O crescimento craniofacial é modificado pela respiração oral crônica. A expansão rápida da maxila promove a separação da sutura palatino mediana, melhora a oclusão e a dimensão da via aérea superior.
ObjetivoAvaliar de forma sistematizada os artigos científicos dos efeitos da expansão rápida da maxila sob as dimensões das vias aéreas e classificar a qualidade da evidência das informações.
MétodoFoi feita a busca nas plataformas Pubmed, Lilacs, Embase, Scopus, Web of Science e Cochrane, bem como a literatura cinzenta. Os artigos foram selecionados e avaliados quanto aos riscos de viés (ROBINS‐I), e feita a avaliação da qualidade da evidência (GRADE).
ResultadosDe 309 estudos encontrados, 26 artigos foram selecionados para leitura completa, dos quais 22 excluídos, restaram 4 artigos para a análise e compilamento de dados, dois ensaios clínicos não randomizados controlados e dois ensaios clínicos não randomizados e não controlados. Nenhum ensaio clínico randomizado foi encontrado.
ConclusõesAs metanálises mostraram aumento de distância internasal, interzigomática e volume orofaríngeo após a expansão rápida da maxila, o que, juntamente aos achados clínicos, torna a recomendação favorável à intervenção. A qualidade da evidência de cada desfecho foi considerada muito baixa.
A influência da respiração no desenvolvimento das estruturas craniofaciais tem sido amplamente discutida na literatura.1 De acordo com a teoria da matriz funcional de Moss,2 a respiração nasal promove o adequado crescimento e desenvolvimento do complexo craniofacial, em interação com as outras funções, como mastigação e deglutição.
Muitos estudos mostram a associação entre os distúrbios respiratórios, alterações craniofaciais e má oclusão dentária.3–6 A respiração oral na fase de crescimento é considerada um importante fator responsável pela sequência de eventos que comumente resulta em alterações no crescimento e desenvolvimento cranial e maxilo‐mandibular, decorre de predisposição devido à morfologia craniofacial ou pode ser causada por diversas alterações, como desvio de septo nasal, rinite alérgica, hipertrofia das conchas nasais e hipertrofia das tonsilas palatinas e faríngea.5,6 Tem sido apontada a correlação entre a conformação anatômica da via aérea superior no respirador oral e alterações na morfologia craniofacial.6,7 As características anatômicas frequentemente associadas são: atresia maxilar, posição retruída da maxila e mandíbula, estreitamento da orofaringe e padrão de crescimento vertical, além de mordida cruzada posterior e aberta anterior com hipotonia labial e padrões de deglutição atípica.5,8 A orofaringe é a parte média da faringe, localizada entre o palato mole e a borda superior da epiglote, é a parte posterior da cavidade oral.
As alterações tanto do terço médio da face como as alterações miofaciais e a posição da língua são apontadas como fatores importantes para a persistência de distúrbios respiratórios obstrutivos em crianças após a adenotonsilectomia, ou como causa em adolescentes e adultos jovens.6,9
A correção dessa alteração craniofacial é feita por meio da expansão rápida da maxila (ERM), é apontado como tratamento eficaz da síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) residual na criança.10 A ERM é alcançada por meio de um aparelho ortodôntico com um mecanismo de abertura látero‐lateral progressiva com uso de um parafuso que é ativado diariamente. O movimento ortopédico é conseguido pela abertura da sutura palatina, ainda aberta até aproximadamente 12 anos de idade, ou recém calcificada na adolescência.11 Segundo Baratieri et al.,12 a ERM não só poderia produzir alterações dentoalveolares, na correção transversal, mas também teria implicações no complexo nasal, como descrito por Lagravere et al.13 e Baratieri et al.12
Com base nesses resultados favoráveis, questionou‐se a qualidade da evidência a favor da intervenção (ERM) e o seu grau de recomendação como tratamento corretivo das dimensões das vias aéreas superiores, com resultados persistentes a médio e longo prazo.
