Compartilhar
Informação da revista
Vol. 85. Núm. 1.
Páginas 92-98 (Janeiro - Fevereiro 2019)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
4969
Vol. 85. Núm. 1.
Páginas 92-98 (Janeiro - Fevereiro 2019)
Artigo original
Open Access
Frequency of GJB2 mutations in patients with nonsyndromic hearing loss from an ethnically characterized Brazilian population
Frequência de mutações de GJB2 em pacientes com perda auditiva não sindrômica em uma população brasileira etnicamente caracterizada
Visitas
4969
Felippe Felix
Autor para correspondência
felix@gmail.com

Autor para correspondência.
, Marcia Gonçalves Ribeiro, Shiro Tomita, Mariano Gustavo Zalis
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Etnia dos pacientes
Tabela 2. Etnia e presença de variantes do gene GJB2
Tabela 3. Perfil dos participantes com alterações de sequenciamento
Tabela 4. Variantes encontradas no sequenciamento do gene GJB2
Mostrar maisMostrar menos
Abstract
Introduction

In different parts of the world, mutations in the GJB2 gene are associated with nonsyndromic hearing loss, and the homozygous 35delG mutation (p.Gly12Valfs*2) is a major cause of hereditary hearing loss. However, the 35delG mutation is not equally prevalent across ethnicities, making it important to study other mutations, especially in multiethnic countries such as Brazil.

Objective

This study aimed to identify different mutations in the GJB2 gene in patients with severe to profound nonsyndromic sensorineural hearing loss of putative genetic origin, and who were negative or heterozygote for the 35delG mutation.

Methods

Observational study that analyzed 100 ethnically characterized Brazilian patients with nonsyndromic severe to profound sensorineural hearing loss, who were negative or heterozygote for the 35delG mutation. GJB2 mutations were detected by DNA‐based sequencing in this population. Participants’ ethnicities were identified as Latin European, Non‐Latin European, Jewish, Native, Turkish, Afro‐American, Asian and Others.

Results

Sixteen participants were heterozygote for the 35delG mutation; 14 participants, including three 35delG heterozygote's, had nine different alterations in the GJB2 gene. One variant, p.Ser199Glnfs*9, detected in two participants, was previously unreported. Three variants were pathogenic (p.Trp172*, p.Val167Met, and p.Arg75Trp), two were non‐pathogenic (p.Val27Ile and p.Ile196Thr), and three variants were indeterminate (p.Met34Thr, p.Arg127Leu, and p.Lys168Arg). Three cases of compound heterozygosity were detected: p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)], and p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Conclusion

This study detected previously unclassified variants and one case of previously unreported compound heterozygosity.

Keywords:
Hearing loss
Deafness
Genetics
Resumo
Introdução

Em diferentes partes do mundo, mutações do gene GJB2 estão associadas a perda auditiva não sindrômica e a mutação homozigótica 35delG (p.Gly12Valfs*2) é uma das principais causas de perda auditiva hereditária. No entanto, a mutação 35delG não é igualmente prevalente em todas as etnias, faz com que seja importante estudar outras mutações, especialmente em países multiétnicos, como o Brasil.

Objetivo

Identificar diferentes mutações no gene GJB2 em pacientes com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica de origem genética putativa e negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG.

Método

Estudo observacional que analisou 100 pacientes brasileiros caracterizados etnicamente, com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG. As mutações de GJB2 foram detectadas por sequenciamento baseado no DNA nessa população. As etnias dos participantes foram identificadas como latino‐europeia, não latino‐europeia, judaica, nativa, turca, negra, asiática e outras.

Resultados

Dezesseis participantes eram heterozigotos para a mutação 35delG e 14, incluindo três heterozigotos para 35delG, apresentaram nove alterações no gene GJB2. Uma variante, p.Ser199Glnfs*9, detectada em dois participantes, não havia sido relatada anteriormente. Três variantes eram patogênicas (p.Trp172*, p.Val167Met, e p.Arg75Trp), duas não patogênicas (p.Val27Ile e p.Ile196Thr) e três indeterminadas (p.Met34Thr, p.Arg127Leu, e p.Lys168Arg). Três casos de heterozigosidade composta foram detectados: p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)], e p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Conclusão

Este estudo detectou variantes não classificadas anteriormente e um caso de heterozigosidade composta ainda não relatada.

