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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 346-352 (Maio - Junho 2021)
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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 346-352 (Maio - Junho 2021)
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Infecção por papilomavírus humano e carcinoma espinocelular oral – Uma revisão sistemática
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Bernardo Augusto de Carvalho Meloa, Luisa Gallo Vilara, Natália Rodrigues de Oliveiraa, Priscila Oliveira de Limab, Melina de Barros Pinheiroa, Caroline Pereira Dominguetia, Michele Conceição Pereiraa,
Autor para correspondência
michelepereira@ufsj.edu.br

Autor para correspondência.
a Universidade Federal de São João Del Rei, Divinópolis, MG, Brasil
b The University of Queensland Diamantina Institute, The University of Queensland, Translational Research Institute, Brisbane, Austrália
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Figuras (1)
Tabelas (3)
Tabela 1. Critérios de elegibilidade para inclusão de estudos transversais, de coorte ou caso‐controle na revisão sistemática
Tabela 2. Resumo dos dados dos artigos incluídos
Tabela 3. Resumo dos dados relativos aos pacientes HPV/mRNA‐positivos dos estudos incluídos
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Resumo
Introdução

A associação entre os carcinomas de colo uterino e anogenitais e o papilomavírus humano (HPV) está bem estabelecida; entretanto, o envolvimento desse vírus no desenvolvimento de carcinomas espinocelulares orais permanece controverso.

Objetivos

Avaliar a relação entre a infecção pelo HPV e os carcinomas espinocelulares orais e estimar a proporção dessa infecção nesses pacientes.

Método

Quatro bases de dados eletrônicas foram pesquisadas para encontrar estudos que atendessem aos seguintes critérios de inclusão: i) feitos em humanos; ii) estudos do tipo coorte, caso‐controle ou transversal; iii) avaliaram a atividade oncogênica do HPV pelo mRNA E6 e E7; iv) incluíram CECOs primários, cujo diagnóstico foi confirmado por biópsia; v) o diagnóstico foi confirmado por biópsia. Informações sobre o país; período do estudos; obtenção da amostra; locais dos carcinomas espinocelulares orais; número, sexo e faixa etária da população; prevalência de infecção por HPV e subtipos detectados; informações sobre o uso de tabaco ou álcool e a prática de sexo oral foram obtidas. A qualidade metodológica dos artigos incluídos foi avaliada através de 14 critérios.

Resultados

A estratégia de busca recuperou 2.129 artigos. A avaliação de texto completo foi feita em 626 artigos, mas apenas cinco foram incluídos. O total de participantes incluídos foi de 383, a maioria do sexo masculino e com média de idade entre 51,0 e 63,5 anos. Dezessete pacientes eram HPV/mRNA‐positivos, os subtipos 16 e 18 foram detectados com maior frequência. Nove dos carcinomas espinocelulares orais HPV/mRNA‐positivos ocorreram na língua. A média do escore de qualidade dos artigos incluídos foi de cinco pontos.

Conclusões

Entre os 383 pacientes incluídos com carcinomas espinocelulares orais, 17 (4,4%) eram HPV/mRNA‐positivos; entretanto, não foi possível avaliar se a infecção por HPV estava associada com carcinomas espinocelulares orais porque nenhum dos estudos incluídos era longitudinal e as investigações transversais não têm grupo controle.

Palavras‐chave:
Neoplasias bucais
Papillomaviridae
Revisão sistemática
Texto Completo
Introdução

Estima‐se que a cavidade oral seja da sexta à nona localização anatômica mais acometida pelo câncer, dependendo principalmente do país e do sexo dos pacientes investigados. Anualmente, cerca de 275.000 novos casos de câncer oral são registrados em todo o mundo.1 O carcinoma espinocelular (CEC) é responsável por aproximadamente 80% a 90% de todas as doenças malignas.2

O CEC oral (CECO) pode originar‐se em qualquer localização da mucosa, mas os locais mais frequentemente afetados são a língua e o assoalho da boca.3,4 Clinicamente, apresenta‐se como uma lesão ulcerada, com uma área necrótica central circundada por bordas elevadas.2 Afeta predominantemente homens entre a quinta e a sexta décadas de vida, sendo rara em pacientes com menos de 40 anos.4,5 Entretanto, sua incidência em pacientes mais jovens aumentou nas últimas décadas.6

