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Vol. 88. Núm. 6.
Páginas 990-998 (Novembro - Dezembro 2022)
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Impacto da Covid‐19 na prática da cirurgia bucomaxilofacial: uma revisão sistemática
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Luís Eduardo Charles Pagottoa,
Autor para correspondência
luispagotto@gmail.com

Autor para correspondência.
, Thiago de Santana Santosb, Gabriel Pires Pastorec
a Hospital Sírio‐Libanês, Instituto de Educação e Pesquisa (IEP), São Paulo, SP, Brasil
b Instituto de Educação Maxilofacial, Aracaju, SE, Brasil
c Hospital Sírio‐Libanês, Instituto de Educação e Pesquisa (IEP), Programa de Pós‐Graduação em Ciências da Saúde, São Paulo, SP, Brasil
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Figuras (2)
Resumo
Objetivos

Avaliar os possíveis impactos da Covid‐19 na prática da cirurgia bucomaxilofacial, bem como os protocolos empregados pelos cirurgiões bucomaxilofaciais para minimizar os riscos de contaminação.

Método

Foram feitas buscas em diferentes bases de dados até 15 de março de 2021. Foram incluídos artigos relacionados à dinâmica da cirurgia oral no contexto da pandemia de Covid‐19. Os artigos foram considerados elegíveis se atendessem aos seguintes critérios de inclusão: estudos observacionais que fornecessem recomendações sobre medidas de cirurgia bucomaxilofacial durante a pandemia de Covid‐19 e que analisassem o risco de contaminação de pacientes/profissionais com SARS‐CoV‐2.

Resultados

Sete estudos preencheram os critérios de inclusão e foram selecionados para a presente revisão sistemática. As demandas por equipamentos de proteção individual aumentaram significativamente, estudos relataram a escassez de equipamentos fundamentais, como máscaras FFP2/N95. Foram observadas mudanças significativas na infraestrutura das unidades ambulatoriais, cirúrgicas e de internação e nos próprios protocolos assistenciais.

Conclusão

A pandemia de Covid‐19 afetou particularmente a rotina dos residentes de cirurgia bucomaxilofacial. Diversas recomendações adicionais para a prática cirúrgica ou para a equipe cirúrgica foram avaliadas e discutidas, como a feitura de cirurgias prioritariamente de urgência e emergência, atendimento e triagem remota de pacientes, adiamento de cirurgias eletivas e novos métodos de ensino em programas de residência em cirurgia bucomaxilofacial. Além disso, a triagem de pacientes e da equipe cirúrgica para Covid‐19 é fortemente recomendada.

Palavras‐chave:
Covid‐19
SARS‐CoV‐2
Proteção médica
Cirurgia bucomaxilofacial
Texto Completo
Introdução

Em dezembro de 2019, um surto de uma nova doença de coronavírus (Covid‐19) causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS‐CoV‐2) foi relatado em Wuhan, China, que se tornou um dos maiores problemas de saúde global deste século.1 A acelerada disseminação do SARS‐CoV‐2 rapidamente se tornou um dos maiores desafios para os sistemas de saúde em todo o mundo.2

O patógeno é predominantemente transmitido por gotículas respiratórias.3,4 Além disso, o SARS‐CoV‐2 foi detectado em amostras de saliva, fato que a torna uma via potencial de transmissão de Covid‐19.1,2 Os profissionais de saúde constituem um grupo de risco e estão entre os mais afetados pela Covid‐19, representam 29% de todos os casos diagnosticados.5 Inevitavelmente, profissionais de saúde entram em contato próximo com pacientes infectados, o que aumenta o risco de contaminação profissional/paciente.