Dessa forma, foi proposta a feitura de revisão sistemática do efeito de expansão da maxila sob a via aérea em crianças e adolescentes jovens, com análise da qualidade da evidência e do grau de recomendação a favor da intervenção.
O objetivo desta revisão sistemática foi avaliar a eficácia terapêutica da ERM em crianças com respiração oral e distúrbios respiratórios a longo prazo, em relação à melhoria no padrão respiratório, além das medidas objetivas anatômicas craniofaciais, pré e pós a intervenção, aos 3 meses e follow‐up de ao menos 12 meses, como também avaliar a qualidade da evidência da literatura científica e o grau de recomendação.
MétodoA revisão sistemática foi feita de acordo com as recomendações do Prisma (www.prisma‐statement.org.), com protocolo registrado na Prospero (número de registro CRD42019119650).
A estratégia do PICO usada nesta revisão sistemática está descrita na tabela 1.
Eixos norteadores para elaboração da pergunta, PICO
População | Pré‐adolescentes (idade média de 12 anos, idade máxima de 14 anos) com distúrbios respiratórios obstrutivos |
Intervenção | Expansão rápida da maxila |
Grupo comparativo | Sem intervenção da expansão rápida da maxila |
Desfechos (outcomes) | Restabelecimento do padrão respiratório normal, analisado clinicamente, por relato e/ou por medidas. |
1. Cefalométricas dos exames radiográficos: Distância intermolares; Distância intercaninos; Distância internasal e Distância interzigomáticos | |
2. Volumes: Volume nasal e Volume faríngeo | |
3. Relato clínico de respiração oral, nasal ou mista antes e após a ERM. |
Foram incluídos estudos prospectivos controlados de intervenção, com e sem randomização, e estudos de série de casos. A população‐alvo para a intervenção era de crianças até 14 anos, com respiração oral e/ou distúrbios respiratórios obstrutivos, submetidas a expansão rápida de maxila, sem assistência cirúrgica, exclusive estudos que envolveram adolescentes acima de 14 anos e 11 meses, adultos ou pacientes portadores de síndromes genéticas craniofaciais e/ou neurológicas.
Dois revisores (SATW e DMCS) selecionaram independentemente os estudos identificados pela pesquisa bibliográfica. Divergências foram resolvidas em consenso.
Foram extraídas as caraterísticas dos estudos como: desenho, métodos de alocação, randomização, mascaramento, participantes (número, sexo, idade), seguimento após intervenção, exame de imagem (TC ou RX), medidas craniofaciais (distância intermaxilar, volumes nasal ou orofaríngeo).
Cada estudo foi analisado pela ferramenta Robins‐I, Cochrane, para avaliar o risco de viés de estudos não randomizados para efeito de intervenção.
Os dados das mesmas medidas dos estudos incluídos foram combinados em uma metanálise, usou‐se o programa Review Manager 5.3 (RevMan).14
A qualidade da evidência da magnitude de efeito de cada desfecho foi analisada pelo instrumento Grade, com classificação em alta, moderada, baixa ou muito baixa.
Este trabalho foi dispensado da obtenção de parecer ético pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Estadual Paulista de acordo com ofício 136/2017‐CEP, por se tratar de revisão sistemática da literatura.
ResultadosDos 309 estudos identificados a partir das buscas nas bases eletrônicas de dados, 26 artigos foram avaliados na íntegra, dos quais quatro permaneceram para a análise final, dois estudos clínicos não randomizados controlados15,16 e dois estudos clínicos não randomizados e não controlados.17,18 Nenhum ensaio clínico randomizado foi encontrado (fig. 1).
As características detalhadas dos estudos incluídos encontram‐se na tabela 2. Os efeitos de intervenção detalhados de cada estudo incluído encontram‐se na tabela 3.
