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Vol. 88. Núm. 1.
Páginas 112-117 (Janeiro - Fevereiro 2022)
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Habilidades auditivas e de comunicação nos primeiros anos de vida em crianças com síndrome congênita do Zika
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Lucianna Cabral de Almeidaa, Lílian Ferreira Muniza, Rebeka Jacques Maciela, Danielle Seabra Ramosb,
Autor para correspondência
danielle.seabra@unicap.br

Autor para correspondência.
, Kátia Maria Gomes de Albuquerquec, Ângela Maria Carneiro Leãoc, Matheus Vota de Mendonçaa, Mariana de Carvalho Leala
a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE, Brasil
b Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Recife, PE, Brasil
c Hospital Agamenon Magalhães, Recife, PE, Brasil
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Tabelas (5)
Tabela 1. Características epidemiológicas de crianças com síndrome congênita do vírus Zika
Tabela 2. Resultado do teste audiológico comportamental de crianças com síndrome congênita do vírus Zika
Tabela 3. Avaliação da localização da fonte sonora e do controle motor cervical de crianças com síndrome congênita do vírus Zika
Tabela 4. Avaliação das habilidades auditivas de crianças com síndrome congênita do vírus Zika
Tabela 5. Avaliação das habilidades de comunicação de crianças com síndrome congênita do vírus Zika
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Material adicional (1)
Resumo
Introdução

A microcefalia é reconhecida como uma das principais consequências da síndrome congênita do Zika, mas outros problemas graves, como hipertonia global, irritabilidade, choro excessivo, distúrbios da deglutição, convulsões, deficiência visual e perda auditiva neurossensorial, foram identificados como associados à síndrome.

Objetivo

Descrever as características do desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem no primeiro ano de vida de crianças com limiares auditivos normais e síndrome congênita do Zika.

Método

Estudo transversal que avaliou habilidades auditivas e de linguagem no primeiro ano de vida de 88 crianças com audição periférica normal e síndrome congênita do Zika confirmada. Todas as crianças foram submetidas a um teste auditivo comportamental e um questionário validado foi endereçado aos pais ou cuidadores e usado como instrumento para avaliar as habilidades auditivas e de comunicação.

Resultados

O atraso nas habilidades de comunicação estava presente em 87,5% das crianças, enquanto 44,3% delas apresentaram atraso nas habilidades auditivas. Somente a alteração do controle motor cervical apresentou associação estatisticamente significante com atrasos nas duas habilidades (valor de p=0,006 e <0,001 para habilidades auditivas e de comunicação, respectivamente), enquanto a presença de microcefalia e o grau de sua gravidade foram associados apenas ao atraso no desenvolvimento das habilidades de comunicação.

Conclusão

Apesar de um sistema auditivo periférico normal, crianças com síndrome congênita do Zika podem apresentar atraso no desenvolvimento da linguagem por apresentarem danos neurológicos no centro do processamento auditivo, exige estudos mais específicos para esclarecer a aquisição da linguagem nessa população.

Palavras‐chave:
Infecção por vírus zika
Distúrbios auditivos
Desenvolvimento infantil
Texto Completo
Introdução

O vírus Zika (zikV), um arbovírus da família Flaviviridae, foi isolado pela primeira vez em seres humanos em 1952 e relacionado apenas a infecções leves esporádicas até 2007, quando ocorreu uma epidemia de febre Zika em Yap Island, Micronésia, e ele foi considerado um vírus emergente.1,2

A transmissão viral ocorre através de picadas de insetos, principalmente o Aedes aegypti, juntamente com o Aedes albopictus. Além disso, o zikV pode ser transmitido por transfusão de sangue e por relações sexuais, embora o potencial de infectividade desda última não seja totalmente compreendido.3