Os serviços de saúde foram gravemente afetados pela pandemia global e a cirurgia bucomaxilofacial não é exceção. Os cirurgiões bucomaxilofaciais devem estar cientes dos novos desafios impostos pelo risco de transmissão do vírus entre os pacientes e a equipe de saúde.6 Durante a pandemia de SARS‐CoV‐2, os profissionais devem organizar o tratamento dos pacientes para que o risco de transmissão da infecção seja reduzido tanto quanto possível, enquanto todas as opções de tratamento relevantes estão disponíveis para fornecer cuidados adequados ao paciente.7 Além disso, deve existir um sistema programático para situações em que possa haver falta de disponibilidade de pessoal cirúrgico devido à infecção por Covid‐19. Os métodos de triagem de pacientes devem ser desenvolvidos de acordo com o grau de urgência do tratamento da cirurgia bucomaxilofacial.7

O objetivo dessa revisão sistemática foi avaliar os possíveis impactos da Covid‐19 na prática da cirurgia bucomaxilofacial, bem como os protocolos empregados pelos cirurgiões bucomaxilofaciais para minimizar os riscos de contaminação.

Método

Essa metanálise foi conduzida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐Analyses (Prisma).8 O estudo foi registrado no banco de dados Prospero sob número CRD42021241303.

Estratégia de busca e seleção de estudos

As buscas foram feitas nas bases de dados PubMed/Medline, Web of Science, Science Direct, Scopus, Embase e Cochrane Collaboration Library (última atualização em março de 2021) com os seguintes termos de “busca: (i) (“oral surgery” * OR “maxillofacial surgery” *) AND (“COVID‐19” OR coronavirus OR “SARS‐CoV‐2” OR “2019‐nCoV” OR “corona virus” OR “COVID”); (ii) (“Oral surgery” * OR “maxillofacial surgery” *) AND (“COVID‐19” OR coronavirus OR “SARS‐CoV‐2” OR “2019‐nCoV” OR “corona virus” OR “COVID” AND) AND clinical practice).

Além disso, as listas de referências dos artigos elegíveis foram pesquisadas manualmente. As duplicatas foram identificadas e removidas. A busca foi feita sem restrições de tempo ou idioma. Os artigos não publicados originalmente em inglês foram traduzidos para avaliação posterior.

Os seguintes critérios de elegibilidade foram aplicados de acordo com a estratégia PICO para seleção dos estudos: 1) Pacientes: profissionais maxilofaciais e pacientes atendidos em serviços de cirurgia bucomaxilofacial durante a pandemia de Covid‐19; 2) Intervenção: análise do risco de contaminação com Covid‐19 em ambientes de cirurgia bucomaxilofacial e métodos usados para evitar esse risco; 3) Controle: grupo de pacientes/profissionais negativos para Covid‐19; 4) Desfecho: taxa de casos diagnosticados com Covid‐19. Os artigos foram considerados elegíveis se atendessem aos seguintes critérios de inclusão: estudos observacionais que fornecessem recomendações sobre medidas de cirurgia maxilofacial durante a pandemia de Covid‐19 e que analisassem o risco de contaminação de pacientes/profissionais com SARS‐CoV‐2. Artigos de revisão, resumos de congressos, editoriais ou cartas foram excluídos da revisão sistemática.

Extração de dados e avaliação de qualidade

Os títulos e resumos dos estudos foram recuperados através da estratégia de busca e, em seguida, selecionados de forma independente por dois autores. O conteúdo completo dos estudos extraídos foi avaliado independentemente para elegibilidade pelos mesmos dois autores. Todas as situações que resultaram em discordância foram resolvidas através de uma reunião de consenso com um terceiro revisor. Os seguintes dados foram extraídos: primeiro autor; momento da publicação; país de origem; desenho de estudo; idade, sexo e número de pacientes; tipo de cirurgia maxilofacial feita; protocolo usado para prevenção do Covid‐19; resultado da triagem para Covid‐19 (Covid‐19/sem Covid‐19) antes e após o procedimento cirúrgico; número de casos diagnosticados com Covid‐19 entre pacientes e cirurgiões maxilofaciais; complicação (sim/não) dos casos diagnosticados com Covid‐19 e tipo de complicação.

