame anatomopatológico do caso foi feito por um patologista experiente e classificado de acordo com a 4ª edição da classificação de tumores de cabeça e pescoço da Organização Mundial de Saúde. Na análise histopatológica, foram avaliados o subtipo e o grau do tumor através de coloração imuno‐histoquímica, infiltração da cápsula e tecido circundante e a relação carcinoma/AP.

Relato de caso

Um paciente de 50 anos, do sexo masculino, que se queixava de aumento recente de roncos e crises de apneia foi admitido em nossa clínica com esses sintomas. O paciente tinha diagnóstico conhecido de hipertensão, obesidade e SAOS e não fazia controle de rotina para essas condições. O paciente também se queixava de inchaço na garganta e dificuldade de engolir. Não havia tumores à palpação cervical. No exame orofaríngeo, o palato mole e a mucosa da parede lateral da faringe tinham sido deslocados pela lesão tumoral subjacente, resultou em obstrução das vias aéreas superiores. A imagem de ressonância magnética (RM) com contraste mostrou uma lesão tumoral bem circunscrita hipointensa em T1, hiperintensa em T2, media 55 × 50mm (fig. 1). Esses achados de imagem confirmaram que a lesão era um adenoma pleomórfico. O resultado da biópsia por punção aspirativa com agulha fina (PAAF) transoral foi relatado como citologia suspeita de adenoma pleomórfico e malignidade.

Figura 1.

(a) Imagem axial de TC com contraste. (b) Imagem de RM axial ponderada em T2. (c) Imagem de RM sagital ponderada em T2. (d) Imagem de RM no plano coronal ponderada em T1 com supressão de gordura e RM com contraste.

(0,35MB).

O paciente foi operado sob anestesia geral com abordagem transcervical e o tumor foi totalmente excisado. O resultado da patologia foi de carcinoma ex‐adenoma pleomórfico minimamente invasivo (tipo de carcinoma de ductos salivares). Na coloração imuno‐histoquímica, CK7, p63 e receptor de andrógeno foram reativos. Nenhuma coloração foi observada com CD117 e S100. O índice Ki67 foi de 30% a 40% (fig. 2). Invasão da cápsula estava presente em uma área de 1mm do tumor e a relação CXAP/PA foi de 61,5%. Após a cirurgia, o paciente recebeu radioterapia externa adjuvante com 60Gy devido às características anatomopatológicas do tumor.

Figura 2.

(a) Visão macroscópica do tumor. (b) Infiltrado tumoral progredindo no padrão glandular do estroma hialinizado, adjacente ao parênquima do adenoma pleomórfico contendo a matriz condromixoide (H&E, 10×). (c) Glândulas cribriformes contendo áreas de necrose de comedo em seu lúmen (H&E, 10×). (d) Coloração de receptor de andrógeno nuclear em células tumorais (20×).

(0,39MB).

Não houve recorrência locorregional ou a distância em imagens de RM e PET/CT (do inglês positron emission tomography – computed tomography) no 6° mês após o tratamento. O paciente tem sido acompanhado no primeiro ano e permanece livre da doença.

Discussão

As neoplasias primárias do EPF são tumores raros. Além disso, o CXAP é um tumor raro entre as doenças malignas das glândulas salivares. A coexistência de ambas as condições é muito rara e há muito poucos casos relatados.

Em uma revisão dos últimos 50 anos da literatura, foram detectados 2.153 tumores parafaríngeos.5 O CXAP foi detectado em somente 28 pacientes entre 451 tumores malignos originários da região parafaríngea. Entre todos os pacientes, CXAP representou 6,2% de todos os tumores malignos do EPF e 1,3% de todos os tumores do EPF. Quando as publicações em inglês que foram publicadas após esta revisão foram reexaminadas, foram detectados mais 3 relatos de caso com CXAP primário do espaço parafaríngeo.2,6 Assim, o caso que apresentamos neste artigo é o 32° caso de CXAP primário do EPF descrito na literatura.

De acordo com muitos estudos, a sensibilidade da PAAF no diagnóstico de CXAP é de 64% a 92% e sua especificidade é de 86% a 98%. Em um estudo no qual 24 pacientes com CXAP foram analisados retrospectivamente, apenas 43% dos 16 pacientes submetidos a PAAF foram diagnosticados no pré‐operatório como lesões malignas.7 Os pacientes que não foram diagnosticados com lesões malignas no pré‐operatório foram frequentemente diagnosticados erroneamente como adenoma pleomórfico. A provável razão para essa situação é que nenhuma amostra foi retirada do foco do CXAP dentro do tumor, ou seja, amostra insuficiente. A análise histopatológica congelação pode ser usada em muitos procedimentos cirúrgicos na região da cabeça e pescoço. A taxa de falso negativos na avaliação por congelação em neoplasias das glândulas salivares é de 9% a 24%.

O resultado pré‐operatório da PAAF em nosso caso foi relatado como suspeita de malignidade. Havia achados sugestivos de adenoma pleomórfico radiologicamente e não havia sinais de invasão das estruturas vizinhas. Como a técnica cirúrgica não muda e não foi observada linfadenopatia patológica durante a cirurgia, o exame de congelação não foi feito em nosso caso.

Histopatologicamente, o subtipo mais comum de tumor é o carcinoma intraductal e a transição de AP para CXAP pode ocorrer como uma transformação maligna. No paciente em questão, o subtipo de tumor era carcinoma de ducto salivar e tumor de alto grau.

