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Vol. 88. Núm. 4.
Páginas 576-583 (Julho - Agosto 2022)
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Vol. 88. Núm. 4.
Páginas 576-583 (Julho - Agosto 2022)
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Manejo endoscópico de fístulas liquóricas do seio frontal
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Anda Gâta
Autor para correspondência
andapstl@yahoo.com

Autor para correspondência.
, Veronica Elena Trombitas, Silviu Albu
University of Medicine and Pharmacy Iuliu Hațieganu Cluj‐Napoca, Department of Otorhinolaryngology, Cluj‐Napoca, Romênia
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Resumo
Introdução

O manejo endoscópico das fístulas liquóricas do seio frontal tornou‐se o padrão‐ouro, com altas taxas de sucesso e baixa morbidade.

Objetivo

Revisar nossa experiência no tratamento de fístulas liquóricas do seio frontal por meio de uma abordagem endoscópica endonasal.

Método

Foi feita uma avaliação retrospectiva de pacientes submetidos à cirurgia endoscópica para fístulas liquóricas do seio frontal. Dados demográficos, localização e etiologia do defeito, técnica cirúrgica e reconstrutiva, complicações e seguimento pós‐operatório foram analisados.

Resultados

Foram tratados cirurgicamente pelo autor principal 22 pacientes com média de 40,4 anos entre 2015 e 2019. A fístula liquórica foi traumática (17) ou espontânea (5). O reparo endoscópico foi feito com sucesso na primeira tentativa em todos os casos. Uma abordagem combinada de trefinação e endoscopia foi necessária em 5 pacientes (22,8%). Nenhuma complicação grave foi relatada e a via de drenagem do seio frontal estava patente em todos os nossos casos. A cirurgia de revisão foi necessária em apenas 2 pacientes devido à formação de sinéquia. O seguimento médio dos pacientes foi de 22,7 meses (variação: 7 a 41).

Conclusão

O progresso no campo da cirurgia endoscópica mudou o paradigma, estabeleceu o reparo endoscópico de fístulas liquóricas do seio frontal como o padrão de tratamento. Alguns poucos limites remanescentes dessa abordagem podem ser resolvidos pela combinação da endoscopia com a trefinação frontal.

Palavras‐chave:
Fístula liquórica
Seio frontal
Reparo endoscópico
Trefinação
Base do crânio
Texto Completo
Introdução

As fístulas liquóricas (LCR) do seio frontal representam uma condição desafiadora para o cirurgião otorrinolaringologista. Tradicionalmente, as fístulas liquóricas frontais eram tratadas por meio de abordagens extracranianas, inclusive retalhos osteoplásticos, obliteração e cranialização, técnicas com uma alta taxa de complicações significativas.1 Atualmente, a abordagem endoscópica endonasal é a técnica de escolha no tratamento das fístulas liquóricas frontais. Entretanto, a anatomia complexa e variável da via de drenagem nasofrontal, os órgãos vitais que circundam essa estrutura, a abertura estreita do óstio do seio nasal e o ângulo agudo da narina com o seio frontal explicam a dificuldade da abordagem endoscópica.2 As técnicas de sinusotomias frontais foram amplamente descritas por Draf, variaram de etmoidectomia anterior (Draf tipo I) até a abordagem de Draf tipo III estendida, compreenderam uma grande comunicação de ambos os seios frontais com a cavidade nasal feita através da remoção do septo intersinusal e do assoalho do seio frontal.3,4 É amplamente reconhecido que as fístulas liquóricas frontais são distribuídas em dois grupos: fístulas ao redor do recesso frontal, tratados por meio das técnicas Draf IIa ou IIb; e fístulas da tábua posterior do seio frontal, abordadas pelos procedimentos Draf IIb ou Draf III.5 Embora a técnica Draf III proporcione excelente visualização e instrumentação dentro do seio frontal, o defeito pode ser acessado através do óstio aumentado apenas em 65% dos pacientes, como recentemente enfatizado por Becker et al.2

MétodoDesenho do estudo e seleção dos pacientes

Após obter a aprovação do comitê de ética (n° 107/09 março de 2020) institucional, os prontuários médicos de todos os pacientes com diagnóstico de fístula liquórica frontal tratados pelo autor principal de julho de 2015 a agosto de 2019 foram revisados.

