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Vol. 86. Núm. 4.
Páginas 516-519 (Julho - Agosto 2020)
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Vol. 86. Núm. 4.
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Relato de Caso
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Hypoesthesia of midface by isolated Haller's cell mucocele
Hipoestesia do terço médio da face por mucocele isolada de célula de Haller
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Jeong Hwan Choi
Inje University, College of Medicine, Sanggye Paik Hospital, Seul, Coreia do Sul
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Introdução

Variações anatômicas na cavidade nasal e nos seios paranasais (SPN) não indicam necessariamente um estado patológico, mas podem causar obstrução e subsequente doença inflamatória, predispõem alguns pacientes à doença sinusal. Células aéreas etmoidais anteriores ou posteriores que migram e pneumatizam o teto do seio maxilar ou assoalho da órbita são também denominadas “etmoidais infraorbitárias”, “órbito‐etmoidais”, “maxilo‐etmoidais” ou “células de Haller” (CH), em homenagem ao anatomista sueco Albrecht von Haller. A incidência de CH pode apresentar uma ampla variação, depende de cada autor (2‐45%).1

A variação no tamanho e a localização das CH no teto e acima do óstio do seio maxilar adjacente, que formam a parede orbital inferior e a borda lateral do infundíbulo, implicam uma posição propícia para provocar a constrição do infundíbulo e obstrução do óstio e consequente associação com rinossinusites agudas recorrentes.

Um estudo2 avaliou a influência das variações anatômicas nasossinusais, como desvio de septo, concha bolhosa e CH, na rinossinusite aguda recorrente. A presença de CH e infundíbulos mais estreitos foi estatisticamente associada com recorrência de processos inflamatórios sinusais.

As células de Haller são geralmente observadas no assoalho orbital e no teto do seio e acima do óstio natural do seio maxilar adjacente. Embora a célula de Haller seja considerada uma variante anatômica normal, quando aumentada ela pode provocar uma constrição significativa do aspecto posterior do infundíbulo etmoidal e do óstio maxilar. Se a célula é acometida por processos patológicos, o óstio natural do seio maxilar pode tornar‐se rapidamente obstruído, com consequente desenvolvimento de sinusite maxilar secundária.

As células de Haller também podem atingir o nervo infraorbitário.

A infecção isolada das células de Haller é geralmente muito rara e deve ser suspeitada em pacientes com dor e hipoestesia faciais. A identificação da presença de células de Haller por meio da endoscopia pode ser difícil, devido à sua localização, e o diagnóstico pode muitas vezes depender de exames radiológicos. Essa é uma descrição de um caso raro de hipoestesia facial causada pela desenvolvimento de uma mucocele isolada em uma célula de Haller. Não é do nosso conhecimento relato na literatura inglesa de hipoestesia de terço médio da face decorrente de uma mucocele de célula do Haller isolada; foi feita uma busca no PubMed com termos de busca como “célula de Haller” e “célula etmoidal infraorbitária”, sem resultados positivos. Esse estudo foi aprovado pelo conselho de ética institucional (n° 2015‐12‐010).

Relato de caso

Paciente do sexo masculino, 49 anos, apresentou‐se à clínica de neurologia do nosso hospital com queixa principal de hipoestesia de terço médio da face à direita havia três dias (fig. 1). Ele não apresentava outras queixas, inclusive dor facial ou desconforto nasal. O exame neurológico completo não revelou fraqueza motora ou alteração sensorial sistêmica. Um exame por ressonância magnética (RM) do crânio mostrou inflamação dos seios nasais, sem intensidade de sinal anormal ou lesão de massa do parênquima cerebral ou dura‐máter. Ele foi encaminhado para a clínica de otorrinolaringologia para complementação da investigação. Sua queixa era localizada ao longo do trajeto do nervo infraorbitário. Uma endoscopia nasal, com um telescópio de 4 mm, de 0°, revelou desvio do septo nasal para o lado direito e um meato médio amplamente patente à direita. Os sintomas não se alteraram, a despeito de uma semana de terapia com antibióticos e mucolíticos.