O consumo de tabaco e álcool são fatores de risco bem estabelecidos para o CECO,3,5 mas 15% a 20% dos pacientes ainda desenvolvem CEC na ausência de exposição a esses fatores de risco.3,7 Além disso, em pacientes mais jovens, o papel desses fatores de risco não é totalmente compreendido devido ao menor tempo de exposição.5 Portanto, sugere‐se que outros fatores podem influenciar a gênese do CECO,8 como predisposição genética, dieta e agentes virais.7

O comportamento sexual e a exposição ao papilomavírus humano (HPV) são fatores de risco consistentes para cânceres anogenitais e CEC orofaríngeo,9 mas o papel do HPV na patogênese do CECO permanece controverso.10 Os vírus HPV têm genomas de DNA de fita dupla circular de aproximadamente 8.000 pares de bases4,9 e exibem tropismo específico para o epitélio escamoso.9 Até o momento, 202 subtipos diferentes de vírus foram identificados.9 Os HPVs são divididos em alto (hr) e baixo risco (lr): uma proliferação benigna está associada ao tipo de HPV lr e a malignidade está associada ao HPV hr. Os subtipos 16 e 18, e 6 e 11 foram considerados HPV hr e lr, respectivamente.9,11

O potencial oncogênico dos HPVs hr é atribuído à sua capacidade de inserir fragmentos específicos de seu DNA, os genes E6 e E7, no genoma de células infectadas. Essa inserção leva à abolição de algumas funções dos principais genes supressores de tumor, resulta em alterações na regulação da proliferação celular, apoptose e estabilidade genética.9,12,13 Syrjanen et al.14 propuseram a possível contribuição dos HPVs para a carcinogênese oral pela primeira vez. Essa hipótese foi baseada em seu tropismo epitelial, o potencial oncogênico dos HPVs hr na patogênese da neoplasia anogenital, especialmente CECs cervicais, e semelhanças morfológicas entre os epitélios orofaríngeo e genital.

Estudos feitos em todo o mundo têm demonstrado a presença do DNA do HPV nos CECOs,10,15 porém esses trabalhos mostraram uma grande variabilidade na prevalência viral, que pode ser justificada por diversos fatores. Por exemplo, métodos de coleta e preservação de amostras; sensibilidade da técnica de detecção de vírus; ausência de consenso em relação à divisão anatômica da cavidade oral; o agrupamento de tumores de cabeça e pescoço como uma entidade única; risco de contaminação por carreamento com material previamente amplificado e falta de prova da real atividade oncogênica do HPV, uma vez que somente a presença do DNA do HPV é evidência insuficiente para uma associação causal a partir de uma perspectiva molecular.1,3,13 A expressão dos oncogenes E6 e E7 tem sido considerada o teste padrão‐ouro para avaliar o envolvimento do HPV nesses tumores,10 mas revisões anteriores não usaram esse critério.

O esclarecimento da relação entre a infecção pelo HPV e o CECO pode ter um impacto muito positivo no diagnóstico e tratamento deste grupo específico de pacientes, além de contribuir para a implantação de políticas e programas de saúde mais eficazes. Nesse contexto, o presente estudo teve como objetivo fazer uma revisão sistemática da literatura para avaliar a relação entre a infecção pelo HPV e o CECO e estimar a proporção dessa infecção viral em pacientes com CECO.

Método

Esta revisão sistemática foi conduzida de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta‐Analysis (Prisma).16 Um protocolo de revisão foi elaborado a priori e registrado no registro prospectivo internacional de revisões sistemáticas Prospero (2016: CRD42016042670).