Pacientes com fístula liquórica após extensa ressecção de tumor e pacientes que sofreram trauma com lesão intracraniana que necessitava de craniotomia foram excluídos. Foram incluídos somente pacientes com histórico de trauma ou fístula espontânea e seguimento mínimo de 6 meses. Dados demográficos, histórico, local da fístula, abordagem cirúrgica, técnica de reconstrução, complicações e seguimento foram obtidos de um banco de dados específico. A avaliação pré‐operatória consistiu em histórico, exame clínico, tomografia computadorizada com imagens com cortes finos, ressonância magnética (MRI) e teste de β‐2 transferrina em alguns casos. A decisão de fazer a abordagem endoscópica foi baseada na avaliação pré‐operatória da TC triplanar do defeito e da anatomia do seio frontal, como descrito por Becker et al.2 (fig. 1).

Figura 1.

Tomografia computadorizada tri‐plano (A, sagital; B, coronal; C, planos axiais) de um paciente com fístula liquórica causada por trauma. Múltiplos defeitos da base do crânio (parede posterior do seio frontal e teto etmoidal) estão associados à fratura da parede anterior do seio frontal.

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Abordagem cirúrgica

O paciente foi posicionado em Trendelenburg reverso. Uma mecha embebida em efedrina foi usada para vasoconstricção da mucosa nasal. Antes do procedimento frontal, uma esfenoetmoidectomia completa foi feita do lado afetado para identificar qualquer outro possível local fistuloso e melhorar a visualização. Para defeitos localizados ao redor da via de drenagem do seio frontal (VDSF), foi feita a sinusotomia frontal Draf IIa ou Draf IIb. Para defeitos da tábua posterior, foi usado o Draf III, também conhecido como procedimento endoscópico de Lothrop modificado (PELM). O bico frontal e o septo intersinusal foram removidos por meio de abertura do óstio frontal, usou‐se a pinça Kerrison para resecção óssea, sem o uso de brocas de alta potência.3,4 Em casos de defeitos localizados superior ou lateralmente na parede posterior do seio, com um distância ântero‐posterior estreita de <1cm, ou fraturas associadas da tábua anterior, fora do alcance endoscópico, usamos a técnica de trefinação frontal combinada com a abordagem endoscópica endonasal1,2,6 (fig. 2). Essa técnica combinada “acima e abaixo” permitiu extensa instrumentação em todo o seio frontal.7,8 A incisão foi feita na fronte inferomedial, conforme descrito por Wigand et al.,9 a dissecção foi continuada através de todas as camadas até a osso frontal, com elevação do periósteo e evitou‐se o feixe neurovascular supratroclear. A posição da trefinação é determinada pela localização do defeito e a osteotomia é ampliada para fornecer acesso cirúrgico para um endoscópio de 4mm e instrumento cirúrgico, simultaneamente.

Figura 2.

Reconstrução de defeito assistida por trefinação.

