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Vol. 88. Núm. 6.
Páginas 850-857 (Novembro - Dezembro 2022)
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Vol. 88. Núm. 6.
Páginas 850-857 (Novembro - Dezembro 2022)
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Manejo do refluxo laringofaríngeo no Brasil: pesquisa nacional
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Jerome R. Lechiena,b,c,d, Paulo S. Perazzoe, Fabio P. Cecconf, Claudia A. Eckleyg, Karen de Carvalho Lopesh, Rebecca Maunselli, Melissa A.G. Avelinoj, Lee M. Akstk, Geraldo D. Sant’Annal, Rui Imamuram,
Autor para correspondência
imamurar@terra.com.br

Autor para correspondência.
a Young‐Otolaryngologists of the International Federations of Otorhinolaryngological Societies (YO‐IFOS), Laryngopharyngeal Reflux Study Group, Paris, França
b University of Mons (UMons), UMONS Research Institute for Health Sciences and Technology, Faculty of Medicine, Department of Human Anatomy and Experimental Oncology, Mons, Bélgica
c Université Versailles Saint‐Quentin‐en‐Yvelines (Paris Saclay University), School of Medicine, UFR Simone Veil, Foch Hospital, Department of Otorhinolaryngology and Head and Neck Surgery, Paris, França
d Université Libre de Bruxelles, School of Medicine, CHU Saint‐Pierre, CHU de Bruxelles, Department of Otorhinolaryngology and Head and Neck Surgery, Bruxelas, Bélgica
e Universidade Estadual da Bahia, Faculdade de Ciências Médicas, Escola de Medicina, Departamento de Otorrinolaringologia, Salvador, BA, Brasil
f Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, SP, Brasil
g Fleury Medicina e Saúde Laboratórios Diagnósticos, Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, SP, Brasil
h Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Escola Paulista de Medicina (EPM), Disciplina de Otologia e Otoneurologia, São Paulo, SP, Brasil
i Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Campinas, SP, Brasil
j Universidade Federal de Goiás (UFG) Anápolis, Goiás, Brasil
k Johns Hopkins Hospital, Department of Otolaryngology-Head Neck Surgery, Baltimore, Estados Unidos
l Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Disciplina de Otorrinolaringologia, Porto Alegre, RS, Brasil
m Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Departamento de Otorrinolaringologia, São Paulo, SP, Brasil
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Resumo
Introdução

Estudos que avaliaram o manejo do refluxo laringofaríngeo por otorrinolaringologistas mostraram uma importante heterogeneidade em relação à definição, diagnóstico e tratamento, o que leva a discrepâncias no tratamento do paciente. Faltam informações sobre o conhecimento e as práticas atuais dos otorrinolaringologistas brasileiros sobre o refluxo laringofaríngeo.

Objetivo

Investigar as tendências no manejo da doença do refluxo laringofaríngeo entre os otorrinolaringologistas brasileiros.

Método

O questionário foi enviado por e‐mail aos membros da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia‐Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Esta pesquisa foi inicialmente conduzida pelo LPR Study Group of Young Otolaryngologists da International Federation of Otolaryngological Societies.

Resultados

De acordo com os respondentes da pesquisa, a prevalência de refluxo laringofaríngeo foi estimada em 26,8% dos pacientes consultados e os sintomas mais comuns foram sensação de globus, pigarro, tosse e refluxo de ácido estomacal. Obstrução nasal, disfunção da trompa de Eustáquio, otite média aguda e crônica, nódulos nas pregas vocais e hemorragia foram considerados como não associados ao refluxo laringofaríngeo pela maioria dos respondentes. Cerca de 2/3 dos otorrinolaringologistas brasileiros basearam o diagnóstico de refluxo laringofaríngeo na avaliação dos sintomas e achados e na resposta positiva a testes terapêuticos empíricos. Inibidores de bomba de prótons uma ou duas vezes ao dia foi o esquema terapêutico mais usado. Somente 21,4% dos otorrinolaringologistas brasileiros já ouviram falar sobre refluxo laringofaríngeo não ácido e misto e o conhecimento sobre a utilidade do monitoramento de pH por impedância intraluminal multicanal foi mínimo; 30,5% dos respondentes não se consideraram tão bem informados sobre o refluxo laringofaríngeo.