Estratégia de pesquisa

Fizemos uma pesquisa nas bases de dados Medline, Embase, Web of Science e Lilacs desde os registros mais antigos até fevereiro de 2018. Estratégias de pesquisa aprimoradas foram feitas com os termos‐chave “oral cancer” or “oral squamous cell carcinoma” or “oral SCC” or “oral tumor” or “oral neoplasm” or “mouth neoplasms” or “gingival neoplasms” or “palatal neoplasms” or “tongue neoplasms” AND “papillomaviridae” or “expalphapapillomavirus” or “human papillomavirus” or “papillomavirus infections” or “papillomavirus infection” or “HPV”. Nenhuma restrição foi aplicada ao ano de publicação. Os estudos incluídos na revisão restringiram‐se aos idiomas inglês, espanhol e português. A busca de citações foi feita através da triagem manual de listas de referência.

Critérios de elegibilidade

Os estudos elegíveis incluíram aqueles que foram i) feitos em humanos; ii) estudos do tipo coorte, caso‐controle ou transversal; iii) avaliaram a atividade oncogênica do HPV pelo mRNA E6 e E7; iv) incluíram CECOs primários nos quais; v) o diagnóstico foi confirmado por biópsia.

As declarações “população, exposição, comparação, desfechos, desenho do estudo” (Pecos) e “população, exposição, desfechos, desenho do estudo” (Peos) estão resumidas na tabela 1.

Tabela 1.

Critérios de elegibilidade para inclusão de estudos transversais, de coorte ou caso‐controle na revisão sistemática

Critério  Descrição
  Estudo transversal  Estudo de coorte ou caso‐controle 
População  Pacientes com CECO  Pacientes com CECO 
Exposição  Infecção por HPV  Infecção por HPV 
Comparação  Pacientes com CECO sem infecção por HPV  Não aplicável 
Desfecho  CECO  CECO 

CECO, Carcinoma espinocelular oral; HPV, Papilomavírus humano.

Critérios de exclusão

Excluímos estudos que não eram originais, que incluíam carcinoma de lábio ou outras variantes do CECO, informações duplicadas de artigos publicados anteriormente, não mencionaram o número de CECOs analisados e que não relataram a prevalência de infecção por HPV.

Seleção de estudos e extração de dados

A primeira avaliação de artigos potencialmente elegíveis envolveu a triagem de títulos e resumos por dois revisores independentes. Os registros relevantes selecionados nessa etapa foram examinados através de análise do texto completo. As discordâncias foram resolvidas por um terceiro revisor. Os seguintes dados foram extraídos de cada estudo incluído: continente, país, período do estudo, obtenção da amostra, locais do CECO, número, sexo e idade, além da prevalência de infecção por HPV. Para os pacientes HPV/mRNA‐positivos, foram coletadas informações sobre média de idade, localização do tumor, subtipos de HPV detectados, número e porcentagem de fumantes, etilistas e praticantes de sexo oral.

Avaliação de qualidade

A qualidade metodológica dos artigos incluídos foi avaliada através de uma lista de verificação baseada em ferramentas usadas anteriormente.17 Quatorze critérios de qualidade foram aplicados: i) se o tamanho da amostra era constituída por pelo menos 50 pacientes; ii) se os casos foram recrutados aleatoriamente ou consecutivamente, ou foram casos incidentes; iii) se o período de recrutamento foi declarado; se houve descrição dos; iv) critérios de inclusão; e v) critérios de exclusão; se o artigo continha informações específicas para pacientes HPV/mRNA‐positivos sobre vi) sexo; vii) idade; viii) uso de tabaco; ix) consumo de álcool; se os fatores de confusão x) etilismo, xi) fumo, xii) prática de sexo oral ou xiii) outros fatores de confusão foram considerados e xiv) e se o controle de contaminação foi mencionado nos artigos.

Cada item foi pontuado como sim (1) ou não (0). O escore total também foi calculado como a soma dos resultados para cada item individual. Dois revisores independentes avaliaram a qualidade dos artigos e um terceiro revisor resolveu quaisquer divergências.

Análise estatística

O agrupamento dos estudos não foi possível devido à sua heterogeneidade em termos de desenho do estudo, idade, sexo, tabagismo, etilismo e prática de sexo oral, para pacientes HPV/mRNA‐positivos. Portanto, os resultados são apresentados de forma descritiva, incluem os resultados quantitativos de cada estudo.