O sistema de classificação de evidências do Oxford Centre for Evidence‐Based Medicine (CEBM) foi usado para avaliar o nível de evidência de cada recomendação. O sistema CEBM categoriza o nível de evidência do nível 1 (nível mais alto) até o nível 5 (nível mais baixo).9 O sistema Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluations foi usado para avaliar a qualidade dos estudos selecionados.10

ResultadosSeleção de estudos

A estratégia de busca desenvolvida para as diferentes bases de dados e a busca manual identificou 102 artigos. Vinte e dois artigos foram pré‐selecionados após a triagem inicial através da análise dos títulos e resumos. Sete estudos preencheram os critérios de inclusão e foram selecionados para a presente revisão sistemática (fig. 1).11–17

Figura 1.

Diagrama de fluxo Prisma dos estudos selecionados.

(0,32MB).

Esses estudos incluíram dados de 709 cirurgiões bucomaxilofaciais, 562 pacientes, 174 residentes de cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial e 95 diretores de programas de residência (tabela 1). A qualidade dos estudos selecionados foi analisada.

Tabela 1.

Resumo dos achados de 7 estudos incluídos na revisão sistemática

Estudo (ano)  Tipo de estudo  Amostra  Procedimentos feitos  Manejo proposto de pacientes maxilofaciais  Resultados da Covid‐19  Conclusões 
Allevi et al. (2020)11  Estudo transversal  32 cirurgiões bucomaxilofaciais  A maioria das unidades de cirurgia bucomaxilofacial tem feito tratamento cirúrgico de trauma facial (74%) e oncologia de cabeça e pescoço (90%).  Os swabs nasofaríngeos foram feitos principalmente em pacientes sintomáticos (43%), seguidos por pacientes já internados (18%) e candidatos a cirurgia (9%).As máscaras FFP2/N95 foram fornecidas em 61% dos departamentos maxilofaciais. Luvas descartáveis e máscaras cirúrgicas foram fornecidas em 91% e em 100% das enfermarias bucomaxilofaciais, respectivamente, enquanto os aventais descartáveis foram fornecidos apenas em 39% das unidades bucomaxilofaciais.  22% das unidades bucomaxilofaciais encontraram cirurgiões infectados (4% dos cirurgiões bucomaxilofaciais), de diferentes graus de acordo com a intensidade de contaminação das áreas geográficas.  Toda a atividade maxilofacial foi bastante reduzida durante o período da epidemia de COVID‐19: a cirurgia de tumor e a cirurgia de trauma foram amplamente garantidas, enquanto outras doençasacumularam atrasos. 
Barca et al. (2020)12  Análise prospectiva  33 Pacientes  As principais patologias foram traumas e doenças oncológicas não diferenciáveis, sendo 20 fraturas e 13 tumores  1. Questionário de triagem.  Todos os pacientes foram negativos.  Os autores recomendaram: 
            Repetição da triagem; 
        2. O swab nasofaríngeo (RT‐PCR) foi feito no momento da hospitalização e após 24 horas e os pacientes permaneceram em áreas dedicadas até que os resultados estivessem disponíveis.    48 horas de teste no pré‐operatório, antes de entrar na enfermaria, que inclui dois testes de COVID‐19 com 24 horas de intervalo (se ambos os testes forem negativos, a cirurgia pode prosseguir com precauções aprimoradas em relação a transmissão aérea); 
        3. Proteção intraoperatória: Equipe de saúde utilizaram Equipamento de proteção individual (EPI): máscara N95 ou FFP2, proteção para os olhos, avental impermeável e luvas cirúrgicas.    Alojamento em quarto individual de hospital; 
            Velocidade de execução do preparo pré‐operatório 
        4. Manejo pós‐operatório: Os pacientes permaneceram internados em quartos individuais. Eles passaram por controle periódico dos valores de pressão arterial, temperatura corporal.     
Blackhall et al. (2020)13  Estudo transversal  529 pacientes  Houve 255 casos relacionados a traumas, 221 infecções e 48 casos de complicações pós‐operatórias.  Os autores encontraram um uso relativamente bom de EPI, adequado para a atividade clínica desenvolvida em toda a região. Todos os médicos que realizaram intervenções cirúrgicas na cavidade oral utilizaram o EPI apropriado, incluindo máscaras FFP3. Houve um uso variado de EPI apenas para exame e cirurgia extraoral, porém não houve evidências que sugerissem proteção inadequada.  A grande maioria dos pacientes tinha um status desconhecido de Covid‐19; entretanto, foram tratados como se fossem portadores assintomáticos da infecção.  Ter um sistema robusto de gerenciamento remoto de pacientes e um caminho pré‐planejado para gerenciar emergências odontológicas aliviaria a pressão indevida sobre o serviço, que precisa ser estabelecido em parceria com os diversos atores envolvidos na prestação de serviços odontológicos. 