Características dos ensaios incluídos
Estudo | Compadretti et al., 2006 | Cappellette Jr. et al., 2017 | Izuka et al., 2015 | Matsumoto et al., 2016 |
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Desenho | Ensaio clínico não randomizado controlado | Ensaio clínico não randomizado controlado | Ensaio clínico não randomizado e não controlado | Ensaio clínico não randomizado e não controlado |
Pacientes | 27 crianças – 13 meninos, 14 meninas | 23 crianças – 11 meninos, 12 meninas | 25 crianças | 29 crianças |
Idade | Média 5–13 anos (DP = 9,5 anos ± 2,1) | Média 9,6 anos (DP = 2,3 anos) | Média de 10,5 anos (6–13 anos, DP = 2,2) | 7 – 10 anos |
Características prévias | Constrição do arco superior | Constrição do arco superior | Respiração bucal | Respiração oral |
Ausência de causas naturais para a insuficiência respiratória nasal | Respiração oral | Atresia maxilar | Dentadura mista | |
Dentadura mista | Mordida cruzada posterior | Mordida cruzada posterior uni ou bilateral | ||
Aumento de adenoides | Obstrução nasal | |||
Septo obstrutivo | ||||
Exames complementares | RMM | Questionário de qualidade de vida | Questionário de qualidade de vida | Rinometria Acústica |
AR | EOL: Rinoscopia; Oroscopia; Nasofibroendoscopia | EOL: Rinoscopia; Oroscopia; Nasofibroendoscopia | Rinomametria Computadorizada | |
Audiometria | ||||
Timpanometria | Nasofibroscopia | |||
RX PA: Distância internasal; Distância interzigomáticos; Distância intermaxilar | Exame Ortodôntico: atresia do arco superior; teste de 3 min. de lábios fechados; Tomografia computadorizada (pré ERM e 3 meses pós ERM) | Tomografia Computadorizada | Rx PA: NC‐NC (correspondendo à largura internasal); JL‐JL (correspondendo à larguramaxilar) | |
Grupo Controle | 24 crianças – 16 meninos, 8 meninas | 15 crianças – 9 meninos, 6 meninas | – | – |
Idade Grupo Controle | média 8–12 anos (10,2 anos ± 1,5 DP) | 10,5 anos (DP = 1,9 anos) | – | – |
Características prévias Grupo Controle | Sem Obstrução (confirmados por nasofaringoscopia) | Não relatado | – | – |
Exames Grupo Controle | RAM e AR (primeira consulta e pós com média de 11 meses) | Tomografia Computadorizada (pré‐ERM e 3 meses pós‐ERM) | – | – |
Intervenção | ERM com Hyrax | ERM com Hyrax | ERM com Bierderman | ERM com Haas |
País | Itália | Brasil | Brasil | Brasil |
Follow‐up | 12 meses ± 0,8 SD (média de 10,3–13,6 meses) | 3 meses | 3 meses | 30 meses |
Dolphin Imaging v.11.7 softwareTC + Reconstrução | – | Medidas volumétricas e comparações entre as imagens de ambos os grupos foram levados ao Dolphin e avaliadas em airwayvolume em 3 vistas: sagital, coronal e axial. | Usado para avaliar as vias aéreas superiores dos pacientes, através das seguintes medidas: ANF: largura da porção anterior do assoalho nasal; PNF: largura da porção posterior do assoalho nasal; VNN: volume da nasofaringe e cavidade nasal | |
Conclusão | A melhoria na respiração nasal pós‐ERM se deve ao aumento significante da largura nasal. | A ERM apresentou aumento significante da dimensão transversa da maxila e um aumento significante dos volumes nasal e orofaríngeo. | Aumento significante das distâncias transversas maxilares e aumento significante dos volumes nasal e orofaríngeo. | A ERM aumentou significantemente as distâncias transversas maxilar e nasal. |
Efeitos das intervenções para os ensaios
Compadretti et al., 2006 | Ensaio clínico controlado não randomizado | ||
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Medidas cefalométricas (mm) | T1 (3 meses) | T2 (≥12 meses) | Média – DP |
Largura da cavidade nasal | Não relatado | Não relatado | 2,2 ± 2,1 |
Distância intercaninos | Não relatado | Não relatado | Não relatado |
Distância intermolares | Não relatado | Não relatado | 4,8 ± 10,6 |
Distância interzigomáticos | Não relatado | Não relatado | 7,0 ± 8,6 |
Cappellette Jr et al., 2017 | Ensaio clínico não randomizado controlado | |||
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Grupo Controle | Grupo Experimental | |||
