Cancer of the oral cavity and oropharynx presents aggressive behavior and its diagnosis is, in most cases, performed in advanced stages. Total glossectomy is a therapeutic option in locally advanced cancer, and the only one in the recurrent or residual disease, after chemoradiotherapy.
ObjectiveTo evaluate the clinical‐epidemiological profile, postoperative complications, survival rates and functional aspects of patients with oral cavity and oropharynx cancer after total glossectomy.
MethodIt was a retrospective study where 22 patients were included with oral cavity and oropharyngeal cancer after total glossectomy at the Hospital Regional do Vale do Paraíba, em Taubaté, São Paulo.
ResultsAll patients were male, with a median age of 57 years, most of tumors are located in the tongue and floor of the mouth and classified as stage IVa. Total glossectomy as initial treatment was performed in 18 and as salvage in four patients. The major pectoralis myocutaneous flap was used for reconstruction in all cases. The main postoperative complication was wound infection and salivary fistula.
ConclusionOverall survival was 19% and cancer‐specific survival was 30.8% in five years. Eight patients were rehabilitated for exclusive oral feeding without the dependence of tracheostomy and enteral tube, all with an overall survival greater than 15 months.
O câncer da cavidade oral e da orofaringe apresenta comportamento agressivo e seu diagnóstico é, na maioria dos casos, realizado em fases avançadas. A glossectomia total é uma opção terapêutica no câncer localmente avançado e a única no resgate de pacientes com doença residual ou recorrente, após a quimiorradioterapia.
ObjetivoAvaliar o perfil clínico‐epidemiológico, as complicações pós‐operatórias, as taxas de sobrevida e os aspectos funcionais de pacientes com câncer da cavidade oral e da orofaringe submetidos à glossectomia total.
MétodoEstudo retrospectivo em que foram incluídos 22 pacientes com câncer de cavidade oral e orofaringe submetidos à glossectomia total no Hospital Regional do Vale do Paraíba, em Taubaté, São Paulo.
ResultadosTodos os pacientes eram do gênero masculino, com mediana de 57 anos, com tumores principalmente na língua e no assoalho da boca e classificados, em sua maioria, como estádio clínico IVa. A glossectomia total como tratamento inicial foi realizada em 18 e como resgate em quatro pacientes. O retalho miocutâneo peitoral maior foi utilizado para a reconstrução em todos os casos. A principal complicação pós‐operatória foi a infecção da ferida operatória e a fístula salivar.
conclusõA sobrevida global foi de 19% e a específica por câncer de 30,8% em cinco anos. Oito pacientes foram reabilitados para alimentação oral exclusiva sem a dependência de traqueostomia e ou de dieta enteral, todos com sobrevida global maior do que 15 meses.
O câncer de cavidade oral e orofaringe apresenta um comportamento agressivo e seu diagnóstico muitas vezes é feito em fases avançadas da doença. No Brasil, para 2018, foram esperados 11.200 casos novos de câncer da cavidade oral em homens e 3.500 em mulheres.1
Geralmente seu tratamento resulta em comprometimentos estéticos e funcionais, com impacto negativo na qualidade de vida. São preditores independentes de pior prognóstico, tumores em estágio T4, número de linfonodos metastáticos e sexo masculino.2
A quimiorradioterapia (QRT) tem sido usada no tratamento de tumores avançados, com intuito de preservação de órgãos, especialmente nos tumores na orofaringe. Entretanto, a glossectomia total (GT) ainda é uma opção de tratamento de primeira linha no câncer de língua extenso e o único procedimento de resgate, com possibilidades curativas, em pacientes com doença residual ou recorrente, após a QRT.3
Os principais desafios cirúrgicos da GT são a ressecção adequada do tumor e a reconstrução, de forma a aumentar as possibilidades de cura e diminuir a morbidade. Esta relacionada aos comprometimentos funcionais do tratamento, a fim de evitar a broncoaspira¸cão e permitir a alimentação oral sem a necessidade do uso de sonda alimentar ou de traqueostomia.4 Na literatura a dependência definitiva de sonda no pós‐operatório nesses pacientes chega a 30%.4
No serviço de cirurgia de cabeça e pescoço do Hospital Regional do Vale do Paraíba (HRVP) a GT é uma das modalidades terapêuticas para os tumores avançados de boca e orofaringe. A avaliação dos resultados funcionais e de sobrevida dos pacientes submetidos a esse tratamento é importante, especialmente a partir do momento que outras opções terapêuticas com menor morbidade como a QRT estão disponíveis.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o perfil clínico‐epidemiológico, as complicações pós‐operatórias, as taxas de sobrevida e os aspectos funcionais (necessidade de alimentação por sonda enteral e traqueostomia) de pacientes com câncer da cavidade oral e da orofaringe submetidos à GT no HRVP.