Huntley et al. (2020)14  Estudo transversal  174 residentes em treinamento  Todos os entrevistados indicaram que seus programas tinham feito modificações no agendamento de casos eletivos, com 97,7% afirmando que seu programa havia parado de realizar casos eletivos.Os casos de urgência ou emergência também foram afetados, com 83,6% dos entrevistados indicando que houve mudanças no agendamento desses casos.  Quase todos os residentes (96,5%) relataram modificações em seu programa de treinamento e 14% foram transferidos para rotações clínicas fora do serviço (por exemplo, medicina, unidade de terapia intensiva).O uso de uma máscara respiratória N95 mais precauções padrão de EPI durante os procedimentos com geração de aerossóis variou de acordo com o local do procedimento, com 36,8% relatando acesso limitado a essas máscaras. Práticas de triagem generalizadas estavam em uso e 83,6% usavam testes virais baseados em laboratório.  NI  Amplas alterações na prática clínica de cirurgia oral e maxilofacial ocorreram para aqueles em programas de treinamento de residência em cirurgia oral e maxilofacial durante a pandemia de COVID‐19. 
Maffia et al. (2020)15  Estudo transversal  166 cirurgiões bucomaxilofaciais  Foi relatado que a traumatologia foi o serviço mais mantido, resultou em OAI de 83,2%. Apenas 13,5% das instituições respondentes haviam fechado esta subespecialidade. A cirurgia oral, praticada em 90,4% dos centros, diminuiu a atividade para 34,6%, com redução geral de 55,8% de rendimento e OAI de 38,3%.  Mais da metade (57,1%) dos centros de cirurgia bucomaxilofacial que relataram não receber nenhuma orientação sobre o manejo da Covid‐19 também não receberam equipamentos de proteção individual (EPI) de sua administração. Além disso, 7% dos centros, apesar de receberem tais orientações, não receberam EPI.  NI  Parece apropriado solicitar que todas as instituições de saúde recebam protocolos bem pesquisados e documentados para lidar com futuras pandemias globais inevitáveis. 
van der Tas et al. (2020)16  Estudo transversal  511 cirurgiões bucomaxilofaciais  Mais de 80% de todos os cirurgiões nas diferentes regiões deixaram de realizar cirurgias eletivas.  A melhor proteção oferecida aos cirurgiões ocorreu na Austrália, onde os cirurgiões podem trabalhar com máscaras N95/FFP2 (60,0%) ou sistemas PAPR (40,0%), seguido pela América do Norte relatando disponibilidade de máscaras N95/FFP2 (47,7%).  NI  O impacto do Covid‐19 entre os cirurgiões CMF é global e afeta negativamente a prática clínica e a vida pessoal dos cirurgiões craniomaxilofaciais. 
Brar et al. (2021)17  Pesquisa transversal  95 diretores de programas de residência  Em meio à pandemia do COVID‐19, todos os programas participantes continuaram a fornecer serviços limitados aos pacientes. Estes incluíram serviços de urgência odontológica (93,9%); procedimentos cirúrgicos de urgência e emergência, como correção de fraturas faciais ou ressecção oncológica e reconstrução (93,9%); consultas de acompanhamento pós‐operatório (75,8%); consultas odontológicas em internação (72,7%); e novas consultas ambulatoriais (36,4%).  No ambiente da sala de cirurgia, o nível de EPI recomendado para procedimentos geradores de aerossóis envolvendo o trato aerodigestivo para uso por pacientes com status desconhecido de Covid‐19 incluiu principalmente um respirador N95 com proteção facial completa, avental descartável e luvas (61,5%).  NI  Os programas de treinamento em cirurgia bucomaxilofacial devem dar mais atenção ao fornecimento de recursos adequados de redução do estresse aos residentes para manter seu bem‐estar e treinamento e minimizar o risco de exposição durante uma epidemia global em evolução. 