Medidas Dolphin (mm3) | T0 (pré ERM)Média – DP | T1 (3 meses)Média – DP | T0 (pré ERM)Média ‐ DP | T1 (3 meses)Média – DP |
Volume nasal | 34.426,0 ± 5.059,0 | 34.488,7 ± 5.088,9 | 33.418,7 ± 6.107,6 | 38.450,6 ± 6.329,1 |
Volume orofaríngeo | 7.531,0 ± 1.535,0 | 7.572,4 ± 1.526,4 | 10.262,3 ± 2.421,1 | 12.955,1 ± 2.942,8 |
Izuka et al., 2015 | Ensaio clínico não randomizado e não controlado | |
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Medidas cefalométricas (mm) | T0 (pré ERM)Média – DP | T1 (3 meses)Média – DP |
Largura da cavidade nasal | Não relatado | Não relatado |
Distância intercaninos | 16,3 ± 1,7 | 19,1 ± 1,8 |
Distância intermolares | 22,6 ± 2,5 | 25,4 ± 3,0 |
Distância interzigomáticos | Não relatado | Não relatado |
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Medidas Dolphin (mm3) | T0 (pré‐ERM) Média – DP | T1 (3 meses) Média – DP |
Volume nasal | 6.114,4 ± 3490,4 | 7.760,5 ± 3.841,4 |
Volume orofaríngeo | 6.378,2 ± 2357,5 | 7.826,8 ± 4.109,9 |
Matsumoto et al., 2016 | |||
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Medidas cefalométricas (mm) | T0 (pré ERM)Média – DP | T1 (3 meses)Média – DP | T2 (≥12 meses)Média – DP |
Largura da cavidade nasal | 24,25 ± 2,08 | 25,69 ± 2,22 | 27,98 ± 2,68 |
Distância intercaninos | Não relatado | Não relatado | Não relatado |
Distância intermolares | Não relatado | Não relatado | Não relatado |
Distância interzigomáticos | 58,88 ± 2,80 | 62,12 ± 2,70 | 66,29 ± 3,53 |
Todos os estudos foram avaliados quanto ao seu risco de viés, pela ferramenta ROBINS‐I, (tabela 4) apresentaram moderado a alto risco de viés para “seleção da população estudada”, “mensuração de desfecho” e “seleção de resultados relatados”, foram considerados de moderado risco de viés, exceto o de Compadretti el al.,15 julgado com risco de viés grave (tabela 5).
Análise dos riscos de viés segundo ROBINS‐I tool
ROBINS‐I tool | Ensaios clínicos não randomizados controlados | Ensaios clínicos não randomizados e não controlados | ||
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Compradetti et al., 2006 | Cappellette Jr. et al., 2017 | Izuka et al., 2015 | Matsumoto et al., 2016 | |
Viés de confusão | Alto | Moderado | Baixo | Baixo |
Viés de seleção | Moderado | Moderado | Moderado | Moderado |
Viés de classificação | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo |
Viés de desvio da intervenção pretendida | Baixo | Baixo | Baixo | Baixo |
Viés de falta de dados | Alto | Baixo | Baixo | Moderado |
Viés de mensuração desfecho | Moderado | Moderado | Moderado | Moderado |
Viés na seleção de resultados relatados | Alto | Moderado | Moderado | Moderado |
Julgamento de risco de viés | Risco de viés grave | Risco de viés moderado | Risco de viés moderado | Risco de viés moderado |
Não apresenta risco de viés crítico |
Sumário dos resultados do Grade
Desfechos | Efeitos absolutos potenciais* (95% IC) | Efeito relativo (95% IC) | N° de participantes (estudos) | Certainty of the evidence (GRADE) | Comentários | |
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Risco com [comparação] | Risco com [intervenção] | |||||
Distância internasal | Média distância Internasal foi 0 (zero) | DM 1,78 mais alto (0,95 mais alto para 2,6 mais alto) | – | 54 (2 estudos observacionais) | ⊕○○○ Muito baixaa,b | |
Volume orofaríngeo | Média volume orofaríngeo foi 0 (zero) | DM 2,18 mais alto (0,98 mais alto para 3,38 mais alto) | – | 48 (2 estudos observacionais) | ⊕○○○ Muito baixaa,b | |
Distância interzigomático | Média distância Interzigomático foi 0 (zero) | DM 2,75 menor (15,96 menor para 10,47 mais alto) | – | 54 (2 estudos observacionais) | ⊕○○○ Muito baixaa,b | |
Volume nasal | Média volume nasal foi 0 (zero) | DM 3 mais alto (0,25 menor para 6,25 mais alto) | – | 48 (2 estudos observacionais) | ⊕○○○ Muito baixaa,b |
Apenas o estudo de Compadretti et al.15 descreveu de forma quantitativa o desfecho “restauração da respiração nasal”, relatou que 42,8% da sua amostra mudaram de respiração oral para nasal, os demais autores relataram somente melhoria da respiração oral.