Casuística e métodoEstudo retrospectivo por meio da coleta e análise de dados de prontuários médicos de 22 pacientes portadores de câncer de cavidade oral e orofaringe submetidos à GT, com tratamento iniciado de janeiro de 2008 a dezembro de 2013, no HRVP, em Taubaté, São Paulo, pelo Sistema Único de Saúde. As informações coletadas foram registradas em uma ficha própria com informações sobre o pré‐operatório, tratamento, pós‐operatório e seguimento clínico. Os resultados funcionais foram avaliados considerando‐se o tempo de decanulação, a permanência de sonda nasoenteral e a necessidade de gastrostomia. O estadiamento clínico e patológico baseou‐se nos critérios da versão de 2009da American Joint Committee on Cancer (AJCC).5
A análise estatística foi feita com o programa SPSS 13.0 para Windows. Estatísticas de frequência absolutas e relativas foram usadas para descrever as variáveis categóricas e medidas de tendência central (média e mediana) para descrever as variáveis numéricas.
A probabilidade de sobrevida foi calculada pelo método Kaplan‐Meier e a comparação entre as curvas pelo teste de log‐rank. No cálculo da sobrevida considerou‐se o tempo, em meses, decorrido entre o tratamento inicial e a data de óbito (na sobrevida global, óbito por qualquer causa e na específica por câncer, por câncer de boca e orofaringe) ou a data da última informação obtida. Para o cálculo da sobrevida livre de recidiva foi considerado o tempo, em meses, decorrido entre o tratamento inicial e a data do diagnóstico da recidiva. A significância estatística foi atingida para valores de p ≤ 0,05.
O trabalho foi aprovado pelo comitê de ética da instituição, aprovação n° 1.681.680.
ResultadosForam incluídos 22 pacientes entre 45 a 71 anos (média de 57,5 e mediana de 57 anos). Todos do gênero masculino. Ao diagnóstico, 13 (59,1%) eram tabagistas e 10 (45,5%) etilistas atuais (tabela 1).
Características clínico‐epidemiológicas dos pacientes submetidos à glossectomia total
Característica | N(%) |
---|---|
Idade, em anos | |
Intervalo / Média / Mediana | 45‐71 / 57,5 / 57 |
Gênero | |
Masculino | 22 (100) |
Feminino | 0 |
Fatores de risco | |
Tabagista atual | 13 (59,1) |
Ex‐tabagista | 9 (40,9) |
Etilista atual | 10 (45,5) |
Ex‐etilista | 11 (50) |
Localização do tumor | |
Boca | 7 (31,8) |
Orofaringe | 2 (9,1) |
Boca e orofaringe | 13 (59,1) |
Tipo histológico | |
Carcinoma espinocelular | 22 (100) |
Estadiamento do tumor | |
T2 | 4 (18,2) |
T3 | 3 (13,6) |
T4a | 14 (63,6) |
Não informado | 1 (4,5) |
Estadiamento clínico | |
EC II | 2 (9,1) |
EC III | 2 (9,1) |
EC IVa | 15 (68,2) |
EC IVb | 1 (4,5) |
Não informado | 2 (9,1) |
A maioria dos pacientes, 13 (59,1%), apresentou acometimento da boca e da orofaringe pelo tumor. Em 7 (31,8%) casos o tumor era restrito à boca e em 2 (9,1%) à orofaringe. Todos os tumores eram carcinoma espinocelular (CEC) invasivo, a maioria T4a (14 casos, 63,3%). Quanto ao estádio clínico (EC), 15 (68,2%) foram classificados como EC IVa (tabela 1).