Conclusão

Embora os sintomas relacionados ao refluxo laringofaríngeo e as principais abordagens diagnósticas e terapêuticas referidas pelos otorrinolaringologistas brasileiros sejam consistentes com a literatura, a pesquisa identificou algumas limitações, como o conhecimento insuficiente do papel do refluxo laringofaríngeo em diversas condições otorrinolaringológicas e da possibilidade de refluxo não ácido ou misto em casos refratários. Estudos futuros são necessários para estabelecer recomendações internacionais para o manejo de doença do refluxo laringofaríngeo.

Palavras‐chave:
Manejo de doenças
Consciência
Refluxo gastroesofágico
Laringite
Sensação de globus
Texto Completo
Introdução

O refluxo laringofaríngeo (RLF) é uma condição inflamatória dos tecidos do trato aerodigestivo superior relacionada ao efeito direto e indireto do refluxo do conteúdo gastroduodenal, que induz alterações morfológicas no trato aerodigestivo superior.1 A prevalência de sintomas de RLF varia de 10% a 35% dos pacientes que procuram o departamento de otorrinolaringologia‐cirurgia de cabeça e pescoço em relação à área global.2,3 No Brasil, os otorrinolaringologistas são a linha de frente para pacientes com sintomas relacionados a RLF e frequentemente precisam fazer o diagnóstico e estabelecer o tratamento desses pacientes. Recentes estudos europeus e asiáticos foram conduzidos, avaliaram o manejo do RLF por otorrinolaringologistas.4,5 No geral, os resultados relataram uma importante heterogeneidade entre os otorrinolaringologistas em relação à definição, diagnóstico e tratamento do RLF.4,5 Os resultados dessas pesquisas destacam as atuais controvérsias nessa área, que levam a discrepâncias no tratamento do paciente. O conhecimento e as práticas atuais dos otorrinolaringologistas e laringologistas brasileiros nunca foram avaliados.

O objetivo deste estudo é investigar as práticas atuais no manejo do RLF entre os otorrinolaringologistas brasileiros.

Método

As perguntas da pesquisa foram escritas pelos membros do LPR Study Group of Young Otolaryngologists da International Federation of Otolaryngological Societies (YO‐IFOS). A versão final da pesquisa foi composta por 21 questões divididas em 5 seções: definição e epidemiologia (3); apresentação clínica (4); abordagem diagnóstica (3); tratamento (10) e competências (1). Os membros do LPR Study Group tinham que abordar todos os tópicos controversos da LPR através dessa apresentação da pesquisa.

A pesquisa foi criada com o Survey Monkey (San Mateo, Califórnia, EUA) através de um sistema que garantiu que cada participante pudesse responder apenas uma vez. O conteúdo da pesquisa foi desenvolvido de forma iterativa, com versões preliminares revisadas por três otorrinolaringologistas credenciados e um médico de família.

A pesquisa foi enviada uma vez por e‐mail aos membros da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervico‐Facial.

O protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do CHU de Bruxelas, Site Saint‐Pierre (ref. LPR‐122019). As respostas foram coletadas anonimamente em um arquivo Excel. O software Statistical Package for the Social Sciences para Windows (SPSS versão 22,0; IBM Corp, Armonk, NY, EUA) foi usado para fazer as análises estatísticas. Um nível de p <0,05 foi usado para determinar a significância estatística.

