O cisto dentígero é definido como uma cavidade revestida com epitélio originário do folículo expandido localizado ao redor da coroa de um dente impactado na junção amelocementária. O cisto se desenvolve a partir dos remanescentes epiteliais do esmalte, como resultado do acúmulo de líquidos em seus estratos.1
Os cistos dentígeros são geralmente assintomáticos, mas podem causar aumento no volume e atraso na erupção dentária.1,2 São rotineiramente encontrados em exames radiográficos para investigação de falha na erupção dentária, dentes faltantes ou malignidades.1 Geralmente, radiograficamente, a lesão é expansiva, unilocular, radiolucente e bem circunscrita, apresenta um halo de osso esclerótico reativo associado com a coroa de um dente impactado.1,3
No exame microscópico, esses cistos têm uma cavidade preenchida com líquidos e um revestimento epitelial fino com 2 a 6 camadas de células cuboides, geralmente definidas como não queratinizadas. A interface entre o epitélio e a cápsula cística é plana. Em alguns casos, é possível observar a presença de infiltrado inflamatório mononuclear na cápsula cística.3
Na maioria das vezes, os cistos dentígeros se apresentam como uma lesão única. Quando bilaterais ou múltiplos, geralmente estão associados a síndromes do desenvolvimento ou doenças sistêmicas, como mucopolissacaridose, síndrome do nevo basocelular, displasia cleidocraniana e síndrome de Maroteaux‐Lamy. A ocorrência de múltiplos cistos dentígeros na ausência de doenças sistêmicas é rara.3–5
Os achados de imagem mostram uma lesão radiolucente unilocular ligada a um dente não irrompido e margens escleróticas bem definidas. Um diagnóstico de imagem mais sofisticado, como a tomografia computadorizada, pode revelar a natureza cística dessas lesões com mais detalhes e confiabilidade e sua relação, o que facilita o diagnóstico.6
O objetivo do presente relatório é descrever um caso incomum de múltiplos cistos dentígeros e fornecer uma visão geral dos achados de imagem, a fim de auxiliar os dentistas na análise precisa dessas lesões.
Relato de casoUm paciente do sexo masculino, com 39 anos, veio ao consultório para tratamento odontológico convencional, não relatou doenças subjacentes nem queixas orais. O exame extraoral não mostrou alterações, enquanto o exame intraoral não mostrou sinais flogísticos.
A radiografia panorâmica mostrou a presença de duas lesões mandibulares bilaterais, uma que media aproximadamente 2cm, localizada no lado direito, e outra que media aproximadamente 1,5cm no lado esquerdo. E uma lesão maxilar que media 1,0cm localizada no lado esquerdo. As três lesões eram assintomáticas, bem delimitadas e envolviam as coroas dos terceiros molares não irrompidos (fig. 1).
Para determinar os limites reais das lesões e suas relações com os tecidos circundantes e, consequentemente, a melhor abordagem de tratamento, foi feita uma tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC).
A TCFC revelou que os dentes no 28, 38 e 48 estavam impactados, bem como presença de lesões císticas no hemiarco maxilar direito e nos hemiarcos mandibulares direito e esquerdo. Além disso, a TCFC (vista axial) mostrou integridade e expansão dos ossos corticais bucais da maxila e mandíbula (fig. 2). A imagem coronal de TCFC mostra lesões bem definidas com atenuação de tecidos moles que envolvem dentes impactados (fig. 3).
Os achados clínicos e radiográficos foram sugestivos de queratocisto odontogênico e cisto dentígero. Sob anestesia local, foi feita biópsia incisional das lesões e foram obtidas amostras. As amostras cirúrgicas foram armazenadas em frascos que continham 10% de formaldeído antes de serem enviadas para exame histopatológico em nosso laboratório de patologia. Os achados histopatológicos mostraram presença de cavidade cística com revestimento epitelial delgado, estratificado, escamoso. A interface entre o revestimento epitelial e a cápsula cística era lisa, apresentava áreas com extravasamento significativo de glóbulos vermelhos. Assim, foi determinado o diagnóstico de cisto dentígero (fig. 4).
Coloração de hematoxilina‐eosina mostra características histopatológicas do cisto dentígero. (A) Presença de cavidade cística com revestimento epitelial delgado, estratificado, escamoso (aumento de 100x); (B) interface entre revestimento epitelial e a cápsula cística plana (aumento de 400x).
Em seguida, as lesões foram excisadas sob anestesia geral e os dentes não irrompidos foram removidos.