A GT como tratamento inicial foi feita em 18 (81,6%) pacientes e como tratamento de resgate em 4 (18,2%). Em apenas um (4,5%) caso não foi feito esvaziamento cervical e a reconstrução com retalho miocutâneo peitoral maior foi usada em todos os casos (tabela 2).
O tempo de internação variou de 6 a 21 dias (média de 9,9 e mediana de 10 dias). No período pós‐operatório 8 pacientes (36,3%) evoluíram com alguma complicação, 4 (18,2%) deles com mais de uma complicação. Foram observados 4 (18,2%) casos de pneumonia, 6 (27,3%) de fistula salivar e ou infecção da ferida operatória, 2 (9,1%) de acidente vascular encefálico e 2 (9,1%) de fístula linfática (tabela 2).
Aspectos cirúrgicos, seguimento e evolução clínica
Característica | N° (%) |
---|---|
Tipo de tratamento | |
Inicial | 18 (81,8) |
Resgate | 4 (18,2) |
Esvaziamento cervical | |
Unilateral | 2 (9,1) |
Bilateral | 19 (86,4) |
Não feito | 1 (4,5) |
Tipo de esvaziamento | |
Radical clássico ‐ RC | 1 (4,5) |
Radical modificado ‐ RM | 4 (18,2) |
Supra omo‐hióideo | 7 (31,8) |
RC+Supra omo‐hióideo | 1 (4,5) |
RM+Supra omo‐hióideo | 5 (22,7) |
RC+RM | 3 (13,6) |
Não feito | 1 (4,5) |
Tipo de reconstrução | |
Peitoral maior | 22 (100) |
Tempo internação, em dias | |
Intervalo / Média / Mediana | 6‐21 / 9,9 / 10 |
Complicações pós‐operatórias | |
Pneumonia | 4 (18,2) |
Infecção/ Fístula salivar | 6 (27,3) |
Acidente vascular encefálico | 2 (9,1) |
Fístula linfática | 2 (9,1) |
Tempo de seguimento, em meses | |
Intervalo / Média / Mediana | 1,2‐63,6 / 16,8 / 9 |
Recidiva | |
Sim | 12 (54,5) |
Não | 10 (45,5) |
Status final | |
Vivo sem doença | 2 (9,1) |
Morto por câncer | 11 (50) |
Morto por outras causas | 3 (13,6) |
PS sem doença | 3 (13,6) |
PS com recidiva | 3 (13,6) |
PS, Perdido de Seguimento.
A radioterapia adjuvante foi usada em 12 (54,5%) dos pacientes e em 3 (13,6%) a QRT. Um paciente (4,5%) com doença residual após GT de resgate foi submetido à quimioterapia paliativa. Nesse caso não foi possível a ressecção completa do tumor e a radioterapia foi contraindicada devido aos tratamentos prévios. Ele evoluiu para óbito, seis meses após a cirurgia, pela doença.
No período de seguimento, que variou de 35 dias a 63,6 meses (média de 16,8 e mediana de 9 meses); 54,5% dos pacientes foram diagnosticados com recidiva. Na data da última informação apenas 2 (9,1%) pacientes estavam vivos sem doença e 11 (50%) haviam morrido em decorrência do câncer. Seis pacientes foram perdidos de seguimento, dos quais 3 (13,6%) apresentavam recidiva e estavam em cuidados paliativos (tabela 2). A sobrevida global em 5 anos foi de 19,0% (média de 23,9 e mediana de 10 meses). Já a sobrevida específica por câncer em 5 anos foi de 30,8% (média de 30,3 e mediana de 15 meses). A sobrevida livre de recidiva variou de 62 dias a 15,3 meses. A maior sobrevida após o diagnóstico de recidiva foi de 28,5 meses (média de 8,2 e mediana de 4 meses) (fig. 1).