Em 2013, uma grande epidemia foi relatada na Polinésia Francesa, enquanto a circulação autóctone do zikV nas Américas foi confirmada pela primeira vez apenas em fevereiro de 2014. Mas foi somente em dezembro de 2014 que o zikV ganhou notoriedade devido à epidemia de uma doença exantemática desconhecida no Brasil, posteriormente identificada como infecção pelo zikV e associada a casos de microcefalia congênita.3 Os neonatos afetados na epidemia brasileira de microcefalia fizeram exames de imagem de crânio com achados sugestivos de infecção congênita, como calcificações cerebrais, ventriculomegalia e atrofia cortical, e a confirmação da relação entre o vírus zika e a microcefalia neonatal ocorreu quando o material genético viral foi detectado pela reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT‐PCR) em amostras de líquido amniótico de duas mulheres grávidas cujos fetos foram diagnosticados com microcefalia por exames de ultrassom.3

A microcefalia é reconhecida como uma das principais consequências da SCZ, apresenta graus variados de gravidade. Crianças com circunferência da cabeça 3 desvios‐padrão abaixo do esperado para o sexo e idade gestacional são reconhecidas como gravemente afetadas, apresentam alterações significativas na capacidade cognitiva, enquanto crianças com microcefalia não grave, com circunferência da cabeça de um ou dois desvios‐padrão abaixo do esperado para o sexo e a idade gestacional, provavelmente apresentam discretos atrasos na linguagem, comprometimento cognitivo leve e até desenvolvimento cognitivo normal. Além disso, outras características da síndrome podem contribuir para aumentar as repercussões clínicas no desenvolvimento neuropsicomotor ao longo da vida dessas crianças, como disfagia, convulsões, deficiência visual e perda auditiva. Essa última parece estar presente em cerca de 5,8% dos casos, como apresentado em um estudo transversal com 70 crianças, o qual confirmou infecção por Zika congênita em grande parte associada à microcefalia grave.4–8

Entretanto, diante do comprometimento multifatorial no neurodesenvolvimento de crianças com SCZ, é possível que crianças com essa síndrome tenham o desenvolvimento da linguagem atrasado mesmo em condições de audição periférica normal. Assim, o presente estudo teve como objetivo descrever as características das habilidades de desenvolvimento auditivo e de comunicação no primeiro ano de vida em crianças com audição normal e SCZ.

Método

Estudo descritivo transversal, que avaliou as habilidades auditivas e de linguagem no primeiro ano de vida de 88 crianças com audição normal e síndrome da Zika congênita encaminhadas ao Hospital Agamenon Magalhães, um centro de saúde terciário em Pernambuco, Brasil.

Este artigo foi parte do trabalho de um grupo de estudo que monitorou crianças nascidas no pico do surto de microcefalia relacionada ao vírus Zika no Brasil, especialmente no Estado de Pernambuco, iniciado em novembro de 2015. Em um estudo anterior, avaliamos 69 crianças com diagnóstico confirmado de SCZ, foram encontrados 4/69 (5,8%) de perda auditiva nessa população. A população avaliada neste estudo é composta por 65 crianças do estudo prévio e outras 23 que foram incluídas posteriormente, apresentavam potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATEcom clique normal a 35 dBnNA. As crianças que apresentaram perda auditiva neurossensorial na pesquisa inicial foram excluídas, uma vez que o objetivo deste estudo foi avaliar as habilidades auditivas e de comunicação que poderiam estar relacionadas ao comprometimento central pela SCZ. Nessa situação, com entrada auditiva periférica normal, não era esperado que houvesse atraso nessas habilidades avaliadas.

O estudo global foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa sob o número 1.472.742. Todas as crianças foram previamente diagnosticadas com SCZ através da presença de padrões radiológicos típicos na tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) do crânio associada à confirmação laboratorial da infecção pelo vírus Zika através da identificação positiva de imunoglobulina M (IgM) específica para o vírus Zika no teste imunoenzimático ELISA feito no líquido cefalorraquidiano.8 Outras causas infecciosas de perda auditiva neurossensorial congênita, inclusive CMV (citomegalovírus), toxoplasmose, herpes simplex e sífilis, foram excluídas por testes sorológicos em bebês e suas mães. Os resultados do PEATE com clique foram usados como critério de inclusão, para que apenas crianças presumivelmente com audição normal, de acordo com os critérios do Joint Committee on Infant Hearing (JCIH),9 pudessem participar deste estudo.