ResultadosCaracterísticas da amostra

Receberam a pesquisa por e‐mail 5.406 otorrinolaringologistas do Brasil. Desses, 220 responderam ao questionário (taxa de resposta: 4,1%). Quatro otorrinolaringologistas não responderam todas as questões da pesquisa e, portanto, foram excluídos. Os otorrinolaringologistas tinham 17,94±10,68 anos de prática como credenciados (variação: 1 a 44). A idade dos respondentes foi calculada aproximadamente com a adição de 25 anos ao número de anos relatado na prática. A distribuição da idade de acordo com esse critério foi: <30 anos (6,4%), 30‐39 anos (35,6%), 40‐49 anos (32,9%), 50‐59 anos (14,6%), 60+anos (10,5%). A maioria dos otorrinolaringologistas tem mais de uma subespecialidade: 153 otorrinolaringologistas gerais; 49 laringologistas; 16 cirurgiões de cabeça e pescoço; 39 otologistas; 46 rinologistas e 38 otorrinolaringologistas pediátricos.

Definição e prevalência de refluxo laringofaríngeo

A prevalência média de RLF foi estimada em 26,75±15,52% dos pacientes atendidos em otorrinolaringologia. Dos otorrinolaringologistas consultados, 65,8% consideram que o RLF e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) sejam doenças clinicamente diferentes que compartilham alguns mecanismos fisiopatológicos comuns, enquanto 21,9% consideram tanto RLF quanto RGE como a mesma doença. RLF e DRGE foram considerados duas doenças diferentes sem mecanismo fisiopatológico em comum por 11,4% dos respondentes; 0,9% dos otorrinolaringologistas não sabiam.

Envolvimento do refluxo laringofaríngeo em condições otorrinolaringológicas

As condições otorrinolaringológicas consideradas como mais frequentemente associadas ao RLF foram: tosse crônica (97,3%); disfonia (91%) e doenças brônquicas (62,7%). A maioria dos otorrinolaringologistas não considerava o RLF como envolvido no desenvolvimento de obstrução nasal; nódulos das pregas vocais; edema de Reinke; hemorragia das pregas vocais; rinossinusite crônica; disfunção de trompa de Eustáquio; estenose laringotraqueal; otite média crônica e aguda (fig. 1).

Figura 1.

Associação entre refluxo laringofaríngeo e algumas condições de orelha, nariz e garganta. O eixo das ordenadas corresponde à porcentagem de otorrinolaringologistas brasileiros que acham que há associação com a condição.

(0,11MB).
Apresentação clínica do refluxo laringofaríngeo

Os sintomas e achados considerados altamente relacionados ao RLF são mostrados nas tabelas 1 e 2. Os otorrinolaringologistas consideram a sensação de globus, refluxo ácido objetivo e tosse após deitar‐se/comer como os sintomas mais frequentemente associados ao RLF. Os otorrinolaringologistas entrevistados consideram a prevalência de azia na população com RLF como 10%‐20% (19,5%), 20%‐30% (29,0%), 30%‐40% (20,7%), 40%‐50% (14,1%) e mais de 50% (16,6%) dos casos. Eles consideram eritema laríngeo/aritenoide, granulação da comissura posterior e edema da comissura posterior como os achados mais frequentemente associados ao RLF. Dos otorrinolaringologistas brasileiros 23% usaram questionários de desfechos relatados por pacientes para o diagnóstico ou seguimento de pacientes com RLF.

Tabela 1.

Sintomas em função de sua associação com refluxo laringofaríngeo

 
Azia  31,73  14,42  36,54  12,02  5,29 
Refluxo/regurgitação de ácido estomacal  43,64  15,45  31,36  7,27  2,27 
Tosse problemática  32,11  43,58  22,02  2,29  0,00 
Tosse depois de deitar‐se/após a refeição  44,29  36,07  13,24  5,94  0,46 
Sensação de globus  65,60  22,94  8,72  2,75  0,00 
Rouquidão/distúrbio da voz  18,18  33,18  41,82  5,91  0,91 
Dor de garganta  18,26  25,57  41,55  10,96  3,65 
Odinofagia  10,50  21,92  41,55  21,46  4,57 
Disfagia  6,39  22,37  39,73  26,94  4,57 
Dor no peito  0,91  8,18  37,27  39,09  14,55 
Muco pegajoso na garganta ou gotejamento pós‐nasal  25,91  30,91  33,64  8,64  0,91 
Pigarro  37,16  33,94  23,39  4,59  0,92 
Queimação na língua  6,39  14,16  44,75  26,48  8,22 
Halitose  9,13  19,18  37,90  26,03  7,76 
Dificuldades respiratórias  1,82  7,27  39,55  33,18  18,18 