Oito (36,4%) pacientes não ficaram dependentes de dieta enteral nem da traqueostomia. Em 4 (18,2%) pacientes foi possível a retirada da traqueostomia, porém mantiveram a necessidade de dieta enteral parcial ou total. O tempo até a retirada da sonda nasoenteral variou de 64 a 167 dias (média de 104,7 e mediana de 92 dias) e para a retirada da traqueostomia variou de 17 a 352 dias (média de 92,7 e mediana de 54,5 dias). Por outro lado, 10 (45,4%) pacientes necessitaram da traqueostomia e dieta enteral até a data da última informação, 3 (13,6%) deles submetidos à gastrostomia (tabela 3). Os pacientes que não ficaram dependentes da traqueostomia e da dieta enteral tiveram um seguimento e uma sobrevida significativamente maiores do que os outros. Os sem necessidade de traqueostomia e dieta enteral tiveram sobrevida global em 5 anos de 43,8% (média de 44,3 e mediana de 43 meses). Nos com necessidade de traqueostomia ou de dieta enteral, a maior sobrevida foi de 15 meses (média de 8,7 e mediana de 8 meses) (p <0,001). Todos os pacientes que sobreviveram mais que 15 meses conseguiram progredir para a reabilitação da dieta oral e retirada da traqueostomia (fig. 2).
Aspectos funcionais
Característica | N° (%) |
---|---|
Traqueostomia | |
Sim | 11 (50) |
Não | 11 (50) |
Tempo de retirada, em dias | |
Intervalo / Média / Mediana | 17‐352 / 92,7 / 54,5 |
Dieta enteral | |
Sim | 15 (68,2) |
Não | 7 (31,8) |
Tempo de retirada, em dias | |
Intervalo / Média / Mediana | 64‐167 / 92 / 104,7 |
Gastrostomia | |
Sim | 3 (13,6) |
Não | 19 (86,4) |
A GT é uma das possibilidades de tratamento para os pacientes com câncer localmente avançado da cavidade oral e da orofaringe e continua a ser um procedimento controverso,6 pois, apesar de ser tecnicamente viável, apresenta elevada morbidade.7–9
Apesar dos progressos no campo da oncologia para tumores de cabeça e pescoço e do emprego da QRT para a preservação de órgãos, a GT no câncer localmente avançado da cavidade oral ainda é a melhor opção terapêutica na maioria dos estudos.6–9 Entretanto, para os tumores de orofaringe, especialmente naqueles relacionados à infecção pelo papiloma vírus humano, a QRT é o tratamento‐padrão. Por outro lado, em casos de recidiva ou de doença residual pós‐QRT, a cirurgia é a única modalidade com possibilidades de cura.10
De janeiro de 2008 a dezembro de 2013 foram feitas 22 glossectomias totais no HRVP. Todos os pacientes eram do gênero masculino. Habitualmente a incidência desses tumores é menor no gênero feminino, devido ao fato de as mulheres apresentarem menor exposição ao tabagismo e etilismo.11 Na literatura essa proporção é próxima a 3:1 (masculino:feminino),11–15 diferentemente da encontrada no nosso estudo, provavelmente devido ao maior número de pacientes incluídos em estudos epidemiológicos.