Palavras‐chave:
Perda de audição
Surdez
Genética
Texto Completo
Introdução

A perda auditiva tem um alto impacto socioeconômico1–3 e a perda auditiva congênita afeta aproximadamente 1/1.000 crianças nascidas nos Estados Unidos;4 57% desses casos têm origem genética5,6 e, desses, 70% são de perda auditiva não sindrômica.1,7 As mutações no gene GJB2 que codificam a proteína β‐2 do intervalo da junção, a conexina 26, são a causa mais comum de perda auditiva não sindrômica genética em diferentes partes do mundo.8 A mutação mais comum no gene GJB2 é a 35delG, a qual, no estado de homozigose, geralmente resulta em perda auditiva grave a profunda.9

No entanto, a mutação 35delG não é igualmente prevalente em todas as etnias. Além disso, quando essa deleção ocorre no estado de heterozigose, com expressão monoalélica, a origem da deficiência auditiva pode não ser atribuída diretamente a essa mutação. Assim, a possibilidade de outras mutações estarem diretamente associadas a perda auditiva deve ser investigada, especialmente em países multiétnicos como o Brasil.10 O sequenciamento baseado no DNA do gene GJB2 pode ajudar a identificar novas mutações associadas à surdez hereditária.

Este estudo teve como objetivo identificar diferentes mutações no gene GJB2 em pacientes com perda auditiva neurossensorial grave ou profunda não sindrômica de origem genética putativa, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG. Os pacientes participantes receberam tratamento na Clínica de Saúde Auditiva do Serviço de Otorrinolaringologia em um hospital universitário terciário no Brasil.

Método

Este estudo foi feito em um hospital universitário terciário entre setembro de 2011 e agosto de 2014 e foi aprovado pelo comitê de ética de pesquisa hospitalar (043/11). As populações‐alvo eram pacientes da Clínica de Implantes Cocleares, Serviço de Otorrinolaringologia, com surdez neurossensorial mista grave a profunda não sindrômica, de origem genética putativa, negativos ou heterozigotos para a mutação 35delG do gene GJB2. Os pacientes com surdez não sindrômica de origem genética putativa foram aqueles cujos exames clínico, audiológico e de imagem (tomografia computadorizada e ressonância magnética) não apresentaram evidência de outras causas conhecidas de surdez. Pacientes ou responsáveis legais que não concordaram em assinar o termo de consentimento livre e informado e /ou responder as perguntas do estudo foram excluídos. Todos os pacientes foram incluídos no estudo pelo autor principal.

As etnias dos participantes foram identificadas por eles ou por seus responsáveis legais como latino‐europeia, não latino‐europeia, judaica, nativa, turca, negra, asiática e outras, de acordo com a classificação de etnias do Estudo Colaborativo Latino‐Americano de Malformações Congênitas (Eclamc).11 Foi perguntado a todos os pacientes ou seus guardiães legais se havia outros casos de surdez na família e a presença de consanguinidade.

Dos 530 pacientes atendidos nesse período, 100 preencheram os critérios de participação no estudo. Todos os participantes selecionados, ou seus responsáveis legais, assinaram livremente os formulários de consentimento informado e foram submetidos à coleta de sangue para análise de DNA. O DNA foi extraído do sangue periférico com os kits PureLink™ Genomic DNA (Thermo Fisher Scientific, Waltham, MA, EUA). Após amplificação e purificação, os genomas foram sequenciados com o ABI Prism Big‐Dye Terminator Cycle Sequencing Kit™ (Applied Biosystems, Foster City, CA, EUA) e os fragmentos foram montados com o software Sequencing Analysis versão 3.7 (Applied Biosystems) e alinhados com o software CLC Sequence Viewer 6 (CLCBio, Aarhus, Dinamarca) e Mutation Surveyor® (Softgenetics LLC., State College, PA, EUA).

A nomenclatura para a descrição das variantes de sequência baseou‐se no código de três letras para as sequências de aminoácidos precedidas de “p”, de acordo com as recomendações da Human Genome Variation Society (HGVS). Da mesma forma, as variantes de sequência heterozigótica composta também foram descritas de acordo com as recomendações da nomenclatura HGVS. No caso da mutação 35delG, optamos por usar a nomenclatura baseada em sequências de nucleotídeos, porque essa é amplamente aceita. No entanto, na descrição das mutações 35delG heterozigóticas compostas, usamos a nomenclatura baseada em sequências de aminoácidos, isto é, p.(Gly12Valfs*2), para seguir a nomenclatura padrão da HGVS.