(0,16MB).
Reparo da fístula liquórica

Meningoceles ou encefaloceles foram reduzidas com um eletrocautério bipolar; a mucosa e os fragmentos ósseos deslocados ao redor do defeito ósseo foram removidos e o defeito foi medido com uma régua antes da decisão final sobre o enxerto adequado. A reconstrução foi feita com materiais autólogos adequados ao tamanho e à etiologia do defeito. O tamanho do defeito do seio foi verificado com o uso de uma cureta. Para defeitos pequenos (menores do que 0,5cm), um tampão adiposo ou enxerto de mucosa nasal livre foi usados e para defeitos maiores a reconstrução foi feita com reparo multicamadas: um enxerto intracraniano de mucosa ou fáscia lata do tipo inlay, cartilagem retirada do septo nasal para fortalecer a primeira camada e a fáscia lata em sobreposição, cobre o osso desnudado ao redor do defeito. Para pacientes com hipertensão intracraniana confirmada ou suspeita, um enxerto de cartilagem septal também foi incorporado na técnica de múltiplas camadas. Gordura abdominal foi usada para apoiar os enxertos de reconstrução em casos de grandes defeitos da parede posterior. Surgicel e gelfoam foram usados para fixar o enxerto na posição correta, seguido de tamponamento nasal anterior. Drenos lombares não foram usados rotineiramente, exceto para pacientes com hipertensão intracraniana (HIC) elevada, devido à falta de evidências suficientes de benefício.10 Por outro lado, consideramos todas as fístulas espontâneas como HIC em potencial. A comunicação com a anestesia evitou o aumento súbito evitável da pressão intracraniana associado à tosse durante a extubação e vômito. Antibioticoterapia intravenosa profilática perioperatória foi administrada por 48 horas e continuada com antibióticos orais até a remoção do tampão nasal. Nos casos de fístula liquórica espontânea, a acetazolamida (250mg duas vezes ao dia) foi iniciada no dia seguinte à cirurgia e administrada por um mês. Seguimos cada paciente por um e 3 meses após a cirurgia e depois semestralmente, com exames endoscópicos periódicos.

Resultados

De 2015 a 2019, 22 pacientes (15 homens e 7 mulheres), com média de 40,4 anos (variação: 21 a 67), foram submetidos a tratamento cirúrgico de fístula liquórica de seio frontal por único cirurgião otorrinolaringologista (SA) O seguimento médio foi de 22,7 meses (variação: 7 a 41).

Um histórico de trauma foi registrado em 17 pacientes (77,2%), enquanto 5 apresentavam fístula liquórica espontânea. Todos os pacientes apresentaram rinoliquorreia.

A maioria dos pacientes apresentava fístula de sítio único (15 pacientes, 68,1%), localizada no recesso frontal (2 pacientes) ou parede posterior do seio frontal (13 pacientes). Múltiplos defeitos foram encontrados em 7 pacientes, dos quais 5 associados a defeito do teto etmoidal (tabela 1).

Tabela 1.

Características dos pacientes incluídos no estudo

Paciente  Dados demográficos  Etiologia  Localização do defeito  Tamanho do defeito (mm)  Abordagem cirúrgica  Técnica de reconstrução  Seguimento (meses) 
M/31  Trauma  P.P.  20  Tref, IIB  Tampão adiposo  41 
M/42  Trauma  P.P.  40  IIB  Mucosa nasal  28 
M/51  Trauma  P.P., Etmoide  60  IIB  Fáscia lata,Cartilagem  36 
F/42  Espont.  RF  65  IIA  Mucosa nasal,cartilagem  38 
M/21  Trauma  P.P., Etmoide  75  III  Fáscia lata,Cartilagem  14 
F/47  Trauma  P.P.  30  IIB  Mucosa Nasal  10 
F/32  Trauma  RF, P.P.  70  IIB, tref  Fáscia lata, cartilagem,enxerto de gordura  37 
M/57  Trauma  P.P.  100  III  Fáscia lata, cartilagem  41 
M/49  Espont.  P.P.  50  IIB  Fáscia lata, cartilagem,enxerto de gordura  34 
10  M/67  Espont.  RF  35  IIA  Mucosa nasal  15 
11  F/46  Espont.  P.P.  100  III  Fáscia lata, cartilagem,enxerto de gordura  24 
12  F/40  Espont.  P.P., Etmoide  100  III  Fáscia lata, cartilagem,enxerto de gordura  31 
13  M/56  Trauma  P.P.  40  IIB  Nasal mucosa  26 
14  M/27  Trauma  P.P.  50  IIB, tref  Fáscia lata,enxerto de gordura  25 
15  F/44  Trauma  RF, P.P.  150  IIB  Fáscia lata, cartilagem  18 
16  M/61  Trauma  P.P.  50  IIB, tref  Mucosa nasal,enxerto de gordura  17 
17  M/39  Trauma  P.P.  40  IIB  Mucosa nasal  16 
18  M/29  Trauma  P.P., Etmoide  50  IIB  Mucosa nasal  14 
19  M/25  Trauma  P.P.  80  IIB. tref  Fáscia lata,Cartilagemenxerto de gordura  12 
20  M/24  Trauma  P.P.  40  IIB  Mucosa nasal 
21  F/28  Trauma  P.P.  200  III  Fáscia lata, cartilagem 
22  M/32  Trauma  RF., Etmoide  30  IIA  Mucosa Nasal 