A idade mediana dos pacientes foi de 57 anos, semelhante aos achados de outros autores.11,13,14 Estudos recentes incluíram pacientes jovens, apesar de manterem a mediana ao redor dos 50 anos no momento da cirurgia.4,16
Todos os tumores eram do tipo CEC. O CEC representa ao redor de 90% dos tumores malignos das vias aerodigestivas superiores.12,13,16–18 Em relação ao estadiamento do tumor primário: 13,6% eram T3 e 63,6% T4; 72,7% eram EC IV. O EC avançado é considerado fator independente de pior prognóstico,2 entretanto são nesses casos que a GT é indicada. Na avaliação clínica inicial, 4 (18,2%) tumores foram classificados como T2, dois com acometimento da língua oral e dois da base língua. Nesse estadiamento a GT não é o tratamento. No entanto, no intraoperatório foi observada extensão tumoral para grande parte ou toda a base da língua, o que justifica a adoção do procedimento para adequada ressecção do tumor com margens livres de segurança e controle da doença. O paciente deve estar ciente sobre a possibilidade de ampliação cirúrgica caso seja necessária e o cirurgião tecnicamente preparado para o procedimento.
Outras indicações para a GT são a ocorrência de recidiva ou de doença residual após cirurgia ou QRT.10 Na nossa casuística 4 (18,2%) pacientes foram submetidos à GT de resgate.
A GT como terapia inicial nos tumores avançados também foi descrita por outros autores.4,13,14,16,19 Navach et al. (2012) sugerem não existirem estudos que demonstrem, em longo prazo, os benefícios na QRT para o tratamento de câncer avançado de língua, apenas para casos avançados de tumores de orofaringe e laringe.4,6 No nosso estudo, os pacientes que apresentaram câncer avançado da orofaringe também apresentaram comprometimento simultâneo de outros sítios da cavidade oral, o que justificou a adoção da GT como tratamento inicial. Os dois casos em que o tumor estava limitado à orofaringe foram tratados previamente com QRT, evoluíram com recidiva local e necessitaram de GT de resgate.
Stenson et al. (2010) avaliaram a diferença na sobrevida global de pacientes que fizeram QRT exclusiva ou QRT pós‐operatória. Nos grupos com tumor T3 e T4, tratados com QRT exclusiva, a sobrevida global em 5 anos foi 63%, enquanto nos pacientes tratados com cirurgia seguida de QRT foi de 42% em 5 anos. Esses autores não observaram diferenças significantes de sobrevida, sugeriu‐se que os pacientes em estágios T4 de câncer de língua poderiam ser poupados da GT como tratamento incial.20 Entretanto, outros fatores devem ser considerados e discutidos com o paciente, entre eles: a disponibilidade de serviços de radio e quimioterapia integrados e as condições clínicas do paciente para tolerar a QRT. O tratamento cirúrgico ainda se mantém como tratamento de escolha para os tumores avançados da cavidade oral.10
De todos os pacientes que fizeram GT, a taxa de recidiva foi de 54,5%, o que está relacionado com a baixa sobrevida global em 5 anos de 19%. De acordo com Barry et al. (2003), que avaliaram a GT como tratamento primário ou de resgate, a recorrência local, após RT ou cirurgia para carcinoma de língua, é um evento associado a baixas taxas de sobrevida. Esse encontrou uma taxa de sobrevida global em 5 anos de 21%, com recorrência de 34,8%.21
Oito (36,3%) pacientes apresentaram algum tipo de complicação. A infecção da ferida operatória e ou fistula salivar foram as mais comuns (27,3%), semelhantemente ao encontrado por Vega et al. (2011), que foi de 23%.13 Já Navach et al. (2012) apresentaram como principal complicação a necrose do retalho, em 10,8% dos casos.4 Nos casos de Barry et al. (2003), a necrose de retalho esteve presente em 11% dos pacientes, enquanto a fístula salivar esteve presente em 25%.21 Na nossa casuística não observamos caso de necrose do retalho.