A patogenicidade foi determinada com as ferramentas de análise de SIFT (Sorting Intolerant from Tolerant) e Polyphen‐2 (Polymorphism Phenotyping v2) e informações disponíveis nos seguintes bancos de dados: 1000 genomes Project,12 Connexin‐Deafness Homepage13 e Deafness Variation Database da Universidade de Iowa, USA.14

A comparação das variáveis entre os subgrupos com e sem variantes de GJB2 foi avaliada pelo teste de qui‐quadrado.

Resultados

A idade média dos participantes do estudo foi de 14,8 anos (variação de 1‐59 anos) e 51% dos participantes eram do sexo masculino. Entre os 100 participantes, 84 não apresentavam a mutação 35delG e o restante era heterozigoto para 35delG.

A tabela 1 mostra a caracterização étnica dos participantes, 67% dos quais relataram ascendência europeia, enquanto 57% indicaram descendência negra. Nenhum participante relatou etnia judaica, turca ou asiática. Não houve associação estatisticamente significante (p = 0,35) entre as diferentes etnias avaliadas e a presença de variantes do gene GJB2 (tabela 2).

Tabela 1.

Etnia dos pacientes

Etnia  n = 100 
Latina‐europeia  35 
Negra/Latina‐europeia  29 
Negra  23 
Nativa/Latina‐europeia 
Nativa 
Nativa/Negra 
Não latina‐europeia 
Negra/Não latina‐europeia 
Tabela 2.

Etnia e presença de variantes do gene GJB2

Etnia  Total (n = 100)Com variantes de GJB2 (n = 14)Sem variantes de GJB2 (n = 86)p 
   
Latina‐europeia  35  35,0  21,4  32  37,2   
Negra  23  23,0  21,4    23,3   
Negra/Latina‐europeia  29  29,0  50,0  22  25,6  0,35 
Outras  13  13,0  7,1  12  14,0   

Dos 37 participantes que relataram história familiar de perda auditiva, três tinham uma variante do gene GJB2; cinco relataram consanguinidade, dos quais apenas um tinha uma variante do gene GJB2. Como mostrado na tabela 3, 14 participantes apresentaram variantes do gene GJB2 diferentes de 35delG – nove variantes – inclusive três pacientes que eram heterozigotos para a mutação 35delG. Dessas outras variantes, três eram patogênicas, duas eram não patogênicas, três ainda são indeterminadas e uma era uma variante não descrita anteriormente. As características de cada variante estão descritas na tabela 4.

Tabela 3.

Perfil dos participantes com alterações de sequenciamento

Caso  Variante encontrada  Mutação 35delG heterozigótica  Etnia  Idade (anos)  Tipo de perda auditiva 
14  p.(Trp172*)  Sim  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
16  p.[(Val27Ile)(;) [(Arg127Leu)]  Não  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
30  p.(Lys168Arg)  Não  Latina‐europeia  Congênita 
35  p.(Val27Ile)  Não  Negra  Congênita 
45  p.(Met34Thr)  Não  Negra  47  Súbita 
48  p.(Ser199Glnfs*9)  Não  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
49  p.[(Ile196Thr)(;) [(Lys168Arg)]  Não  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
53  p.(Ser199Glnfs*9)  Sim  Latina‐europeia  Congênita 
62  p.(Val167Met)  Não  Negra  Congênita 
64  p.(Lys168Arg)  Não  Nativa/Negra  Congênita 
65  p.(Met34Thr)  Sim  Negra/Latina‐europeia  47  Progressiva 
79  p.(Val27Ile)  Sim  Latina‐europeia  16  Progressiva 
82  p.(Arg75Trp)  Não  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
100  p.(Val27Ile)  Não  Negra/Latina‐europeia  Congênita 
Tabela 4.