Por favor, avalie cada um dos seguintes sintomas em termos de associação com o refluxo laringofaríngeo: 1, altamente relacionado; 3, algo relacionado; 5, não relacionado. Os valores são porcentagens.

Tabela 2.

Achados em função de sua associação com refluxo laringofaríngeo

 
Eritema laríngeo/aritenoide  62,56  26,94  8,68  1,37  0,46 
Eritema hipofaríngeo e/ou orofaríngeo  22,94  33,49  35,78  7,34  0,46 
Eritema do pilar tonsilar anterior  3,65  13,70  43,84  20,09  18,72 
Eritema de prega vocal  12,79  32,42  44,29  9,59  0,91 
Eritema subglótico  5,96  19,72  38,53  24,77  11,01 
Edema subglótico  9,68  18,43  35,48  23,04  13,36 
Edema de comissura posterior  58,64  30,91  7,27  2,73  0,45 
Granulações inflamatórias da comissura posterior  40,91  28,64  15,91  13,18  1,36 
Edema pós‐cricoide  33,18  34,09  24,55  5,45  2,73 
Edema da parede hipo‐orofaríngea  13,64  26,36  39,09  16,82  4,09 
Edema de prega vocal  10,00  25,91  47,27  15,91  0,91 
Edema ventricular laríngeo  5,02  23,29  47,03  19,63  5,02 
Edema dos pilares tonsilares  2,74  7,76  28,77  37,90  22,83 
Lesões das pregas vocais (por ex,, nódulos, pólipos, leucoplasia, ulceração, granuloma)  8,60  23,08  47,51  19,46  1,36 
Muco pegajoso endolaríngeo  11,36  34,55  36,36  13,64  4,09 
Eritema/edema da úvula  5,50  14,22  31,19  38,07  11,01 
Língua revestida  3,18  8,64  42,27  33,64  12,27 
Hipertrofia da tonsila lingual  8,33  21,30  35,19  23,15  12,04 

Por favor, avalie cada um dos seguintes achados em termos de associação com o refluxo laringofaríngeo: 1, altamente relacionado; 3, algo relacionado; 5, não relacionado. Os valores são porcentagens.

Métodos de diagnóstico

Dos otorrinolaringologistas brasileiros 65,9% basearam o diagnóstico de RLF na avaliação dos sintomas e achados e na resposta positiva a um teste terapêutico empírico. Observe‐se que 52,7% de todos os respondentes encaminham o paciente ao departamento de gastroenterologia. Apenas 5,9% dos otorrinolaringologistas conhecem o uso da monitoração de pH por impedância intraluminal multicanal (IIM‐pH). As barreiras mais importantes para o uso do IIM‐pH foram: tolerância do paciente (67,3%); o custo da técnica (49,5%); o incômodo do paciente (40,9%); a falta de capacidades para interpretar os resultados (36,8%); a falta de utilidade do exame para o diagnóstico (35,5%); o desconhecimento das indicações (34,1%); a falta de conhecimento sobre o IIM‐pH (24,5%) e a falta de tempo para aprender as bases da abordagem (21,4%).

O papel da endoscopia gastrointestinal (GI) não está bem definido entre a população brasileira de otorrinolaringologistas de acordo com os resultados da pesquisa. As principais indicações para feitura da endoscopia gastrointestinal foram: RLF com sintomas refratários (64,5%); antes do uso de terapia de longo prazo com IBPs (41,8%); todos os pacientes com sintomas de RLF (35,9%); e pacientes idosos (38,6%). Observe‐se que 2,3% dos participantes achavam que a endoscopia gastrointestinal não é importante no tratamento do RLF.