PP, Parede posterior; RF, Recesso frontal; Tref., Trefinação.

A maioria dos defeitos foi reparada por meio de abordagem endoscópica (17 pacientes, 77,2%), apenas 5 pacientes (22,8%) necessitaram de abordagem combinada, endoscópica e de trefinação. Entre os pacientes com abordagem endoscópica exclusiva, Draf IIB foi a técnica cirúrgica mais comum (9 pacientes, 52,9%) (fig. 3), seguida por Draf III em 5 casos (29,4%) (fig. 4) e Draf IIA em 3 casos (17,7%, todos envolveram o recesso frontal±teto etmoidal) (fig. 5). Todos os 5 casos que necessitaram de trefinação do seio frontal foram associados à sinusotomia Draf IIB, todos os pacientes apresentavam defeito na parede posterior e um paciente apresentava uma associação com fístula do recesso frontal.

Figura 3.

A, Ruptura dural associada a defeito significativo da parede posterior visível através da sinusotomia do tipo Draf IIB. B, primeiro enxerto do tipo underlay em reconstrução multicamadas com o uso da fáscia lata.

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Figura 4.

A, Defeito da parede posterior e recesso frontal visível através da sinusotomia do tipo Draf III. B, Reconstrução que usa enxerto de fáscia lata.

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Figura 5.

Gráfico que correlaciona o local da fístula com a abordagem cirúrgica empregada.

(0,06MB).

O defeito da base do crânio foi reparado pela técnica de três camadas com fáscia lata em 12 pacientes (54,5%) e 11 pacientes apresentavam defeitos maiores do que 50mm, necessitaram de enxerto de cartilagem. Uma dupla camada com enxerto livre de mucoperiósteo foi usada em 9 pacientes (40,9%) (fig. 6) e um único paciente apresentou defeito pequeno e um tampão de tecido adiposo foi suficiente. A camada final de suporte com enxerto de gordura abdominal foi aplicada em 7 casos (31,8%) (tabela 1).

Figura 6.

A, Defeito localizado ao redor do recesso frontal. B, técnica de reconstrução em.

(0,26MB).

Nos 22 pacientes (100%) o reparo foi feito com sucesso na primeira abordagem cirúrgica e nenhum paciente apresentou complicações graves até o momento (infecção intracraniana, obstrução do VDSF, formação de mucocele).

O exame clínico e as tomografias de acompanhamento demonstraram a restauração da clearance mucociliar e ventilação adequada do seio frontal em todos os pacientes. Um paciente apresentou pressão intracraniana elevada no pós‐operatório, necessitou de drenagem lombar externa temporária e aumento da medicação acetazolamida (250mg, 3 x/dia), sem efeitos colaterais. A cirurgia de revisão preventiva foi feita endoscopicamente em dois pacientes assintomáticos que apresentavam sinéquia nas proximidades do neo‐óstio frontal.