A presença e o momento do aparecimento do rash cutâneo durante a gravidez (primeiro, segundo ou terceiro trimestres), presença e gravidade da microcefalia (microcefalia não grave quando a circunferência da cabeça ao nascimento foi inferior a 2 desvios‐padrão da média para idade gestacional e sexo, enquanto a microcefalia severa estava associada à circunferência da cabeça ao nascimento menor do que 3 desvios‐padrão da média para idade gestacional e sexo) e a presença ou ausência de controle motor cervical foram observados.

Um questionário validado endereçado aos pais ou cuidadores foi usado como uma ferramenta para avaliar as habilidades auditivas e de comunicação, inclusive três perguntas específicas para o desenvolvimento dessas habilidades em cada mês de vida da criança durante o primeiro ano (Apêndice 1).6 As crianças também foram submetidas a um teste auditivo comportamental por meio do uso de estímulos sonoros emitidos por instrumentos musicais (chocalho, bateria e agogô) e sons de Ling, a fim de avaliar a detecção de fonemas vogais e consoantes.10 Os estímulos foram apresentados, a meio metro da orelha, considerando as posições cardinais, abaixo e acima da criança. Todas as apresentações foram feitas em baixa intensidade, dentro de uma cabine acústica, na presença de dois audiologistas, com um deles posicionado atrás (enviando o estímulo) e outro na frente da criança (desviando a atenção da criança do outro examinador e observando as reações). A criança foi posicionada no colo da mãe, com as costas apoiadas nela, a cabeça ficou livre para se mover. A resposta foi considerada quando a criança apresentou o mesmo comportamento pelo menos duas vezes para os mesmos estímulos, consecutivamente.

Para análise dos resultados, as respostas foram comparadas com os marcadores de desenvolvimento auditivo e de linguagem, de acordo com Northern & Downs.7 Ao analisar o questionário, considerou‐se um atraso nas habilidades auditivas ou de comunicação, se havia pelo menos uma resposta “não” às perguntas relacionadas a cada uma das habilidades indicadas para a idade das crianças.

Os dados foram analisados pelo teste do qui‐quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher e a margem de erro usada foi de 5%.

Resultados

Foram avaliadas 36 crianças do sexo feminino e 52 do sexo masculino. A maioria das crianças apresentou microcefalia (71,6%), principalmente na forma grave, 47,7%. O rash cutâneo foi relatado por 76% (67 mulheres) das mães, com 53,4% no primeiro trimestre de gestação. A falta de controle motor cervical estava presente em 80% (tabela 1), apesar da média de idade das crianças de 11,4 meses.

Tabela 1.

Características epidemiológicas de crianças com síndrome congênita do vírus Zika

Característica (número com informação disponível) 
Total  88  100,0 
Sexo
Feminino  36  40,9 
Masculino  52  59,1 
Idade (meses)
Média  11,4   
Intervalo  6‐12   
Microcefalia
Com microcefalia  63  71,6 
Sem microcefalia  8,0 
Grau de microcefalia
Microcefalia não grave  21  23,9 
Microcefalia grave  42  47,7 
Momento do aparecimento do rash cutâneo durante a gravidez
Primeiro trimestre  47  53,4 
Segundo trimestre  15  17,0 
Terceiro trimestre  5,7 
Controle motor cervical
Normal  17  19,3 
Anormal  71  80,7 

Em relação aos testes auditivos comportamentais, 42 crianças foram testadas e 41 (97,6%) apresentaram atenção auditiva aos instrumentos, 37 (88,10%) apresentaram atenção aos sons de Ling, mas apenas 11 (88,1%) apresentaram localização sonora normal (tabela 2). Entretanto, a localização do som apresentou associação estatisticamente significante com o controle motor cervical (tabela 3).

Tabela 2.

Resultado do teste audiológico comportamental de crianças com síndrome congênita do vírus Zika

  Normal, n (%)  Anormal, n (%)  Total, n (%) 
Atenção ao som  41 (97,62)  21 (2,38)  42 (100) 
Localização da fonte sonora  11 (26,20)  31 (73,80)  42 (100) 
Detecção de sons de Ling  37 (88,10)  5 (11,90)  42 (100) 
Tabela 3.