Tratamento do refluxo laringofaríngeo

As várias abordagens terapêuticas usadas pelos médicos estão resumidas na figura 2; 98,2% dos otorrinolaringologistas brasileiros aconselham mudanças na dieta e hábitos aos seus pacientes. Os esquemas terapêuticos mais usados pelos otorrinolaringologistas brasileiros são: inibidores de bomba de prótons (IBPs) duas vezes ao dia e IBP uma vez ao dia. O alginato, magaldrato e bloqueador de receptor H2 são menos usados do que os IBPs como terapia única. A duração do tratamento variou entre os respondentes; a maioria considerou a duração de 8 a 12 semanas de tratamento (fig. 2); 52,3% dos respondentes avaliam a eficácia do tratamento através da alteração dos sintomas, enquanto 47,3% consideram as alterações tanto dos sintomas quanto dos achados; 0,5% dos respondentes consideram apenas encontrar alterações como resultado terapêutico. Os otorrinolaringologistas brasileiros consideram que 73,4% dos pacientes com RLF respondem ao tratamento.

Figura 2.

Hábitos terapêuticos dos otorrinolaringologistas brasileiros. A duração e os tipos de medicamentos usados são descritos nesta figura. Dos otorrinolaringologistas 48,4% e 32,1% usavam IBPs duas vezes e uma vez ao dia, respectivamente (10,6% usam bloqueador H2, 6,4% alginato e 2,6% magaldrato). (Bloqueador H2, anti‐histamínico; IBPs, Inibidor da bomba de prótons).

(0,31MB).
Abordagem aos pacientes resistentes

A maioria dos otorrinolaringologistas brasileiros acredita que a principal causa de resistência ao tratamento seja a má alimentação dos pacientes (65,8%). As seguintes outras causas foram consideradas pelos respondentes: gravidade do RLF (14,2%); falta de adesão ao tratamento (6,8%); e refluxo biliar (5,5%); 7,8% dos respondentes não sabem a causa da resistência. Observe que apenas 21,4% dos otorrinolaringologistas brasileiros ouviram falar de RLF não ácido e misto. O manejo de pacientes com RLF resistentes ao tratamento difere entre os respondents; 45% dos respondentes encaminham o paciente ao departamento de gastroenterologia; 34,1% usam outros medicamentos que não os inicialmente prescritos; 12,7% prescrevem terapia com IBP em longo prazo (embora sem melhoria); 7,3% orientam apenas sobre dieta e comportamento e 0,9% encaminham o paciente ao departamento de cirurgia para fundoplicatura. Os medicamentos mais usados para os pacientes resistentes são mostrados na figura 3. Mais de 50% dos otorrinolaringologistas brasileiros responderam prescrever dieta rígida (24%), associação de medicamentos (24%) ou cirurgia (21%) para os pacientes resistentes.

Figura 3.

Padrão de tratamento de pacientes resistentes (IBP, Inibidor de bomba de prótons).

(0,07MB).
Competências

A maioria dos otorrinolaringologistas brasileiros se considera bem informada sobre o RLF (51,8%), enquanto 30,5% acham o contrário e 17,7% não sabem.

Discussão

O número de estudos dedicados ao RLF aumentou gradualmente nas últimas duas décadas.6,7 Entretanto, o manejo do RLF ainda é controverso, especialmente no que diz respeito à abordagem diagnóstica e ao tratamento desses pacientes; além disso, muitos médicos não estão cientes da prevalência dessa condição. Esta pesquisa é o primeiro estudo desse porte desenvolvido para examinar o manejo atual do RLF por otorrinolaringologistas no Brasil.