Discussão

Lesões do seio frontal representam um desafio até mesmo para cirurgiões endoscópicos experientes. Atribui‐se uma alta taxa de sucesso na primeira tentativa de manejo de fístulas liquóricas localizadas nessa região, com baixa morbidade e bons resultados cosméticos. Embora a cranialização e o retalho osteoplástico forneçam excelente visualização e acesso ao seio frontal, eles requerem incisões externas e apresentam morbidade aumentada causada por edema cerebral, hemorragia intracerebral, anosmia, tração do lobo frontal, déficits do lobo frontal, internação hospitalar prolongada e formação de mucocele.1

Etiologia

O seio frontal não representa o local mais comum de fístulas liquóricas. Uma revisão sistemática feita por Psaltis et al.11 demonstrou que a placa etmoidal/cribriforme é o local mais comum, seguido pelo seio esfenoidal e frontal. Em uma grande série de casos em 193 pacientes com fístulas liquóricas, tratados ao longo de 21 anos, Banks et al.12 encontraram defeitos no seio frontal em apenas 11,4% dos pacientes. Embora o trauma tenha sido historicamente considerado a causa mais comum de rinoliquorreia, a revisão de Psaltis et al.,11 que incluiu 1.778 reparos de fístulas, mostrou uma prevalência maior de fístulas espontâneas em geral. Entretanto, o estudo de Jahanshahi et al.13 relatou fístulas do seio frontal em 24 pacientes, entre mais de 100 pacientes submetidos à correção endoscópica de fístulas liquóricas. Nessa revisão retrospectiva, o trauma foi a etiologia mais comum (18 pacientes), seguido por fístulas espontâneas (6) e sem levar em conta os defeitos causados por excisão tumoral. Nosso estudo tem achados semelhantes, com 77,2% das fístulas liquóricas causados por trauma e o restante espontâneo.

Abordagem cirúrgica

Todos os defeitos da base do crânio que ocorrem anteriores à artéria etmoidal anterior (AEA) são consideradas fístulas do seio frontal. Becker et al.2 demonstraram as limitações para visualização endoscópica e instrumentação do seio frontal em um estudo feito em 28 seios frontais de cadáveres. O estudo revelou que diâmetros anteroposteriores reduzidos do recesso frontal e defeitos localizados em posição lateral ou superior na parede posterior do seio representam os principais limites.2 Além disso, Becker et al.2 não verificaram diferença significativa para alcance superior de visualização entre diferentes sinusotomias do tipo Draf.

Em um estudo de Jones et al.,14 24 pacientes com fístula liquórica traumática ou espontânea foram tratados por via endoscópica. Entre os 24 casos, a sinusotomia frontal do tipo Draf IIb foi a abordagem mais comum (21 pacientes). O procedimento de Lothrop modificado por via endoscópica foi necessário em dois pacientes e um paciente foi submetido a uma sinusotomia do tipo Draf IIA combinada com trefinação frontal. Em um estudo de Jahanshahi et al.13 em 24 pacientes, a abordagem cirúrgica foi semelhante, a técnica Draf IIb foi usada em 20 pacientes, Draf III em 3 e Draf IIa em um. De acordo com o autor,13 a minisseptectomia superior poderia ser feita como uma solução de baixa morbidade e as sinusotomias frontais de Draf são suficientes para substituir a abordagem por trefinação.

A trefinação frontal foi proposta como um complemento à abordagem endoscópica nasal e foi usada pela primeira vez no reparo de fístulas liquóricas por Purkey et al.15 A trefinação do seio frontal provou ser uma ferramenta eficaz para expandir o arsenal de rinologistas e cirurgiões da base do crânio frente a lesões complexas do seio frontal.7 Atualmente, com as preocupações sobre prolapso de tecido e deformidade cosmética minimizadas,7,16 o tamanho da trefinação pode ser grande o suficiente para criar um corredor cirúrgico para o endoscópio e instrumentos cirúrgicos, o que amplia o acesso endoscópico ao seio frontal. A trefinação do seio frontal é um procedimento seguro, com risco mínimo de complicações e excelentes resultados cosméticos.17 A taxa de complicações encontrada com a trefinação frontal pode apresentar valores tão baixos quanto 6,4%. A mais comum é a infecção no local da trefinação.18

Em nosso estudo, a abordagem mais comum foi o Draf IIb (14 pacientes), seguido pelo Draf III em 5 pacientes. Consideramos que para pequenos defeitos localizados no recesso frontal, nas proximidades da AEA, a sinusotomia do tipo Draf IIA proporciona um acesso adequado (3 pacientes).