NI, Não informado.

Impacto operacional e mudança nos padrões de trabalho

Todos os estudos incluídos relataram diminuição do número de procedimentos cirúrgicos através do cancelamento/adiamento de cirurgias eletivas, com prioridade para os casos de urgência/emergência. No estudo de Barca et al.,12 as principais cirurgias feitas no período de emergência por Covid‐19 foram aquelas relacionadas a traumas e diversas doenças oncológicas. Na época da pandemia, Blackhall et al.13 relataram 255 casos relacionados a trauma, 221 infecções e 48 casos de complicações pós‐operatórias durante o período do estudo. Mafia et al.15 observaram que a traumatologia foi a área menos afetada, que foi mantida em 83,2% de todos os serviços dos profissionais entrevistados.

Um achado importante foi a adaptação das consultas e triagem dos pacientes. Barca et al.12 usaram um questionário para triagem de pacientes por telefone e na admissão no ambulatório, que consistia nos seguintes tópicos: 1) Presença de febre nos últimos 14 dias; 2) Possíveis problemas respiratórios; 3) Viagens para áreas de risco com alta disseminação do Covid‐19; 4) Contato com pacientes positivos para Covid‐19 e 5) Participação em aglomerações. Todos os pacientes foram submetidos a teste de RT‐PCR antes do procedimento cirúrgico e alojados em quartos individuais.

Blackhall et al.13 atenderam 134 pacientes remotamente por telefone ou vídeo para triagem inicial sobre o risco de Covid‐19 e a necessidade de atendimento de saúde presencial. Huntley et al.14 relataram que quase todos os programas (95,7%) dos quais os residentes participaram fizeram a triagem de pacientes para sintomas de Covid‐19. Isso foi feito com maior frequência pela triagem hospitalar (65,2%) ou pela equipe da recepção (62,2%). Entre os entrevistados, 83,6% indicaram que seu programa usava exames laboratoriais para pacientes com Covid‐19.

Barca et al.12 relataram que a equipe de saúde implantou medidas preventivas durante o procedimento cirúrgico, como recomendado pelas diretrizes provisórias da Organização Mundial da Saúde (OMS). A equipe de saúde usou equipamentos de proteção individual: máscaras N95 ou FFP2, proteção ocular, aventais impermeáveis e luvas cirúrgicas. A pressão arterial, a temperatura corporal, a frequência cardíaca e a saturação de oxigênio foram monitoradas periodicamente. Nenhum caso de Covid‐19 foi detectado no estudo. Em um estudo multicêntrico internacional, Maffia et al.15 verificaram que mais da metade (57,1%) dos centros de cirurgia maxilofacial que relataram não ter recebido orientação sobre o manejo da Covid‐19 também não receberam equipamentos de proteção individual adequados.

No estudo de Brar et al.,17 16 dos 33 programas (48,5%) não relataram falta de equipamentos de proteção individual, enquanto 51,5% o fizeram. Os equipamentos de proteção ausentes mais comuns foram máscaras N95 (94,1%) e máscaras cirúrgicas com face shield (35,3%). Em estudo global feito por van der Tas et al.,16 a percepção da disponibilidade de equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde e cirurgiões diferiu significativamente entre os países analisados. A melhor proteção oferecida aos cirurgiões maxilofaciais foi observada na Austrália, onde os cirurgiões trabalharam com máscaras N95/FFP2 em 60% dos serviços, seguido pela América do Norte (47,7%).