Avaliação da localização da fonte sonora e do controle motor cervical de crianças com síndrome congênita do vírus Zika

Controle motor cervical  Localização da fonte sonorap‐valor 
  NormalAnormalTotal 
   
Controle motor cervical  54,54  45,46  11  100,0  pa<0,020b 
Sem controle motor cervical  16,13  26  83,87  31  100,0   
Total de crianças  11  85,7  31  14,3  42  100,0   
a

Teste exato de Fisher.

b

Associação estatisticamente significativa.

O atraso nas habilidades de comunicação estava presente em 87,5% das crianças e 44,3% delas apresentaram atraso nas habilidades auditivas, consideraram‐se os resultados do questionário. Somente a alteração do controle motor cervical apresentou associação estatisticamente significante com os atrasos das habilidades auditivas e de comunicação. (p=0,006 e p <0,001, respectivamente). A presença de microcefalia e o grau de sua gravidade foram associados ao atraso no desenvolvimento das habilidades de comunicação (tabelas 4 e 5).

Tabela 4.

Avaliação das habilidades auditivas de crianças com síndrome congênita do vírus Zika

Característica  Habilidades auditivas em criançasp‐valor 
  AtrasadaNormalTotal 
   
Microcefaliapa=0,452 
Com microcefalia  29  16,0  34  51,0  63  100,0   
Sem microcefalia  28,6  71,4  100,0   
Total  31  44,3  39  55,7  70  100,0   
Grau de microcefaliapb=0,371 
Microcefalia grave  21  50,0  21  50,0  42  100,0   
Microcefalia não grave  38,1  13  61,9  21  100,0   
Total  31  44,3  39  55,7  70  100,0   
Momento do aparecimento do rash cutâneo durante a gravidezpa=0,403 
Primeiro trimestre  25  53,2  22  46,8  47  100,0   
Segundo trimestre  33,3  10  66,7  15  100,0   
Terceiro trimestre  40,0  60,0  100,0   
Total  32  47,8  35  52,2  67  100,0   
Controle motor cervicalpb=0,006* 
Normal  17,6  14  82,4  17  100,0   
Anormal  39  54,9  32  45,1  71  100,0   
Total  42  47,7  46  52,3  88  100,0   
a

Teste exato de Fisher

b

Teste qui‐quadrado de Pearson.

Tabela 5.

Avaliação das habilidades de comunicação de crianças com síndrome congênita do vírus Zika

Característica  Habilidades de comunicação em criançasp‐valor 
  AtrasadaNormalTotal 
   
Microcefaliapa <0,001b 
Com microcefalia  58  92,1  7,0  63  100,0   
Sem microcefalia  28,6  71,4  100,0   
Total  60  85,7  10  14,3  70  100,0   
Grau de microcefaliapa=0,039b 
Microcefalia grave  41  97,6  2,4  42  100,0   
Microcefalia não grave  17  81,0  19,0  21  100,0   
Total  60  85,7  10  14,3  70  100,0   
Idade ao nascimentopa=0,128 
A termo  64  90,1  9,9  71  100,0   
Pré‐termo  72,7  27,3  11  100,0   
Total  72  87,8  10  12,2  82  100,0   
Momento de aparecimento do rash cutâneo durante a gravidezpa=1,000 
Primeiro trimestre  42  89,4  10,6  47  100,0   
Segundo trimestre  14  93,3  6,7  15  100,0   
Terceiro trimestre  100,0      100,0   
Total  61  91,0  9,0  67  100,0   
Controle motor cervicalpa <0,001b 
Normal  47,1  52,9  17  100,0   
Anormal  69  97,2  2,8  71  100,0   
Total  77  87,5  11  12,5  88  100,0   
a

Teste exato de Fisher.

b

Associação estatisticamente significativa.