Em relação à evolução da dieta, 31,8% dos nossos pacientes transitaram para dieta oral exclusiva e 13,6% dos pacientes necessitaram de gastrostomia. Para Lierop et al. (2008), todos os pacientes mantiveram alimentação oral exclusiva.3 Entretanto, esses autores avaliaram apenas oito pacientes. Por outro lado, no estudo de Rihani et al. (2013), apenas 29% dos pacientes evoluíram para dieta oral exclusiva.22 A não adesão de alguns dos nossos pacientes ao atendimento multidisciplinar, em âmbito ambulatorial e domiciliar, contribuiu para a não progressão da dieta. Entretanto, a principal determinante para a não reabilitação adequada é a baixa sobrevida. Estudos que incluíram apenas pacientes com mais de 2 anos de seguimento descreveram retorno para dieta oral em 75% dos casos.12,13
Metade dos pacientes retirou a traqueostomia com uma mediana de 54,5 dias, valor inferior ao dos apresentados em outros estudos13,17,22 e semelhante ao encontrado por Sinclair et al. (2011).23 Para Rihani et al. (2013), 84% dos pacientes retiraram a traqueostomia após 3 anos de seguimento.22
Dziegielewski et al. (2013) descreveram 50% dos pacientes com progressão para dieta via oral e 91,6% com progressão para retirada da traqueostomia após um ano de acompanhamento. Os pacientes que compareceram às sessões da terapia fonoaudiológica tiveram resultados funcionais superiores. Os autores consideraram também que os pacientes motivados e com apoio emocional das famílias tiveram maior adesão às consultas médicas e às sessões de reabilitação e apresentaram melhores resultados funcionais e de qualidade de vida.17
O retalho miocutâneo peitoral maior foi usado para a reconstrução de todos os casos desta série. Alguns autores demostraram melhores resultados funcionais com retalhos microcirúrgicos, especialmente o fasciocutâneo lateral da coxa e o do músculo reto abdominal, que permitem maior volume de retalho transferido para a cavidade oral e orofaringe e facilitam o reestabelecimento da capacidade de deglutição.24–26 No nosso serviço, apesar de disponível, a reconstrução microcirúrgica não era indicada nos casos de GT no período do estudo.
No nosso estudo observamos que o tempo de seguimento e a sobrevida foram determinantes para os melhores resultados funcionais. Os pacientes reabilitados, sem necessidade de traqueostomia e com dieta oral exclusiva, tiveram sobrevida global em cinco anos de 43,8%, já para aqueles que permaneceram dependentes da traqueostomia e/ou da dieta enteral a maior sobrevida foi de 15 meses (p <0,001).
Embora a GT seja uma opção a ser considerada no tratamento de câncer avançado de tumores da boca e da orofaringe e único, com possibilidades de cura, para terapia de resgate pós‐QRT, é notável o impacto do tratamento na qualidade de vida dos pacientes, especialmente no aspecto funcional.
Inicialmente a maioria dos pacientes mantém‐se dependente ou da traqueostomia ou da dieta enteral, a dificuldade de reabilitação é influenciada pela má adesão ao tratamento multidisciplinar, presença de complicações, terapia adjuvante e baixa sobrevida. Portanto, é essencial que o paciente esteja motivado e orientado a enfrentar um longo e desafiador período de reabilitação para alcançar uma ótima recuperação funcional.25
ConclusãoA idade mediana dos pacientes foi de 57 anos, todos apresentaram exposição ao tabaco e 21 ao álcool, anteriormente ou no momento do diagnóstico. Os tumores eram classificados em sua maioria como EC IVa. As principais complicações pós‐operatórias foram a infecção da ferida operatória e a fístula salivar. A sobrevida global foi de 19,0% e a específica por câncer de 30,8% em 5 anos. Oito pacientes foram reabilitados para alimentação oral exclusiva e sem a dependência de traqueostomia, todos com sobrevida maior do que 15 meses.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Quinsan IC, Costa GC, Priante AV, Cardoso CA, Nunes CL. Functional outcomes and survival of patients with oral and oropharyngeal cancer after total glossectomy. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:545–51.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.