Figura 1.

O paciente veio à clínica de neurologia do nosso hospital com queixas de hipoestesia de terço médio facial do lado direito (sombra vermelha) por três dias antes da consulta, que correspondia ao dermátomo do nervo infraorbitário.

(0,09MB).

Tomografia computadorizada (TC) dos SPN revelou a presença de uma densidade de tecidos moles na célula de Haller direita. A lesão era adjacente ao forâmen infraorbitário (fig. 2 A‐C). A RM foi completamente revisada e mostrou uma célula de Haller no teto do seio maxilar direito preenchida por líquido, com sinal hiperintenso em T2 e isointenso nas imagens ponderadas em T1, com realce pós‐contraste sutil (fig. 3 A‐D).

Figura 2.

TC dos SPN revelou a presença de densidade de tecido mole na célula de Haller direita (*). A lesão era adjacente ao forâmen infraorbitário (seta), sem evidência clara de comunicação. A, Corte axial; B, Corte coronal; C, Corte sagital.

(0,22MB).
Figura 3.

A ressonância magnética do crânio mostrou uma célula de Haller (*) cheia de fluido no teto do seio maxilar direito, a qual apresentava imagem hiperintensa em T2 axial (A) e imagem em T2 FLAIR (B). Ela era isointensa na imagem axial ponderada em T1 (C), com realce pós‐contraste sutil (D).

(0,24MB).

O paciente foi submetido à cirurgia endoscópica do lado direito com miniprocedimento, com a técnica de Caldwell‐Luc (mini‐CL), a fim de obter acesso à célula de Haller opacificada. Foi feita uma incisão no sulco gengival‐bucal a partir da raiz do segundo dente molar até a raiz da fossa canina. O retalho mucoperiosteal foi descolado. Um endoscópio nasal de 30° foi introduzido através da abertura do mini‐CL e a célula de Haller foi então visualizada. A célula de Haller foi ressecada e verificou‐se que ela continha muco espesso, purulento. A incisão foi fechada após a colocação de tamponamento antral e a seguir empregou‐se um curativo de compressão. Uma semana após a cirurgia, a sensibilidade facial do paciente, exceto na área superior do lábio direito, havia melhorado. Três semanas após a cirurgia, não mais apresentava sinais de hipoestesia. Permaneceu livre de sintomas por três meses.

Discussão

CH são as células etmoidais que se desenvolvem no assoalho da órbita e no teto e acima do óstio do seio maxilar adjacente. Essas células, se aumentadas, podem exercer constrição significativa no aspecto posterior do infundíbulo etmoidal e no aspecto superior do óstio do seio maxilar. Por sua definição não ser clara, em 1995 foi feita uma proposição, para denominar como “célula de Haller” qualquer “célula infraorbitária etmoidal anterior ou posterior, independentemente da origem”.3 Trata‐se de uma variação anatômica clinicamente significativa, por ser um possível fator etiológico de sinusite maxilar recorrente devido ao impacto negativo da célula na ventilação do seio maxilar causado pelo estreitamento do infundíbulo e do óstio.2 Tais limitações anatômicas podem resultar em rinossinusite e dor de cabeça persistente ou recorrente. Um estudo de caso relatou cefaleia atribuída à presença de CH.4 Em geral é difícil identificar quaisquer sinais de doenças originárias das CH. A presença de células de Haller é tipicamente identificada por meio de tomografia computadorizada, já que elas não podem ser identificadas por endoscopia nasal diagnóstica, devido à sua típica localização lateral ao infundíbulo. Facilmente visualizadas em TC coronal dos SPN, elas têm sido descritas como bem definidas, redondas, ovais ou em forma de lágrima, com radiolucência uni ou multilocular, com bordas lisas que podem ou não parecer corticadas, localizadas medialmente ao forâmen infraorbitária.5