O CXAP é dividido em 3 subgrupos em termos de presença de invasão da cápsula no exame histopatológico: carcinoma intracapsular (não invasivo/in situ), carcinoma minimamente invasivo (invasão da cápsula inferior a 1,5mm) e carcinoma invasivo (invasão da cápsula superior a 1,5mm). Em um estudo que avaliou 19 casos com CXAP do EPF, o tumor era intracapsular em 5 pacientes e minimamente invasivo em 7 pacientes.7 Orsen detectou tumores invasivos em 92% dos pacientes.8 Em outro estudo, a morte relacionada à doença não foi observada em pacientes com invasão inferior a 0,5cm e tumores não invasivos.9 À medida que o tamanho da invasão do tumor aumentava, o risco de recorrência também aumentava. No paciente em questão, foi detectada invasão da cápsula de 1mm e o tumor foi considerado um CXAP minimamente invasivo.

Quando a relação CXAP/AP é calculada em relação ao tamanho, Orsen observou que essa taxa era superior a 50% em 80% dos pacientes.8 Zbaren et al. relatou‐a como maior do que 66% em 42% dos pacientes.7 Lewis et al. observaram que essa taxa era superior a 50% em 84% dos pacientes.9 No paciente que apresentamos aqui, calculamos a relação CXAP/AP como 61,5%.

Em um estudo no qual 24 pacientes foram avaliados e a recorrência foi observada em 6 pacientes, a sobrevida em 5 anos foi de 76%.7 As altas taxas de sobrevida neste estudo foram associadas à alta porcentagem de pacientes com tumores em estágio inicial e não invasivos, além da aplicação de radioterapia (RT) adjuvante em metade dos pacientes operados. Em outro estudo, as taxas de sobrevida global em 2 e 5 anos de pacientes com diagnóstico de CXAP foram de 84,6% e 68,5%; a sobrevida específica da doença foi de 90,3% e 80,4%.10

O tamanho aumentado do tumor foi associado a uma sobrevida ruim. Pode ser necessário administrar RT adjuvante de acordo com a invasão da cápsula tumoral, subtipo e grau histopatológico. Assim, é possível aumentar as taxas de controle local da doença. A terapia eletiva para o pescoço (esvaziamento cervical ou RT) é recomendada para CXAP de alto grau. Entretanto, o efeito da RT na sobrevida é limitado, especialmente devido ao alto risco de metástases a distância de tumores de alto grau. Não foi demonstrado efeito da adição de quimioterapia (QT) adjuvante ao tratamento. O paciente em questão recebeu RT eletiva local e cervical devido à histologia de alto grau do tumor e invasão mínima da cápsula.

Na maioria dos pacientes, as abordagens transcervicais ou transcervicais transparotídeas podem ser feitas como técnicas cirúrgicas. Essas abordagens fornecem visualização direta do tumor e das estruturas neurovasculares e também têm resultados cosméticos aceitáveis. A abordagem externa também pode ser feita com auxílio de endoscópio, principalmente nas lesões que se estendem até a base do crânio. Em contraste, a cirurgia transoral ou técnicas cirúrgicas robóticas transorais não são recomendadas, especialmente devido ao risco de desintegração do tumor na cirurgia de tumores malignos ou devido ao risco de lesão de estruturas neurovasculares na região parafaríngea. A ressecção do tumor intraoral pode ser feita em pequenas lesões, mas pode haver dificuldades no controle das estruturas neurovasculares do EPF e o risco de recorrência associado à desintegração do tumor não deve ser desconsiderado. Por essa razão, a abordagem transcervical é mais adequada, especialmente em casos de tumor de EPS com diagnóstico de malignidade. Além disso, a abordagem transcervical‐transparotídea deve ser definitivamente a preferida para a visualização e proteção do nervo facial em lesões do lobo profundo da parótida. Pode ser necessário usar a técnica do swing mandibular em lesões de grande porte ou lesões vasculares que não podem fornecer exposição adequada.

Devido ao padrão de crescimento lento e ao fato de o tumor estar localizado em uma área oculta, como a região parafaríngea, os APs do lobo profundo ou do EPF podem atingir grandes tamanhos sem sintomas ou com sintomas leves por muitos anos. Por essa razão, os tumores são geralmente detectados quando já apresentam um grande crescimento e a cirurgia transcervical‐transparotídea, inclusive a definição do nervo facial, é mais segura, principalmente no tratamento de tumores do EPF originados do lobo profundo da parótida.

Os tumores do lobo profundo da parótida podem ser benignos ou malignos. Os tumores malignos da glândula parótida (sejam do lobo superficial ou profundo) requerem não apenas a excisão da lesão principal, mas também a ressecção de todo o tecido da glândula parótida como parotidectomia total. No caso apresentado, a parotidectomia ou identificação do nervo facial não foi feita devido à presença de tecido adiposo íntegro entre o lobo profundo da parótida e a lesão tumoral e, portanto, o tumor era originário da região parafaríngea.

Conclusão

Sabe‐se que, com o passar do tempo, se o adenoma pleomórfico não é tratado, o risco de desenvolver malignidade aumenta; no paciente apresentado, acreditamos que o tumor na região parafaríngea tenha apresentado crescimento suficiente para causar obstrução das vias aéreas superiores e que o tumor se desenvolveu em um adenoma pleomórfico que permaneceu sem tratamento por um longo tempo.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Yağcı İ, Hasçiçek SÖ, Figen M, Çoktur A, Ece M, Turgut S. Parapharyngeal space carcinoma ex pleomorphic adenoma: case report and literature review. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:283–6.

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