Resultados

As buscas feitas nas bases de dados recuperaram 3.146 artigos, que, somados aos 72 identificados na revisão sistemática de Ndiaye et al.,17 resultaram em 3.218 estudos (fig. 1). Após a exclusão das duplicatas, 2.129 artigos tiveram seus títulos e resumos selecionados. O texto completo foi avaliado em 626 deles, mas apenas cinco foram incluídos. A principal razão para a exclusão do artigo foi a falta de análise da expressão do mRNA E6/E7 para caracterizar a atividade oncogênica do HPV. O processo de seleção dos estudos pode ser observado na figura 1.

Figura 1.

Fluxograma das fases da revisão sistemática.

(0,33MB).

Todos os artigos incluídos foram publicados entre 2013 e 2016 e relataram dados das Américas do Norte e do Sul, Ásia e Europa. A maioria (60%) não descreveu o período do estudo (tabela 2). Em relação à obtenção da amostra, 40% não foram especificados, 40% vieram de peças cirúrgicas e biópsias e 20% somente de biópsias.

Tabela 2.

Resumo dos dados dos artigos incluídos

Estudo  País  Desenho de estudo  Período do estudo  Obtenção de amostra  Pacientes com CECO (n)  Local do CECO  Sexo dos Pacientes com CECOMédia de idade 
              Masculinon (%)  Femininon (%)   
Lleras et al. (2013)  Estados Unidos  Transversal  Não mencionado  Amostra cirúrgica e biópsias  35  Não mencionado  24 (70%)  11 (30%)  61 
Poling et al. (2014)  Estados Unidos  Transversal  Não mencionado  Não mencionado  78  Língua  36 (46%)  42 (54%)  55 
Tsimplaki et al. (2014)  Grécia  Transversal  Não mencionado  Biópsias  53  Língua  39 (73,6%)  14 (26,4%)  51 
Reyes et al. (2015)  Chile  Transversal  2000–2014  Não mencionado  80  Não mencionado  44 (55%)  36 (45%)  Não mencionado 
Chor et al. (2016)  China  Transversal  Janeiro de 2012 a dezembro de 2014  Amostra cirúrgica e biópsias  137  Não mencionado  1,2/1a  1/1,2b  63,5 

CECO, Carcinoma espinocelular oral.

a

Relação entre homens e mulheres, conforme informações coletadas do estudo.

b

Relação entre mulheres e homens, conforme informações coletadas do estudo.

Os cinco artigos incluíram 383 pacientes, a maioria do sexo masculino (tabela 2). Os participantes incluídos nos estudos tinham de 19 a 92 anos. A maior média de idade dos pacientes com CECO, identificada por Chor et al.,18 foi 63,5 anos. Além disso, dois estudos analisaram a prevalência de HPV em sítios anatômicos de pacientes com CECO e descreveram a língua como local afetado em 131 casos.

Entre os 383 pacientes com CECO incluídos, 17 casos (4,4%) eram HPV/mRNA‐positivos. Dois estudos relataram que a média de idade dos pacientes era de 51,2 e 60,4 anos.6,19 Poling et al.19 identificaram um único paciente HPV/mRNA‐positivo, que tinha 62 anos. Chor et al.18 não identificaram paciente HPV/mRNA positivo.

Nove casos de CECO HPV/mRNA‐positivos estavam localizados na língua, um estava localizado no rebordo alveolar e sete não tinham o local especificado. O subtipo mais prevalente foi o HPV‐16, descrito em 14 casos, seguido pelo HPV‐18.

Apenas dois artigos apresentaram informações sobre o número de fumantes e consumidores de álcool.6,19 Poling et al.19 relataram um paciente positivo para HPV/mRNA que era fumante e também etilista importante. De acordo com Tsimplaki et al.,6 em um grupo de cinco pacientes HPV/mRNA‐positivos, apenas um era fumante e etilista. Nenhum estudo divulgou dados relacionados à prática de sexo oral. Um resumo dos resultados dos artigos incluídos que analisaram CECOs HPV/mRNA‐positivos é mostrado na tabela 3.

Tabela 3.