Apesar de assintomáticas na maioria dos pacientes, as células de Haller podem apresentar vários sintomas. A mucocele de uma célula de Haller pode expandir‐se lentamente, erodir o teto do seio maxilar e se estender até a cavidade orbital. A expansão da mucocele decorrente de uma célula de Haller localizada posteriormente, ao invadir a órbita, pode causar sintomas oftalmológicos, tais como edema orbital, proptose, diplopia, ptose, distúrbios visuais ou oculomotores e dor ocular.6

A inflamação da célula de Haller é comum na presença de infecções dos seios maxilar e etmoidal, mas uma mucocele isolada dessa célula é muito rara.7 O diagnóstico diferencial deve incluir neuroma do nervo infraorbitário, hemangioma cavernoso do canal infraorbitário ou mucocele do compartimento septado do seio maxilar. Eles estão geralmente localizados no teto do seio maxilar, em contraste com a mucocele extra‐antral, que normalmente surge do assoalho do seio e empurra o assoalho do antro superiormente.8

Não há relatos publicados que descrevam os sintomas de hipoestesia causada por mucocele isolada de célula de Haller. Particularmente na ausência da associação de grandes alterações da mucosa, essa condição pode passar facilmente despercebida, a menos que especificamente investigada. A presença de CH na TC coronal em um paciente com sintomas correspondentes merece consideração como causa potencial desses sintomas.

O nervo infraorbitário, uma extensão direta da divisão maxilar do nervo trigêmeo, passa ao longo do assoalho orbital no sulco infraorbitário e, a seguir, deixa a órbita através do forâmen infraorbitário e fornece inervação cutânea à pálpebra inferior, à região lateral do nariz e ao lábio superior. O ramo alveolar superior do nervo infraorbitário fornece inervação sensorial ao incisivo superior, canino e gengiva adjacente. A área de hipoestesia nesse paciente correspondeu à área inervada pelo nervo infraorbitário (fig. 1). A deiscência do nervo infraorbitário dentro do seio maxilar não é um achado incomum ou não tão raro e é mais prevalente no contexto de uma célula etmoidal infraorbitária ipsilateral.

A mucocele da célula de Haller que invade a área infraorbitária e se apresenta clinicamente com sinais de hipoestesia facial é uma entidade rara e responde mal ao tratamento médico convencional. Nesse caso, a intervenção cirúrgica geralmente é feita através de uma abordagem endoscópica, mas a visualização da célula pode ser difícil e o acesso à célula da Haller pode exigir uma abordagem através de um mini‐CL, como no presente caso.

O acesso à célula de Haller patológica é geralmente feito por via endoscópica através do meato médio, com um microdebridador para remover o processo uncinado, inclusive a sua inserção inferior. A célula é visualizada e cuidadosamente aberta com uma lâmina curva de microdebridador e as porções inferior e medial são então cuidadosamente removidas. O procedimento amplia o infundíbulo e a via de drenagem do seio maxilar. A porção superior da célula de Haller não é dissecada, para que a integridade do assoalho orbitário não seja alterada.9

Conclusão

Este é o primeiro relato conhecido de parestesia facial causada por mucocele de célula de Haller. Foi resolvido com sucesso por meio de cirurgia endoscópica sinusal (CES), combinada com uma abordagem mini‐CL.

Células de Haller têm sido relacionadas a diferentes processos e sintomas patológicos, inclusive sinusite crônica ou recorrente e dor de cabeça de origem sinogênica, sem resultados significativos no exame físico. Quando a terapia médica é ineficaz, a terapia cirúrgica, como a CES, deve ser considerada.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

Referências
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The incidence of concha bullosa and its relationship to nasal septal deviation and paranasal sinus disease.
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Infraorbital ethmoid (Haller's) cells: a panoramic radiographic study.
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Cystic expansile masses of the maxilla: differential diagnosis with CT and MR.
AJNR Am J Neuroradiol, 16 (1995), pp. 333-338
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Endoscopic view of the removal of an obstructing Haller's cell.
Ear Nose Throat J, 85 (2006), pp. 360-361

Como citar este artigo: Choi JH. Hypoesthesia of midface by isolated Haller's cell mucocele. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:516–9.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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