Variantes encontradas no sequenciamento do gene GJB2

Variante encontrada e dados  Descrição  Efeito  SIFT  Polyphen‐2  Fonte*  Tipo de variante 
Patogênica
p.(Trp172*)  Substituição de uma guanina por uma adenosina na posição 516  Substituição do triptofano por um códon de parada na posição 172  Não avaliável  Não avaliável  Da Vinci  Nonsense 
p.(Arg75Trp) rs28931 593  Substituição de uma citosina por uma timina na posição 223  Substituição de arginina por triptofano na posição 75  0,0  1,0  Da Vinci 1000 genomes Deafness Variation  Missense 
p. (Val167Met) rs11103 3360  Substituição de uma guanina por uma adenosina na posição de nucleotídeo 499  Substituição de valina por metionina na posição 167  0,04  0,168  Deafness Variation 1000 genomes (possivelmente patogênica)  Missense 
Não patogênica
p.(Val27Ile) rs22740 84  Substituição de uma guanina por uma adenosina na posição 79  Substituição de valina pela isoleucina na posição 27  0,21  1,0  Da Vinci 1000 genomes Deafness Variation  Missense 
p.(Ile196Thr)  Substituição de uma citosina por uma timina na posição 587  Substituição de isoleucina por treonina na posição 196  0,01  0,922  Benigna em Deafness Variation  Missense 
Variante encontrada e dados  Descrição  Efeito  SIFT  Polyphen‐2  Fonte*  Tipo de variante 
Indeterminada
p.(Met34Thr) rs35887622  Substituição de uma timina por uma citosina na posição 101  Substituição de metionina por treonina na posição 34  0,01  0,38  DaVinci 1000 genomes Deafness Variation  Missense 
p.(Lys168Arg) rs2001043 62  Substituição de uma adenosina por uma guanina na posição 503  Substituição da lisina pela arginina na posição168  0,29  0,074  Benigna em 1000 genomes patogenicidade desconhecida em Deafness Variation  Missense 
p.(Arg127Leu) rs1110331 96  Substituição de uma guanina por uma timina na posição de nucleotídeo 380  Substituição de arginina por leucina na posição 127  0,04  0,277  Patogênica em Deafness Variation benigna em 1000 genomes
 
Missense 
Não descrita
p.(Ser199Glnfs*9)  Duplicação do segmento CAGTG na posição 596  Substituição de serina por glutamina na posição 199 e inserção de um quadro de leitura e códon de parada
 
Não avaliável  Não avaliável  Não descrita  Frameshift 
Discussão

Dos 100 pacientes com perda auditiva neurossensorial grave a profunda, 14 apresentaram uma ou mais dentre nove variantes no gene GJB2 além de 35delG, inclusive três que eram heterozigotos para 35delG. Três dessas mutações são patogênicas, uma é uma variante não relatada anteriormente (p.[Ser199Glnfs * 9]) e uma é um caso de heterozigosidade composta não relatada anteriormente, com 35delG, (p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Ser199Glnfs*9)]).

Vários estudos em diferentes populações relataram a prevalência das principais variantes do gene GJB2 em pacientes com surdez.7,15 Nosso estudo é o primeiro a identificar as variantes de GJB2 em uma amostra etnicamente caracterizada, com deficiência auditiva profunda, proveniente de uma população multiétnica brasileira. Além disso, detectamos uma variante anteriormente não classificada e um caso de heterozigosidade composta ainda não relatada.

Apesar da bem conhecida associação entre etnia e mutações do gene GJB2,8 não encontramos uma associação estatisticamente significante entre as alterações genéticas e a etnia no grupo estudado. Aparentemente, quando dividimos a população em grupos étnicos, o tamanho da amostra foi insuficiente para detectar resultados significantes.

Depois da 35delG, o polimorfismo p.(Val27Ile) foi a variante do GJB2 mais prevalente na população estudada, com uma frequência de 4,0%. Essa variante é considerada não patogênica e tem sido relatada em vários estudos, tanto em indivíduos com audição normal quanto em deficientes auditivos.16

A variante p.(Met34Thr) da conexina 26 foi descrita pela primeira vez como dominante patogênica por Kelsell et al. em 1997.17 Mais tarde, esses achados foram questionados e sugeriu‐se que ela poderia ser não patogênica.16,18–21 Em nossa população de estudo, encontramos um caso, com perda auditiva profunda, de p.(Met34Thr) em heterozigosidade composta com 35delG, p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)]. Essa apresentação foi documentada anteriormente: um grande estudo multicêntrico feito por Snoeckx et al. (2005)22 encontrou 38 indivíduos com perda auditiva neurossensorial que eram heterozigotos compostos para p.[(Gly12Valfs*2)](;) [(Met34Thr)] e 16 homozigotos para p.(Met34Thr) que também tinham deficiência auditiva. Por outro lado, Feldmann et al. (2004)23 encontraram quatro indivíduos com audição normal que eram heterozigotos compostos para p.[(Gly12Valfs*2)](;)[(Met34Thr)] e caracterizaram essa variante como não patogênica. A presença deste tipo de associação em indivíduos com audição normal sugere que essa alteração não tem potencial patogênico.