DiscussãoO cisto dentígero é o segundo tipo mais comum de cisto odontogênico, cuja frequência é menor do que a do cisto radicular.6 Quanto aos cistos odontogênicos do desenvolvimento, sua frequência é a mais alta. Eles se desenvolvem através do acúmulo de líquido entre o epitélio reduzido do esmalte e a coroa do dente.1
O tratamento do cisto dentígero depende do tamanho da lesão. A lesão pode ser enucleada se for pequena, enquanto a marsupialização pode ser necessária para a remoção completa de um cisto maior.7 Um cisto dentígero pode envolver dentes permanentes impactados e não irrompidos, dentes supranumerários e raramente dentes decíduos. Os terceiros molares mandibulares e caninos maxilares são os mais frequentemente afetados.1,2,5 Os dentes adjacentes à lesão podem ser deslocados ou sofrer reabsorção radicular. No entanto, esses achados não são exclusivos dessa lesão. Os queratocisto odontogênicos e os tumores odontogênicos podem ser radiograficamente semelhantes.2 No presente caso, no entanto, não foram observadas alterações nos dentes circundantes. A lesão era bem delimitada e envolvia as coroas dos terceiros molares impactados.
Em geral, o cisto dentígero é assintomático, mas pode causar edema facial e atraso na erupção dentária. Além disso, um desconforto pode ser associado ao cisto, uma vez que esteja infectado de maneira secundaria.2,8 No presente caso, o paciente não relatou sintomas de dor e as lesões foram identificadas apenas radiograficamente. É possível que essas lesões não tivessem sido reveladas se não tivessem sido observadas na radiografia panorâmica, até que se tornassem suficientemente grandes para causar sintomas.
A ocorrência múltipla de cistos dentígeros em um paciente não sindrômico é muito rara.9 Uma pesquisa abrangente de artigos relacionados no banco de dados PubMed revelou que, entre 1943 a 2016, apenas 32 casos de cistos dentígeros bilaterais foram relatados em pacientes não sindrômicos.5
Na literatura, a faixa etária mostra ampla variação, de 3 a 57 anos, ocorre mais frequentemente em crianças menores de 15 anos.4 Não foi o nosso caso, em que o paciente era adulto e não procurou cuidados médicos devido ao crescimento lento e assintomático do cisto e à falta de dor ou desconforto. Batra et al. sugerem que a cariotipagem deve ser feita para confirmar a associação com a anomalia do cromossomo 1 ou outros cromossomos.10
O presente relato de caso demonstra a necessidade de exame radiográfico para investigar dentes impactados. Todos os dentes afetados pela lesão eram irrompidos.
Algumas lesões podem compartilhar as mesmas características radiográficas do cisto dentígero, como queratocisto odontogênico e ameloblastoma unicístico.4,9 Os queratocistos odontogênicos mostram uma expansão óssea mais discreta e são menos propensos a causar reabsorção dentária. Espera‐se que os cistos dentígeros se apresentem lisos perifericamente e que os queratocistos odontogênicos tenham periferia irregular entrecortada.9
Além disso, os achados podem diferir pelo método de imagem, certas modalidades se mostram mais adequadas para visualizar as características dos cistos. 7 Por exemplo, a extensão da lesão não é vista claramente na radiografia panorâmica, mas é bem caracterizada na tomografia computadorizada, fornece informações adicionais sobre origem, tamanho, conteúdo, placas corticais e relação da lesão com estruturas anatômicas adjacentes.9
O uso complementar da TCFC foi importante para delinear a extensão da lesão e sua relação com estruturas adjacentes, o que traz mais segurança à abordagem cirúrgica. A TCFC tornou‐se amplamente usada para o diagnóstico da área dento‐maxilo‐facial e é uma medida rápida, conveniente e necessária que pode ser usada para avaliar a presença e extensão desse tipo de lesão.6
ConclusãoMúltiplos cistos dentígeros raramente afetam indivíduos saudáveis. Os achados de exames de imagem geralmente são úteis para um diagnóstico adequado. Esse tipo de lesão requer uma avaliação pré‐operatória abrangente, juntamente com uma abordagem cirúrgica escolhida de maneira coerente e a TCFC como uma nova técnica de imagem pode ser a ferramenta diagnóstica nesses casos.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Bergamini ML, Sanches GT, Pina PS, D’Avila RP, Canto AM, Ogawa CM, et al. Unusual multiple dentigerous cysts evaluated by cone beam computed tomography: a case report on a non‐syndromic patient. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:110–3.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.