Discussão

Comprometimento grave do desenvolvimento cortical, com malformação e redução volumétrica do parênquima, e calcificações corticais e subcorticais, hipomielinização ou desmielinização da substância branca e ventriculomegalia são as principais características do comprometimento neurológico na SCZ e estão relacionadas ao neurotropismo viral do zikV, principalmente em infecções congênitas nos primeiros meses de gravidez, o que apoia o tipo disruptivo de desenvolvimento cerebral anômalo encontrado nessas crianças.11

Essa imaturidade do sistema nervoso central poderia justificar o grande número de crianças com atraso na comunicação e nas habilidades auditivas (87,5%), uma vez que o desenvolvimento da linguagem e da audição é um produto da audição periférica funcional, maturação neurológica e carga cognitiva.7,12

Segundo Northern e Downs, dos 4 aos 6 meses a criança já pode virar a cabeça em direção à fonte sonora e, a partir de 7 meses, os músculos do pescoço já permitem uma localização direta, mas apesar da média de idade de 11,4 meses nas crianças estudadas, a maioria não tinha controle motor cervical. Essa hipotonia cervical foi associada estatisticamente a um maior atraso nas habilidades auditivas e de comunicação, o que pode representar o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor que ocorre na SCZ e dificulta a busca da fonte sonora e, consequentemente, influencia as reações das crianças aos sons.

Neste estudo, também observamos uma importante relação entre as habilidades motoras cervicais e a habilidade de localização sonora. Mesmo que a maior parte das crianças do grupo fosse capaz de mostrar atenção ao mesmo som, elas não eram capazes de localizar o som conforme o esperado para a idade. A atenção ao som requer uma reação passiva e, por outro lado, a localização requer uma resposta ativa e uma função normal das habilidades motoras cervicais, o que não foi observado neste grupo.

A integridade e o funcionamento eficaz das habilidades auditivas são pré‐requisitos para aquisição e desenvolvimento da linguagem. Para que a criança seja capaz de reconhecer e entender a fala, ela deve, portanto, ser capaz de prestar atenção, detectar, discriminar e localizar sons, além de memorizar e integrar experiências auditivas.

Flor, em seu estudo, avaliou 22 crianças com SCZ e microcefalia e observou um atraso nos quatro campos da escala de Denver para o desenvolvimento neuropsicomotor.13,14 Além disso, um estudo com crianças prematuras mostrou que, apesar de todas as crianças terem passado na triagem auditiva, havia uma alta taxa de distúrbios na aquisição de habilidades de linguagem, sugeriu a relação entre atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e aquisição de linguagem.15

Por volta dos 6 meses de idade, espera‐se que crianças com desenvolvimento normal produzam balbucios associados a expressões faciais adultas e imitações de fala e, aos 12 meses, cerca de 50% das crianças produzem suas primeiras palavras; embora isso tenha sido baseado em um questionário dirigido aos pais, esses precursores de linguagem estavam ausentes na idade esperada em 87,5% da população do presente estudo, principalmente em crianças com microcefalia grave. Enfatizamos, portanto, a relevância de relatar aspectos do desenvolvimento de crianças com SCZ que, apesar de terem uma audição periférica normal, estão acentuadamente atrasadas na aquisição de precursores de linguagem.

A identificação e a compreensão de possíveis alterações no sistema auditivo periférico e central na primeira infância são cruciais para o desenvolvimento de estratégias de intervenção precoce, uma vez que os três primeiros anos de vida são conhecidos como um período crítico para o surgimento e a maturação das sinapses cerebrais, um processo chamado de plasticidade neuronal.6,7 Assim, apesar de ser um estudo transversal com baixo poder analítico, nossos resultados chamam a atenção para um importante comprometimento das habilidades de comunicação em crianças com SCZ, mesmo com audição periférica normal.

Conclusão

Acreditamos que o dano neurológico na via auditiva e no córtex auditivo, bem como o comprometimento neuropsicomotor, pode contribuir para o desenvolvimento deficiente da linguagem, como visto nas respectivas associações entre a gravidade da microcefalia e o atraso nas habilidades de comunicação e entre a falta de controle motor cervical adequado e o atraso nas habilidades auditivas e de comunicação. Assim, estudos longitudinais são necessários para melhor entender o desenvolvimento da linguagem em crianças com SCZ, mesmo naquelas com audição periférica normal.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Almeida LC, Muniz LF, Maciel RJ, Ramos DS, Albuquerque KM, Leão ÂM, et al. Hearing and communicative skills in the first years of life in children with congenital Zika syndrome. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:112–7.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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