Um participante em nosso estudo apresentou a variante p.(Trp172*) em heterozigosidade composta com 35delG (p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)]). A variante p.(Trp172*), em homozigosidade, foi descrita pela primeira vez em um indivíduo brasileiro com perda auditiva neurossensorial bilateral grave a profunda.24 Mais tarde, Christiani et al. (2007)25 descreveram um receptor de implante coclear com perda auditiva neurossensorial grave a profunda bilateral que também era um heterozigoto composto para p.[(Gly12Valfs*2)];[(Trp172*)], como o participante em nosso estudo. O genótipo dos pais do paciente em nosso estudo foi feito e ambos eram indivíduos com audição normal e verificamos que um dos pais era heterozigoto para 35delG e o outro para p.(Trp172*), indicou que essas variantes podem não ser patogênicas em heterozigosidade.

Até hoje, a variante p.(Val167Met) foi detectada somente em indivíduos de ascendência negra e apenas a forma homozigótica foi descrita como patogênica.26–28 Em nosso estudo, detectamos essa variante em um participante negro do sexo masculino, com surdez congênita, mas em estado heterozigoto. Assim, ou a perda auditiva desse paciente foi causada por mutações (não identificadas) em um gene diferente ou a mutação p.(Val167Met) também é uma mutação autossômica dominante.

Detectamos a heterozigosidade composta p.[(Val27Ile)(;) [(Arg127Leu)] em um de nossos participantes (n° 16). A variante p.(Arg127Leu) foi inicialmente descrita por Tang et al. (2006)29 em estado heterozigótico em dois indivíduos com audição normal, um asiático e um hispânico. No entanto, o baixo número de casos dessa variante relatados até agora impede uma definição em relação a sua patogenicidade. Assim, a origem da perda de audição no caso 16 de nosso estudo não pode ser atribuída a essas variantes, seja em combinação com p. (Val27Ile) ou isoladamente, e pode ter origem em alterações em outro gene.

A variante p.(Arg75Trp), encontrada em um de nossos participantes, foi detectada pela primeira vez em um caso de perda auditiva dominante autossômica associada a queratodermia palmoplantar, que foi caracterizada como perda auditiva não sindrômica (DFNA3).30 Entretanto, a variante p.(Arg75Trp) foi posteriormente detectada como uma mutação de novo (sem história familiar de perda auditiva) em uma criança com perda auditiva profunda bilateral e sem distúrbios da pele,31 exatamente como no caso descrito em nosso estudo.

No nosso estudo, três alelos foram detectados com a variante p.(Lys168Arg): em um caso, estava associada à variante p. (Ile196Thr), enquanto que nos outros dois casos a variante heterozigótica não estava associada a outras variantes. Putcha et al. (2007) detectaram a variante p.(Lys168Arg) a uma frequência de 0,3% (7/1796) em pacientes com deficiência auditiva.6 Entretanto, Samanich et al. (2007) detectaram a variante p.(Lys168Arg) em heterozigose tanto em pacientes com deficiência auditiva neurossensorial quanto em controles com audição normal e descreveram‐na como não patogênica.28 A variante p.(Ile196Thr), encontrada em um paciente em heterozigosidade composta com p.(Lys168Arg), é uma variante do tipo missense que causa alterações nas sequências de aminoácidos do último domínio transmembrana da conexina 26, mas é descrita como benigna na base de dados Deafness Variation.12

