Introdução
A laringe é o principal sítio na amiloidose em via aerodigestiva alta. Predomina em homens na quinta década de vida1,2 e representa aproximadamente 1% dos tumores benignos deste órgão.1 A disfonia é o principal sintoma,3,4 e o diagnóstico histopatológico é o padrão ouro.
Neste estudo, é relatado um caso de amiloidose laríngea em paciente jovem, do sexo feminino, acompanhada em nosso serviço, de novembro/2011 a outubro/2013, que visa demonstrar a diversidade clínica da doença, bem como alertar para os diagnósticos diferenciais e seguimento.
Apresentação do caso
Mulher, 35 anos, negra, natural e procedente de São Paulo/ SP, com queixa de odinofagia (pior à direita), pigarro, globus faríngeo e disfonia há quatro anos. Negava sintomas respiratórios, dispépticos ou nasais. Realizou tratamento com Omeprazol 40 mg/dia por tempo prolongado, porém não apresentou melhora dos sintomas. Negava tabagismo, etilismo ou antecedentes pessoais e familiares relevantes.
Apresentava-se com voz rugosa, oroscopia e rinoscopia anterior sem alterações. À telelaringoscopia evidenciava-se abaulamento submucoso em prega vestibular direita, sem alterações na sua mobilidade, e edema/hiperemia do espaço interaritenoídeo (fig. 1A).
Figura 1 A, Telelaringoscopia: abaulamento em prega vestibular direita, sem comprometimento glótico ou subglótico. B, Fragmento evidenciando epitélio tipo respiratório com discreto infiltrado linfomononuclear no estroma e aparente deposição de material amorfo eosinofílico à hematoxilina-eosina, no local delimitado (H&E, 3200). C, Mesma área mostrada em B, com aparência mais pálida que o restante da amostra, quando corada pelo vermelho-congo (Vermelho-congo, 3400).
Aventada hipótese de cisto sacular e indicada exérese da lesão com fonoterapia pós-operatória, que foram realizadas sem intercorrências.
O resultado anatomopatológico apontou amiloidose laríngea (figs. 1B e C), tendo sido, então, solicitados exames de funções renal e hepática e eletrocardiograma – os quais estavam normais, e a paciente foi encaminhada para acompanhamento em conjunto no setor de Reumatologia.
A paciente não realizou seguimento otorrinolaringológico/ reumatológico, comparecendo ao ambulatório um ano após a cirurgia, assintomática. Novas provas de funções renal, hepática e cardiovascular, além de telelaringoscopia rígida, foram realizados, e estes encontravam-se normais. Optouse, então, por acompanhamento ambulatorial semestral e reencaminhamento à Reumatologia.
Discussão
O acometimento laríngeo geralmente é decorrente da forma localizada da amiloidose4 e, ao contrário do que ocorre em outros sítios da cabeça e pescoço, raramente é envolvida nos quadros sistêmicos da doença.3
A lesão ocorre principalmente em prega vestibular (55%), apresentando-se como edema subepitelial ou formação nodular.1 O diagnóstico é raramente suspeitado e muitas vezes só concluído após anatomopatológico – no qual é observada típica birrefringência positiva sob luz polarizada após coloração com vermelho-congo, adquirindo tonalidade esverdeada.5 No nosso caso, suspeitou-se de cisto sacular, doença caracterizada por obstrução/atresia do orifício sacular laríngeo com consequente retenção de muco e abaulamento submucoso. Sarcoidose, tumores metastáticos, pólipos, neoplasias malignas e tumores de glândulas salivares representam outros diagnósticos diferenciais possíveis.4,6
Alguns autores sugerem avaliação das funções hepática, renal, eletrocardiográfica e pesquisa endoscópica de amiloidose multifocal do trato respiratório na investigação inicial do envolvimento sistêmico.4 A normalidade dessas provas em nossa paciente, além do curso pós-operatório assintomático, sugere tratar-se de amiloidose localizada. Entretanto, vale salientar a importância da avaliação reumatológica completa nestes pacientes.
O tratamento varia desde observação à exérese da lesão.3 Imunossupressores e radioterapia mostraram-se ineficazes, podendo acelerar a deposição amiloide.5 Nos quadros laríngeos localizados e sintomáticos, a excisão cirúrgica endoscópica é o tratamento de escolha.3 Em contrapartida, nos quadros extensos, sem obstrução iminente da via aérea, pode-se optar por conduta expectante, visto o caráter lentamente progressivo da doença.2
O prognóstico é excelente e o seguimento em longo prazo deve ser realizado por pelo menos cinco a sete anos, pela possibilidade de recidiva tardia e envolvimento sistêmico.4,5
Comentários finais
A amiloidose laríngea é uma entidade nosológica de difícil suspeição diagnóstica, por sua diversidade clínica e mimetismo a outras doenças de maior relevância na população. O seu prognóstico é excelente; entretanto, deve ser realizado seguimento em longo prazo, devido à possibilidade de recidiva tardia da doença e acometimento sistêmico.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 4 de setembro de 2014;
aceito em 2 de novembro de 2014
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.01.001
☆ Como citar este artigo: Caporrino Neto J, Alves NS, Gondra LA. Laryngeal amyloidosis presenting as false vocal fold bulging: clinical and therapeutic aspects. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:219-21.
* Autor para correspondência.
E-mail:jose.capo.neto@gmail.com (J. Caporrino Neto).