Com seguimento de 3 meses, os estudos de Cappellette Jr. et al.,16 Izuka et al.17 e Matsumoto et al.18 reportaram os dados cefalométricos referentes à reavaliação após 3 meses de follow‐up, mas com medidas diferentes, não foi possível uma metanálise. Em relação aos desfechos relacionados às medidas de volumes, os dados obtidos dos estudos de Cappellette Jr. et al.16 e Izuka et al.17 possibilitaram a metanálise. O desfecho volume nasal se mostrou não significante a favor da intervenção, com diferença da média de 3,00 mm3 (95% IC ‐0,25–6,25), com o total de 48 pacientes (fig. 2).
Para o desfecho volume orofaríngeo, a metanálise resultou a favor da intervenção. A diferença de média foi de 2,18 mm (95% IC 0,98–3,38), com o total de 48 pacientes (fig. 3).
Somente os estudos de Compradetti et al.15 e Matsumoto et al.18 fizeram uma nova avaliação do desfecho de abertura da maxila, após mais de 12 meses de seguimento, reportaram as medidas de distância internasal e interzigomática, viabilizaram a metanálise com resultado a favor da intervenção. A diferença de média de distância internasal foi de 1,79 mm (95% IC 0,95–2,62), a de distância interzigomático de 4,37 mm (95% IC 0.99–7,74), inclusive o total de 54 pacientes (figs. 4 e 5).
O Grade (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) é uma ferramenta desenvolvida para avaliar qualidade das evidências e força de recomendações. Na tabela 5 são apresentadas a qualidade da evidência e sua recomendação para cada desfecho analisado. Baseado nos estudos incluídos nesta RS, a qualidade da evidência a favor da ERM é muito baixa para todos os desfechos.
DiscussãoA deficiência maxilar transversal associada a problemas respiratórios tem sido amplamente discutida por otorrinolaringologistas e ortodontistas, dada a relação entre as causas, efeitos e tratamento. Angell em 186019 introduziu pela primeira vez uma técnica que possibilitou a divisão da sutura palatina mediana, que denominou de expansão maxilar. O trabalho chamou a atenção do otorrinolaringologista Eysel, citado por Haas em 1961,8 que estudou os efeitos dessa expansão maxilar nas dimensões cavidade nasal no ano de 1886 e observou que, no período após a expansão maxilar, várias alterações ocorreram na maxila, como o aumento da largura nasal próxima à sutura palatina mediana.6
Desde então, vários estudos têm sido feitos com o mesmo conceito da terapia de ERM,15–18 como uma importante opção de tratamento da deficiência maxilar transversal, forma de hipoplasia de maxila apontada como fator de risco para distúrbios respiratórios obstrutivos do sono tanto para crianças/adolescentes como para adultos, e como o mais importante cofator relacionado ao insucesso terapêutico da adenotonsilectomia em crianças/adolescentes com SAOS.6
O elevado interesse pelo assunto refletiu no número de artigos encontrados na revisão da literatura, com mais de 80% publicados nos últimos 15 anos. Porém, apesar dos resultados da ERM que apontam para o aumento da estrutura nasal e da via aérea superior, poucos estudos focaram no padrão respiratório, se nasal ou oral antes e após o tratamento, a maioria dos estudos mistura população de crianças e adultos, com combinação de técnica da ERM cirurgicamente assistida, reduz o número de artigos com os desfechos de interesse para 26.