A variante p.(Ser199Glnfs*9) é uma variante do tipo frameshift não reportada anteriormente, detectada em dois participantes do estudo, em um deles como um caso de heterozigosidade composta não relatada anteriormente com 35delG (p.[(Gly12Valfs*2)(;)[(Ser199Glnfs*9)]). Como a p.(Ile196Thr), essa variante também altera as sequências de aminoácidos do último domínio transmembrana da conexina 26. Nenhum dos dois participantes com essa variante tinha história familiar de surdez ou consanguinidade. Outra variante foi detectada anteriormente na posição 199, a variante missense p.(Ser199Phe), que é descrita como patogênica em estado de homozigose na base de dados Deafness Variation.12

Conclusão

O estudo do gene GJB2 nessa população multiétnica demonstrou variantes anteriormente não descritas ou raramente descritas. Esse fato sugere que uma avaliação completa desse gene através de sequenciamento genético, em vez de apenas identificar mutação 35delG, deveria ser a regra. Além disso, novos estudos, que possam investigar outros genes, como o GJB6, devem ser feitos para identificar a etiologia da perda auditiva nesses pacientes.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Referências
[1]
C.W. Cremers, H.A. Marres, P.M. Van Rijn.
Nonsyndromal profound genetic deafness in childhood.
Ann N Y Acad Sci, 630 (1991), pp. 191-196
[2]
V. Kalatzis, C. Petit.
The fundamental and medical impacts of recent progress in research on hereditary hearing loss.
Hum Mol Genet, 7 (1998), pp. 1589-1597
[3]
A. Middleton, J. Hewison, R.F. Mueller.
Attitudes of deaf adults toward genetic testing for hereditary deafness.
Am J Hum Genet, 63 (1998), pp. 1175-1180
[4]
M.M. Cohen, R.J. Gorlin.
Epidemiology, etiology, and genetic patterns.
Hereditary hearing loss and its syndromes, 1st ed., pp. 9-21
[5]
M.L. Marazita, L.M. Ploughman, B. Rawlings, E. Remington, K.S. Arnos, W.E. Nance.
Genetic epidemiological studies of early‐onset deafness in the U.S. school‐age population.
Am J Med Genet, 46 (1993), pp. 486-491
[6]
G.V. Putcha, B.A. Bejjani, B. Bleoo, J.K. Booker, J.C. Carey, N. Carson, et al.
A multicenter study of the frequency and distribution of GJB2 and GJB6 mutations in a large North American cohort.
Genet Med, 9 (2007), pp. 413-426
[7]
G. Van Camp, P.J. Willems, R.J. Smith.
Nonsyndromic hearing impairment: unparalleled heterogeneity.
Am J Hum Genet, 60 (1997), pp. 758-764
[8]
P. Gasparini, R. Rabionet, G. Barbujani, S. Melçhionda, M. Petersen, K. Brondun-Nielsen, et al.
High carrier frequency of the 35delG deafness mutation in European populations. Genetic Analysis Consortium of GJB2 35delG.
Eur J Hum Genet, 8 (2000), pp. 19-23
[9]
E.S. Cohn, P.M. Kelley.
Clinical Phenotype and Mutations in Connexin 26 (DFNB1/GJB2), the most common cause of childhood hearing loss.
Am J Med Genet, 89 (1999), pp. 130-136
[10]
Características étnico‐raciais da população: classificações e identidades, 1st ed.,
[11]
E.E. Castilla, I.M. Orioli.
ECLAMC: the Latin‐American collaborative study of con genital malformations.
Commun Genet, 7 (2004), pp. 76-94
[12]
Deafness Variation Database. Available from: http://deafnessvariationdatabase.org [accessed 10.10.14].
[13]
The Connexin‐deafness homepage. Available from: http://davinci.crg.es/deafness [accessed 10.10.14].
[14]
1000 Genomes. A Deep Catalog of Human Genetic Variation. Available from: http://browser.1000genomes.org/index.html [accessed 20.03.15].
[15]
R. Rabionet, P. Gasparini, X. Estivill.
Molecular genetics of hearing impairment due to mutations in gap junction genes encoding beta connexins.
Hum Mutat, 16 (2000), pp. 90-202
[16]