Educacional/acadêmico

No estudo de Huntley et al.,14 todos os entrevistados indicaram que seus programas fizeram alterações no agendamento de casos eletivos, 97,7% dos residentes entrevistados relataram que seu programa havia interrompido procedimentos eletivos. Os casos de urgência ou emergência também foram afetados, 83,6% dos entrevistados indicaram mudanças no agendamento desses casos. Em relação aos equipamentos de proteção individual, 95,3% dos entrevistados afirmaram que seus programas fizeram mudanças no uso desses equipamentos. A maioria dos residentes relatou bom (32,7%) ou excelente (32,1%) acesso às máscaras com proteção ocular; entretanto, 36,8% indicaram acesso limitado às máscaras N95.

O estudo de Brar et al.17 identificou que todos os programas de residência continuaram a fornecer serviços limitados aos pacientes durante a pandemia de Covid‐19. Esses incluíram atendimento odontológico de emergência (93,9%); procedimentos cirúrgicos de urgência e emergência como correção de fraturas faciais ou ressecção e reconstrução oncológica (93,9%); consultas de seguimento pós‐operatório (75,8%); consultas odontológicas com hospitalização (72,7%) e novas consultas ambulatoriais (36,4%).

Os residentes estavam fortemente preocupados com os possíveis efeitos práticos da pandemia no ensino e treinamento cirúrgicos. Huntley et al.14 relataram que os residentes estavam mais preocupados com sua experiência em cirurgia ortognática (55,1%), anestesia ambulatorial e sedação profunda (43,6%) e cirurgia reconstrutiva e estética (42,3%), bem como a experiência geral em anestesia (32,1%). A maioria dos residentes (88,8%) indicou que sua experiência cirúrgica foi afetada, com redução média na experiência cirúrgica de 67%. A maioria dos entrevistados (94,2%) relatou que seu programa usou didática virtual (online) e que a frequência da didática havia aumentado, em geral.

A pandemia da Covid‐19 tem desafiado física, mental e emocionalmente residentes, professores e funcionários. O estudo de Brar et al.17 indica que diferentes técnicas de bem‐estar foram particularmente importantes para manter a saúde e a segurança dos residentes durante esse período, inclusive seminários de meditação, rotinas de ioga e exercícios físicos, passes de trânsito com tarifa gratuita ou reduzida, serviços de entrega de alimentos, serviços de aconselhamento e hospedagem gratuita em hotéis.

Discussão

Os resultados dessa revisão sistemática indicam que a Covid‐19 afetou diretamente a rotina de profissionais bucomaxilofaciais e centros de referência em todo o mundo. Maior controle dos procedimentos hospitalares destinados a prevenir a transmissão da infecção dos pacientes para a equipe de saúde e vice‐versa foi observado em todos os estudos.12–15,17 Entretanto, diferentes estudos relataram a falta de equipamentos de proteção individual.17 Destacamos estudos que demonstraram que o SARS‐CoV‐2 pode penetrar em máscaras e vestimentas cirúrgicas tradicionais, exige o uso de máscaras N95 e vestimentas de proteção de nível 3.18,19 No entanto, a escassez de máscaras N95 mostrou ser uma realidade global.19,20

Uma alta prevalência de ansiedade foi observada entre os profissionais durante a pandemia de Covid‐19, especialmente entre os residentes.14 Aziz et al.21 encontraram resultados semelhantes para residentes de cirurgia geral nos Estados Unidos; além disso, 33,1% dos entrevistados foram diagnosticados com síndrome de burnout durante a pandemia de Covid‐19. Mecanismos de apoio à manutenção da saúde mental seriam importantes para residentes e profissionais de programas de pós‐graduação. O acompanhamento psicológico e o incentivo à atividade física são úteis para esse propósito.