O tratamento de ERM não tem um limite de idade para a sua indicação e para a melhor eficácia claramente definido. Mas o processo de ossificação da sutura palatina mediana ao decorrer da puberdade dificulta o processo da expansão, de tal forma que no adulto só é obtida uma expansão com a abertura da sutura por processo cirúrgico associado (ERM cirurgicamente assistida).
Ennes, em 2004,20 avaliou o grau de ossificação da sutura palatina mediana em crânios humanos de diferentes grupos etários e viu que a ossificação da sutura palatino mediana apresenta poucos pontos de radiolucidez no início da fase de adulto jovem, com espaço entre as margens ósseas da sutura palatina mediana identificado no segmento anterior e início do médio, enquanto no grupo de crianças não foram identificadas pontes de ossificação. Neste estudo, a idade de 14 anos foi apontada como ainda manter algum espaço entre as margens ósseas nos segmentos anterior e palatino médio da sutura palatina mediana, porém já com a radiopacidade mais intensa. Dessa forma, em adolescentes acima de 14 anos, a ERM não atingiria os resultados ideais. Com base nesse dado, para esta revisão foram considerados os estudos que avaliaram o efeito da ERM na população de crianças e adolescentes jovens até 14 anos.
Para nossa surpresa, 13 dos 22 estudos incluíram a população pediátrica de até 18 anos, alguns desses estudos até fizeram ERM e ERM cirurgicamente assistida, foi necessária a exclusão deles. Mesmo nos adolescentes de 12 a 14 anos, faltou a classificação da fase da puberdade por protocolos validados, como o de Tanner.21 A população de meninas atinge a puberdade mais cedo, mas também não houve diferença na análise dos resultados por gênero nos estudos, o que limita a sua interpretação. Como apontado, a idade no momento da feitura da ERM é um fator importante para o efeito da abertura da maxilla.22 Assim, cada idade tem um padrão próprio de resposta. Em 3 dos 4 estudos incluídos (Compadretti et al.,15 Cappellette Jr. et al.,16 Izuka et al.17), foi observada a variação ampla na idade com intervalo de 7 a 8 anos entre o mais novo e o mais velho. Apenas o estudo de Matsumoto et al.18 delimitou a população, estreitou a variação da faixa etária em 3 anos, com pacientes entre 7 a 10 anos. Seguimentos como a rinofaringe e a hipofaringe não foram especificados. Esses fatos foram considerados como viés moderado de seleção da população estudada, influenciaram para o rebaixamento da qualidade da evidência.
Quando os estudos se referiam a questionários de qualidade de vida, nenhum estudo usou uma avaliação mais objetiva da respiração nasal/oral por questionário validado no Brasil, como exemplo o SNOT‐22,23 que é uma ferramenta útil na avaliação da melhoria de sintomas pré e pós intervenção.
Como as medidas obtidas foram apresentadas em valores absolutos e não relativados à superfície corporal ou outra medida do crânio normatizada para a idade e gênero, há variação numérica grande, não permite afirmar qual população alvo obteria o maior efeito da intervenção, pois sabemos que o ganho em abertura da maxila ou dos volumes das cavidades nasal e faríngea não é linear para idade e depende do gênero. Essa variação grande das medidas é observada nos elevados valores do desvio‐padrão nos estudos.
É importante observar também que nenhum estudo faz referência ao normal e dessa forma não há relatos nos estudos de quantas crianças estavam abaixo das medidas consideradas normais antes da intervenção e quantas estavam dentro da normalidade após a intervenção, o que dificulta a interpretação da magnitude do efeito.