P.M. Kelley, D.J. Harris, B.C. Comer, J.W. Askew, T. Fowler, S.D. Smith, et al.
Novel mutations in the connexin 26 gene (GJB2) that cause autosomal recessive (DFNB1) hearing loss.
Am J Hum Genet, 62 (1998), pp. 792-799
[17]
D.P. Kelsell, J. Dunlop, H.P. Stevens, N.J. Lench, J.N. Liang, G. Parry, et al.
Connexin 26 mutations in hereditary non‐syndromic sensorineural deafness.
Nature, 387 (1997), pp. 80-83
[18]
F. Denoyelle, G. Lina-Granade, H. Plauchu, R. Bruzzone, H. Chaib, F. Levi-Acobas, et al.
Connexin 26 gene linked to a dominant deafness.
Nature, 393 (1998), pp. 319-320
[19]
D.A. Scott, M.L. Kraft, E.M. Stone, V.C. Sheffield, R.J. Smith.
Connexin mutations and hearing loss.
Nature, 391 (1998), pp. 32
[20]
A.J. Griffith.
Genetic analysis of the connexin‐26 M34T variant.
J Med Genet, 38 (2001), pp. E24
[21]
A.F. Roux, N. Pallares-Ruiz, A. Vielle, V. Faugere, C. Tremplin, D. Leprevost, et al.
Molecular epidemiology of DFNB1 deafness in France.
BMC Med Genet, 5 (2004), pp. 5
[22]
R.L. Snoeckx, P.L. Huygen, D. Feldmann, S. Marlin, F. Denoyelle, J. Waligora, et al.
GJB2 mutations and degree of hearing loss: a multicenter study.
Am J Hum Genet, 77 (2005), pp. 945-957
[23]
D. Feldmann, F. Denoyelle, N. Loundon, D. Weil, E.N. Garabedian, R. Courdec, et al.
Clinical evidence of the nonpathogenic nature of the M34T variant in the connexin 26 gene.
Eur J Hum Genet, 12 (2004), pp. 279-284
[24]
L.N. Pfeilsticker, G. Stole, E.L. Sartorato, D. Delfino, A.T.M. Guerra.
A investigação genética na surdez hereditária não‐sindrômica.
Rev Bras Otorrinolaringol, 70 (2004), pp. 182-186
[25]
T.V. Christiani, F. Alexandrino, C.A. de Oliveira, R.C. Amantini, M.C. Bevilacqua, A.O. Filho, et al.
Molecular study in Brazilian cochlear implant recipients.
Am J Med Genet A, 143A (2007), pp. 1580-1582
[26]
N.M. Gasmelseed, M. Schmidt, M.M. Magzoub, M. Macharia, O.M. Elmustafa, B. Ototo, et al.
Low frequency of deafness‐associated GJB2 variants in Kenya and Sudan and novel GJB2 variants.
Hum Mutat, 23 (2004), pp. 206-207
[27]
S.A. Ross, Z. Novak, R.A. Kumbla, K. Zhang, K.B. Fowler, S. Boppana.
GJB2 and GJB6 mutations in children with congenital cytomegalovirus infection.
Pediatr Res, 61 (2007), pp. 687-691
[28]
J. Samanich, C. Lowes, R. Burk, S. Shanske, J. Lu, A. Shanske, et al.
Mutations in GJB2, GJB6, and mitochondrial DNA are rare in African American and Caribbean Hispanic individuals with hearing impairment.
Am J Med Genet A, 143A (2007), pp. 830-838
[29]
H.Y. Tang, P. Fang, P.A. Ward, E. Schmitt, S. Darilek, S. Manolidis, et al.
DNA sequence analysis of GJB2, encoding connexin 26: observations from a population of hearing impaired cases and variable carrier rates, complex genotypes, and ethnic stratification of alleles among controls.
Am J Med Genet A, 140 (2006), pp. 2401-2415
[30]
G. Richard, T.W. White, L.E. Smith, R.A. Bailey, J.G. Compton, D.L. Paul, et al.
Functional defects of Cx26 resulting from a heterozygous missense mutation in a family with dominant deaf‐mutism and palmoplantar keratoderma.
Hum Genet, 103 (1998), pp. 393-399
[31]
A.R. Janecke, D. Nekahm, J. Löffler, A. Hirst-Stadlmann, T. Müller, G. Utermann.
De novo mutation of the connexin 26 gene associated with dominant non‐syndromic sensorineural hearing loss.
Hum Genet, 108 (2001), pp. 269-270

Como citar este artigo: Felix F, Ribeiro MG, Tomita S, Zalis MG. Frequency of GJB2 mutations in patients with nonsyndromic hearing loss from an ethnically characterized Brazilian population. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:92–8.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.