Além disso, o uso de ferramentas de ensino remoto é fundamental durante o período de distanciamento social para evitar o descaso educacional; em paralelo, é importante apoiar conceitos de aprendizagem com tecnologia, como o uso de metodologias ativas. De acordo com Huntley et al.14 e Brar et al.,17 o ensino remoto foi bem aceito por residentes e diretores de centros de referência em cirurgia bucomaxilofacial, corroborou os achados de outros estudos em diferentes áreas.21,22

Pacientes assintomáticos e aqueles em período de incubação podem ser portadores de SARS‐CoV‐2 e podem transmitir a infecção.23 Portanto, a RT‐PCR deve ser usada como método de triagem antes do procedimento cirúrgico mesmo em pacientes assintomáticos para monitorar a contaminação paciente‐equipe cirúrgica e equipe cirúrgica‐paciente. Testes regulares de profissionais da equipe cirúrgica também podem ser usados para evitar a contaminação.24

A presente revisão sistemática constatou que a rotina cirúrgica dos casos de urgência e emergência foi a menos afetada, mantiveram‐se os procedimentos. Entretanto, os casos eletivos devem ser acompanhados periodicamente para avaliar a condição dos pacientes. Esse seguimento pode ser feito através de videochamadas com profissionais bucomaxilofaciais. As videochamadas também podem ser usadas como um método de triagem inicial para possíveis sintomas associados à Covid‐19 em pacientes que precisam de uma consulta presencial ou cirurgia no cenário da cirurgia bucomaxilofacial.12

Pacientes sintomáticos com Covid‐19 só devem ser submetidos a procedimentos de cirurgia bucomaxilofacial em caso de situação de urgência ou emergência. Pacientes sintomáticos são a principal fonte de transmissão viral e, portanto, devem ser tratados em um ambiente onde a infraestrutura adequada e equipamentos de proteção individual estejam disponíveis.7 Um fluxograma foi desenvolvido para o manejo de pacientes em cenários de cirurgia bucomaxilofacial com base nas recomendações dos diferentes estudos analisados nesta revisão sistemática (fig. 2).

Figura 2.

Fluxograma proposto para cirurgia bucomaxilofacial devido à Covid‐19.

(0,52MB).

A infraestrutura dos espaços dos centros de cirurgia bucomaxilofacial que recebem pacientes internados e ambulatoriais deve ser ajustada de forma a evitar a contaminação cruzada entre unidades ambulatoriais e de internação. Todos os pacientes que frequentam os departamentos clínicos devem ter sua temperatura corporal verificada. No entanto, os pacientes infectados com Covid‐19 não necessariamente apresentam febre. Portanto, a triagem inicial também é importante para avaliar históricos recentes de viagens e contatos com pacientes infectados. Antes da hospitalização nas enfermarias ou antes da cirurgia bucomaxilofacial, os pacientes devem ser testados para o vírus.7,25

Os profissionais de saúde estão na linha de frente da luta contra a Covid‐19 e, portanto, são considerados um grupo prioritário nas campanhas de vacinação.20,26 Entretanto, a taxa de vacinação varia muito entre os países e o risco de surgimento de novas variantes resistentes às diferentes vacinas desenvolvidas torna necessário que protocolos destinados a reduzir o risco de contaminação com Covid‐19 sejam mantidos por tempo indeterminado.

Conclusão

A Covid‐19 representa um desafio para os cirurgiões bucomaxilofaciais. Mudanças significantes na infraestrutura das diferentes unidades ambulatoriais, cirúrgicas e de internação e nos próprios protocolos assistenciais foram e continuarão a ser necessárias para evitar riscos desnecessários de contaminação dos pacientes e da equipe cirúrgica. As demandas por equipamentos de proteção individual aumentaram significativamente, com relatos de escassez de equipamentos fundamentais, como máscaras FFP2/N95. A metodologia de ensino dos programas de residência em cirurgia bucomaxilofacial deve ser adaptada ao distanciamento social causado pela pandemia. Além disso, o apoio psicológico deve ser oferecido aos profissionais e residentes.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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Como citar este artigo: Pagotto LE, Santos TS, Pastore GP. Impact of COVID‐19 on maxillofacial surgery practice: A systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:990–8.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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