Quanto ao diagnóstico e planejamento do tratamento, os dados obtidos pela craniocefalometria e/ou tomografia computadorizada têm sido usados na análise da eficácia do tratamento com ERM. As medidas que foram avaliadas como desfechos importantes são as que representaram as medidas da abertura transversal da maxila, como as distâncias internasal, intercanino, intermolar e interzigomático, e os ângulos cefalométricos e correspondem à melhoria na projeção da maxila e da mandíbula em relação à base do crânio. Vale ressaltar que Izuka et al.17 relatou como distância internasal a medida da largura transversal da porção anterior do assoalho nasal e acessada após a demarcação de 2 pontos à direita e esquerda das cristas nasais, na região de caninos. Os demais estudos não deixam os limites tão claros, geram viés de não definição e com isso não garantem a reprodutibilidade.
As reconstruções 3D dos volumes nasais e da orofaringe pelo programa Dolphin das imagens tomográficas também são medidas que permitem avaliar a expansão das estruturas craniofaciais.15,16 Porém, não houve uniformidade nas medidas reportadas na análise em cada estudo, o que impossibilita a metanálise de todos os dados reportados, foram feitas apenas as das distâncias internasais e interzigomáticas, como também dos volumes nasais e orofaríngeos, agruparam‐se para cada medida somente 2 estudos, o que reduziu o peso do efeito da intervenção.
A avaliação de 3 meses após a expansão ativa da maxila é parte do protocolo da ERM, é considerado o fim do período da estabilização da expansão. Embora 3 dos 4 estudos tenham reportado os dados desse momento de reavaliação, somente 2 estudos usaram medidas iguais, possibilitaram a metanálise, mas com menor peso para a evidência da intervenção pelo número pequeno de crianças envolvidas e pelos vieses já apontados.
O seguimento mais longo foi reportado por dois estudos, Compradetti et al.15 e Matsumoto et al.,18 com efeitos a favor da intervenção, porém com as mesmas restrições da qualidade da evidência como mencionado acima.
Apesar de a randomização para a intervenção da ERM exigir um desenho metodológico complexo para simular um aparelho expansor com rotações diárias do parafuso de forma sham, novos estudos com melhor qualidade metodológica e com medidas craniocefalométricas padronizadas devem ser planejados. Por crianças serem consideradas população vulnerável, o desenho deve garantir respaldo ético.
A avaliação da qualidade/nível de evidência da ERM a favor do aumento das dimensões craniofaciais resultou em “muito baixa”, todos os estudos apresentaram viés moderado a grave na seleção dos pacientes, na mensuração dos desfechos, na seleção dos resultados relatados e no julgamento do risco de viés. Apesar da baixa qualidade, as metanálises para distância internasal, distância interzigomático e volume orofaríngeo mostraram efeito a favor da intervenção, com heterogeneidade considerada baixa. Esse efeito positivo também é observado na clínica. Assim, embora não seja possível apontar um grupo que se beneficiaria melhor e ainda não haja um nível de evidência bom, há uma recomendação fraca a favor da ERM para o tratamento da deficiência maxilar.
Foram evidenciadas as limitações dos estudos incluídos quanto a ausência de dados individualizados, risco de viés, diferenças nos desenhos dos aparelhos testados, variações no tempo de follow‐up, faixa etária ampla, falta de padronização do “normal”, além da falta de padrão nas medidas testadas. Porém, os resultados apresentaram baixa heterogeneidade a favor da intervenção, além dos resultados clínicos também serem a favor. Assim, há recomendação fraca a favor da intervenção.
ConclusãoEsta RS mostra que a ERM resulta em aumento das dimensões transversais da maxila e dos volumes das vias aéreas superiores após 3 meses e com seguimento maior de 12 meses. A qualidade da evidência desses desfechos é considerada muito baixa.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Santana DM, Nogueira VS, Lima SA, Fernandes LP, Weber SA. The effect of rapid maxillary expansion in children: a meta‐analysis. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:907–16.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.