Em uma série de casos de 156 pacientes com lesões do seio frontal, Conger et al.19 demonstraram que uma vantagem adicional desse procedimento combinado é o tratamento de fraturas da parede anterior do seio frontal. Em dois estudos, Banks et al.1 e Steiger et al.20 conseguiram uma estabilização endoscópica da fratura através da redução da mesma às forças naturais de segmentos interligados ou por tamponamento da cavidade sinusal.

Em pacientes com fístulas liquóricas de seio frontal inacessíveis por sinusotomia frontal convencional, o procedimento de transposição orbital endonasal endoscópica (EEOT, do inglês Endoscopic Endonasal Orbital Transposition) foi recentemente descrito por Karligkiotis et al.21 Esse procedimento aumenta a exposição obtida com a sinusotomia Draf tipo IIb/III, adentra a parede superomedial da órbita e desloca‐a lateralmente. Embora Bozkurt et al.6 tenham relatado resultados excelentes de EEOT no tratamento de casos selecionados de fístulas liquóricas do seio frontal, a técnica requer tecnologia avançada e apenas aumenta o alcance para a face lateral mais distante do seio e recesso supraorbital.

Reconstrução

Em um estudo de Shi et al.22 de 15 pacientes, a reconstrução foi feita com material autólogo. A técnica em “sanduíche” foi usada principalmente (13 pacientes), em 2 pacientes um tampão adiposo foi suficiente e o resultado foi bem‐sucedido em 93% dos casos após a primeira abordagem.22 Jones et al.14 relataram 91,9% de sucesso no fechamento após a primeira tentativa com material sintético, como camada inlay, retalhos septais vascularizados (16 pacientes) e enxertos de mucosa livre com a técnica onlay.

Como resultado do material e das técnicas de reconstrução usados para o tratamento de fístulas liquóricas, Psaltis et al.11 não conseguiram concluir quais seriam os tipos ideais em sua revisão de literatura. Entretanto, as taxas de sucesso do reparo endoscópico são muito altas, ao contrário da falta de um procedimento de reconstrução padrão. Bozkurt et al.6 acreditam que o sucesso no reparo de uma fístula depende de acesso adequado, em vez de enxerto ou técnica de reconstrução (tabela 2). Jahanshahi et al.13 descrevem o uso de enxerto de gordura como a camada de inlay intracranialmente, enxerto ósseo para apoiar essa camada em fístulas espontâneas e fáscia como uma segunda camada de onlay para cobrir o osso desnudado ao redor do defeito. O autor13 considera que a escolha dos enxertos e técnicas muitas vezes é questão de preferência pessoal do cirurgião. Também concordamos com o autor13. A morbidade associada aos retalhos septais nem sempre justifica seu uso, se considerarmos que os mesmos resultados podem ser obtidos com enxertos. Drenos lombares pós‐operatórios não foram usados rotineiramente devido à escassa comprovação de benefício na literatura disponível, dados confirmados por estudo prospectivo feito em nossa instituição, concluímos que as taxas de sucesso do reparo de fístulas liquóricas não melhoram com o uso de drenos lombares. Entretanto, preferimos recorrer à associação de dreno lombar e acetazolamida em pacientes com fístulas espontâneas devido às taxas de falha mais altas observadas nesse grupo.10

Tabela 2.