Resumo dos dados relativos aos pacientes HPV/mRNA‐positivos dos estudos incluídos

Estudo  Média de Idade  Local do tumor (n)  Subtipos de HPVTabagismon (%)  Consumo de álcooln (%)  Prática de sexo oral 
      HPV 16n (%)  HPV 18n (%)       
Lleras et al. (2013)  Não mencionado  Não especificado  6 (17%)  –  Não especificado  Não especificado  Não especificado 
Poling et al. (2014)  62a  Língua (1)  Não especificado  1 (100%)  1 (100%)  Não especificado   
Tsimplaki et al. (2014)  51,2  Língua (5)  4 (7.5%)  1 (1.9%)  1 (20%)  1 (20%)  Não especificado 
Reyes et al. (2015)  60,4  Língua (3), crista alveolar (1), e não especificado (1)  4 (80%)  1 (20%)  Não especificado  Não especificado  Não especificado 
Chor et al.(2016)  –  –  –  –  –  –  – 

HPV, Papilomavírus humano; (–) Nenhum paciente era HPV/mRNA positivo.

a

O único paciente HPV/mRNA positivo tinha 62 anos.

A média dos escores de qualidade dos artigos incluídos foi de cinco pontos; nenhum deles atingiu a pontuação máxima. O maior escore (nove pontos) foi atribuído ao estudo feito por Poling et al.19 Em relação à qualidade do artigo, as principais limitações foram: falta de informação sobre o recrutamento dos pacientes, critérios de exclusão adotados na seleção da população do estudo e a consideração de fatores de confusão durante a análise estatística.

Discussão

Não foi possível avaliar se a infecção pelo HPV estava associada ao CECO porque nenhum dos estudos incluídos foi longitudinal e estudos transversais não têm grupo controle.

Dezessete casos (4,4%) foram positivos para HPV/mRNA: 14 casos foram positivos para HPV‐16 e dois para HPV‐18. Reconhecidamente, os subtipos 16 e 18 desempenham um papel importante no desenvolvimento de certos tumores, inclusive o CECO.7 O subtipo 16 é identificado em 90% a 95% dos CEC orofaríngeos HPV‐positivos. Para os CECOs, há maior variabilidade na prevalência do subtipo infectante.20 Curiosamente, uma revisão sistemática 20 avaliou estudos em todo o mundo e estimou uma prevalência mais alta de CECOs HPV/mRNA‐positivos (7% a 16%) em comparação com o descrito nesta revisão (4,4%).

Poucos estudos atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos nesta revisão sistemática, o que significa que um número escasso de artigos usou o teste padrão‐ouro para avaliar o envolvimento do HPV no CECO. Além disso, a maioria dos artigos selecionados não relatou dados estratificados por idade, sexo, tabagismo, consumo de álcool e prática de sexo oral para pacientes HPV/mRNA‐positivos.

Desde a década de 1960, muitos estudos mostraram uma incidência crescente de CEC de cabeça e pescoço (CECCP) em todo o mundo, principalmente na língua e orofaringe de adultos jovens.21 No entanto, isso foi associado a uma diminuição simultânea na prevalência de tabagismo na população em geral.22 Foi sugerido que fatores genéticos, infecções virais e fatores de risco comportamentais possam estar envolvidos na etiologia desses tipos de câncer.23 A maioria dos estudos atribuiu essa mudança epidemiológica ao HPV.24

Embora os artigos incluídos nesta revisão sistemática relatem dados dos Estados Unidos, da Grécia, do Chile e da China, nenhum deles especificou o país ou continente de origem dos pacientes. Devido a esse fato, não foi possível avaliar a possível associação entre etnia e prevalência de infecção por HPV. A origem etnogeográfica dos indivíduos representa um conhecido fator de variabilidade em relação à prevalência do HPV no CECCP. Com base na alta prevalência de HPV em câncer oral em pacientes asiáticos, Termine et al.13 sugeriram que essa infecção viral é um fator etiológico importante, capaz de causar mutações adicionais no processo carcinogênico, juntamente com os hábitos alimentares e a predisposição genética.13 Além disso, Boy et al.25 e VanRensburg et al.26 descreveram a baixa prevalência de HPV em pacientes sul‐africanos com CECO, que variou de 0% a 11,9%.