A prevalência de RLF de acordo com os otorrinolaringologistas brasileiros (26,8%±15,5%) é consistente com a literatura.2,3,6 De acordo com a maioria dos respondentes, o RLF não está associado a obstrução nasal, disfunção de trompa de Eustáquio, otite média aguda e crônica, estenose laringotraqueal e as seguintes lesões benignas das pregas vocais: nódulos e edema de Reinke. Em uma pesquisa europeia recente, nosso grupo descobriu que os otorrinolaringologistas europeus também consideram que o RLF não está associado ao edema de Reinke e aos nódulos das pregas vocais, mas, ao contrário dos otorrinolaringologistas brasileiros, eles acham que o RLF pode estar associado à obstrução nasal.4

Na Ásia, os otorrinolaringologistas reconhecem uma associação entre edema de Reinke e RLF, mas não com obstrução nasal, otite média crônica e aguda e estenose laringotraqueal.5 Na literatura, estudos clínicos e experimentais sugeriram que o RLF pode estar associado à estenose laringotraqueal,8–10 otite média aguda11,12 e disfunção de trompa de Eustáquio.12 O papel do RLF no desenvolvimento de lesões benignas das pregas vocais, especialmente nódulos, edema de Reinke e pólipos, também é altamente provável.13 Para que essas condições crônicas sejam tratadas de forma adequada, a possibilidade de que os medicamentos antirrefluxo possam ser um auxiliar útil no tratamento deve ser considerada.

Os sintomas mais comuns relacionados ao RLF, na opinião dos respondentes brasileiros, são sensação de globus, pigarro, tosse após deitar‐se e o refluxo de ácido estomacal. De fato, sensação de globus, pigarro, rouquidão, excesso de muco na garganta e gotejamento pós‐nasal são os sintomas mais prevalentes associados ao RLF, de acordo com uma revisão sistemática recente.1 A odinofagia foi relatada por menos de 20% dos entrevistados em nossa pesquisa. A prevalência de odinofagia é pouco relatada em estudos de RLF, talvez devido à falta de consideração dessa queixa em questionários de resultados relatados por pacientes bem usados, como o índice de sintomas de refluxo.14 Entretanto, a odinofagia pode estar presente em 68,5% dos pacientes com RLF, torna‐se potencialmente uma das queixas mais prevalentes de pacientes com RLF confirmado.15,16 Os sintomas mais prevalentes em relação a otorrinolaringologistas europeus e asiáticos são bastante semelhantes.4,5

No presente estudo, 2/3 dos otorrinolaringologistas brasileiros basearam o diagnóstico de RLF na avaliação dos sintomas e achados e na resposta positiva a ensaios terapêuticos empíricos. Essa abordagem diagnóstica é amplamente usada em todo o mundo17,18, a despeito de suas limitações relativas a falsos positivos causados pela natureza variável de queixas vagas, como pigarro, globus faríngeo etc., que podem se resolver por conta própria – a resposta ao placebo muitas vezes é tão alta quanto para a resposta ao IBP.1,6 Além disso, como o Brasil é um país grande e com realidades imensamente diferentes, isso poderia justificar o tratamento empírico em vez do uso regular de exames para diagnóstico.

De fato, a abordagem diagnóstica mais validada para RLF é o IIM‐pH hipofaríngeo‐esofágico.19 Porém, assim como nos estudos europeus e asiáticos,4,5 nosso estudo mostra que a maioria dos otorrinolaringologistas brasileiros não solicita o IIM‐pH. As principais barreiras à sua recomendação são a inconveniência ao paciente e a falta de tolerância; custo da técnica; falta de utilidade do exame para o diagnóstico e falta de conhecimento sobre o IIM‐pH e suas indicações. Muitos médicos reconhecem que não sabem interpretar os resultados do IIM‐pH e não estão cientes da prevalência e da importância do RLF não ácido e misto. O conhecimento limitado sobre o IIM‐pH e outros exames de estudo de pH pode explicar por que 52,7% dos respondentes encaminham os pacientes a gastroenterologistas na linha basal. Esse ponto pode estar relacionado à falta de disponibilidade do IIM‐pH em muitos centros da América do Sul; as seguradoras pressionam pela feitura da pHmetria, que tem menor custo. Além disso, não abordamos a facilidade de avaliação de exames diagnósticos entre os otorrinolaringologistas brasileiros, como o teste de pH com medidor de sonda dupla e a manometria esofágica, por exemplo. Essa poderia ser uma explicação para o uso de sintomas e exame laríngeo para o diagnóstico de RLF.

Em relação ao tratamento, os IBPs uma ou duas vezes ao dia ainda são os esquemas terapêuticos mais usados no Brasil. Assim como otorrinolaringologistas asiáticos e europeus, a maioria dos otorrinolaringologistas brasileiros aconselha mudanças na dieta e comportamentais aos seus pacientes. A duração do tratamento empírico prescrito pela maioria dos respondentes foi de até 3 meses, o que difere de estudos asiáticos e europeus, nos quais a duração do tratamento medicamentoso é mais curta (um mês).4,5 Alguns estudos, além disso, sugeriram que os achados de RLF podem precisar de mais tempo para apresentar melhorias.20,21

A taxa de sucesso estimada do tratamento é de 73% de acordo com os respondentes, que é maior do que a taxa de sucesso relatada na literatura.22

Os otorrinolaringologistas brasileiros consideram que a causa mais frequente de resistência ao tratamento é a má alimentação dos pacientes (65,8%), seguida da gravidade do RLF (14,2%) e da falta de adesão ao tratamento (6,8%). Os hábitos alimentares inadequados podem efetivamente desempenhar um papel importante na falta de resposta terapêutica, como relatado por alguns estudos que mencionam que a dieta e o estilo de vida são fatores importantes no manejo do RLF.23,24 A adesão ao tratamento é uma preocupação real, pois um estudo recente de Pisegna et al. demonstrou que 62,7% dos indivíduos não tomaram seus medicamentos de maneira adequada.25 O respeito à dieta e à ingestão de medicamentos é um fato importante que deve ser considerado em todos os pacientes resistentes.

Este estudo tem algumas limitações. O viés de participação pode significar que os otorrinolaringologistas que responderam se sentiram mais bem informados sobre o RLF do que seus pares não respondentes, mas apenas 22,3% têm a laringologia como especialidade principal. Além disso, as pesquisas baseadas em recrutamento digital são particularmente propensas a viés de amostragem, com uma tendência de maior recrutamento entre os médicos mais jovens. No entanto, a distribuição de idade de nossa amostra foi muito semelhante à de um censo recente de otorrinolaringologistas brasileiros.26 No futuro, assim como nos estudos americanos,27 será interessante fazer estudos semelhantes para comparar tendências longitudinais nas mudanças de prática. Por outro lado, este foi o primeiro estudo a avaliar profundamente o manejo do RLF por otorrinolaringologistas brasileiros. Os resultados sugerem que esforços devem ser feitos para aprimorar o conhecimento dos otorrinolaringologistas brasileiros sobre as evidências atuais sobre o diagnóstico e tratamento do RLF. Estabelecer recomendações internacionais pode ser o primeiro passo para melhorar a prática médica.

Conclusão

Este estudo destaca a conscientização dos otorrinolaringologistas brasileiros sobre o RLF. Muitos pontos sugerem que o RLF ainda é pouco compreendido, o que pode impactar no manejo da doença. Como o RLF é um distúrbio prevalente, é importante melhorar a compreensão da fisiopatologia, dos tratamentos e conhecimentos sobre o cuidado fornecido para o RLF por parte dos otorrinolaringologistas e conduzir estudos futuros que irão resolver muitas questões não respondidas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
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Como citar este artigo: Lechien JR, Perazzo PS, Ceccon FP, Eckley CA, Lopes KC, Maunsell R, et al. Management of laryngopharyngeal reflux in Brazil: a national survey. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:850–7.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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