Em relação à aquisição da amostra do CECO, dois estudos obtiveram amostras de ressecções cirúrgicas e biópsias,18,27 um deles somente por biópsia 6 e dois deles 19,28 não forneceram informações a respeito. Segundo Termine et al.,13 a biópsia continua a ser um dos procedimentos mais comuns para obtenção de amostras de cavidade oral, permite que o mesmo espécime seja usado em análises morfológicas e testes moleculares para detecção de HPV. No entanto, os espécimes cirúrgicos fornecem amostras mais representativas de tumores em comparação às biópsias.

A idade máxima e mínima dos pacientes com CECO foi de 92 e 19 anos, respectivamente. Os CECOs ocorrem com maior frequência em idosos ou indivíduos de meia‐idade, mas essa neoplasia tem sido cada vez mais documentada em adultos jovens.5,21,23 Assim, os resultados adquiridos na presente revisão corroboram os dados epidemiológicos descritos anteriormente.

Além disso, apenas dois artigos 6,19 relataram dados sobre a prevalência de HPV relacionada a sítios anatômicos em CECOs. A língua foi o único sítio descrito nesses artigos. De acordo com a literatura, embora qualquer área da mucosa possa ser afetada pelo CECO, os locais mais comuns são a língua e o assoalho da boca.29

Entre os 383 pacientes com CECO identificados nos cinco artigos selecionados para esta revisão, a maioria era do sexo masculino. Os CECOs são mais comuns em homens do que mulheres (2:1), mas a incidência em mulheres provavelmente tenha aumentado devido à maior exposição desse grupo a agentes carcinogênicos, como álcool e tabaco.30

Além disso, alguns fatores de confusão foram levados em consideração. O tabagismo é um importante fator de risco para CEC oral e orofaríngeo. Embora o tabagismo esteja diminuindo ou se estabilizando nos países desenvolvidos, esse hábito tem aumentado nos países de baixa e média renda. Gandini et al.31 mostraram que fumantes ativos têm risco relativo de 6,76 para desenvolver CEC de orofaringe e 3,43 para CECO quando comparados a não fumantes.

O consumo abusivo de álcool (> 60 gramas por dia) está associado a um risco aumentado de CEC oral e orofaríngeo. Metanálises recentes estimaram que, para 10 gramas de álcool por dia, o risco relativo é de 1,3 para CECCP. Esse risco aumenta para 13,0, quando 125 gramas de álcool são consumidos por dia.20

O presente estudo buscou obter dados sobre o número de pacientes HPV/mRNA‐positivos, fumantes e/ou etilistas. No entanto, poucos estudos forneceram essa informação. Poling et al.19 relataram que o único paciente HPV/mRNA‐positivo era etilista e fumante pesado, enquanto Tsimplaki et al.6 observaram que em um grupo de 5 pacientes HPV/mRNA‐positivos, apenas um fazia uso de tabaco e ingestão de álcool.

Nenhum estudo discutiu qualquer correlação entre a prática de sexo oral e a infecção por HPV em CECCP. De acordo com Heck et al.,32 há evidências crescentes de que o comportamento sexual, como sexo oral, está associado a um risco aumentado de infecção por HPV e ao desenvolvimento de CECCP. No entanto, os mesmos autores encontraram poucas evidências da associação entre comportamento sexual e CECO.

Conclusão

Em nossa revisão sistemática, 17 casos (4,4%) eram HPV/mRNA‐positivos. Não foi possível avaliar se a infecção pelo HPV estava associada ao CECO porque nenhum dos cinco estudos incluídos era longitudinal e estudos transversais não têm grupo controle. Esse fato enfatiza a necessidade e importância de estudos que avaliem essa temática.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

À Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) pelas bolsas de iniciação científica concedidas aos discentes de graduação que participam desta equipe de trabalho.

À Marina de Barros Pinheiro e Gustavo de Carvalho Machado, ambos da The University of Sydney, pelo apoio técnico.

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Como citar este artigo: Melo BA, Vilar LG, Oliveira NR, Lima PO, Pinheiro MB, Domingueti CP, et al. Human papillomavirus infection and oral squamous cell carcinoma – a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:346–52.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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