Séries clínicas semelhantes publicadas sobre reparo endoscópico de fístulas liquóricas do seio frontal

Estudo  Número de casos  Etiologia  Abordagem cirúrgica  Reconstrução  Desfecho 
Shi et al.,22 2010  15  Trauma (14), espontâneas (1)  Draf IIa (9), Draf IIb (4), combinação de abordagem externa e endoscópica (2)  Técnica inlay com músculo, técnica onlay com fáscia +/‐ mucosa, osso em defeitos> 2cm  Revisão de fístula (1), revisão por estenose frontal (1) 
Jones et al.,142012  24  Espontâneas (13), trauma (11)  Draf IIB(21), Draf III (3), Draf IIA +trefinação (1)  Técnica inlay com material sintético, técnica onlay com mucosa, retalho septal (16), enxerto ósseo para suspeita de HIC  Revisão por fístula (2), revisão por estenose frontal (1) 
Jahanshahi et al.,132017  24  Trauma (18), Espontâneas (6), sem casos de tumor  Draf IIb (20), Draf III (3), Draf IIa (1)  Camada dupla de autoenxertos, técnica inlay com gordura/musculo, fáscia com a técnica onlay  Revisão por fístula (1),Revisão frontal (1) 
Bozkurt et al.,6 2019  53  Trauma (26), Iatrogênica (13), Espontâneas (14)  Abordagem Endoscópica ‐ Draf IIA (5), Draf IIB (5), Draf III (3), Draf III+ transposição orbital (4)Endoscópica + OPF (23),Endoscópica +craniotomia (13)  Materiais autólogos, camada tripla para grandes defeitos, camada dupla para pequenos defeitos, selo de vedação  Revisão para estenose frontal (3) 
Presente estudo  22  Trauma (17), espontâneas (5)  Draf IIA (3), Draf IIB (9), Draf III (5), Draf IIB+ trefinação (5)  Materiais autólogos, dupla camada para pequenos defeitos, tripla camada para grandes defeitos (fáscia / ‐ cartilagem para defeitos> 2 cm)  Revisão para estenose frontal (2) 
Desfecho

O primeiro registro de reparo endoscópico de fístulas frontais é atribuído a Woodworth et al. e data de 2005.23 Sete fístulas liiquóricas em seis pacientes foram tratados com sucesso e apenas um paciente necessitou de retalho osteoplástico adjuvante sem obliteração. Os resultados do manejo endoscópico das fístulas frontais foram relatados com sucesso em mais de 95% dos casos, com baixas taxas de complicações, possibilidade de manter uma via de drenagem do seio frontal patente e de reparar múltiplos defeitos da base do crânio simultaneamente.1,13,24–26 Em uma série de casos prospectivos, Jones et al.14 relatam uma taxa de sucesso de fechamento de 91,9% após a primeira tentativa com uma melhoria de até 97,3% após a revisão endoscópica subsequente. O estudo incluiu 37 pacientes tratados ao longo de 3,5 anos com um seguimento médio de 48 semanas. Entretanto, em contraste com o último estudo,14 em nossa série, pacientes com fístulas liquóricas causadas por tumores foram excluídos. Em uma série retrospectiva de casos semelhantes ao nosso estudo na seleção de pacientes, Jahanshahi et al.13 relataram uma taxa de sucesso de 95,83% para o reparo endoscópico. A série de casos incluiu 24 pacientes com fístulas frontais e apenas um paciente, um menino de 8 anos com fraturas múltiplas da base do crânio, desenvolveu meningite 10 meses após o aparente reparo bem‐sucedido.

A taxa de sucesso de 100% apresentada em nosso estudo é comparável aos resultados de estudos semelhantes.14,19,24 A maioria das fístulas liquóricas do seio frontal (77,2%) foi tratada endoscopicamente. Para uma minoria dos defeitos inalcançáveis, o procedimento assistido por trefinação conseguiu evitar a necessidade de abordagens externas.

Todos os pacientes incluídos em nosso estudo se beneficiaram com o reparo de primeira abordagem do defeito e o material usado para a reconstrução diferiu de caso para caso, levou‐nos a acreditar que o sucesso no reparo de uma fístula depende mais do acesso adequado do defeito, e não do tipo de enxerto usado. As taxas de cirurgia de revisão foram baixas na população de pacientes e feitas para complicações menores (2 pacientes). Consideramos que os dados do nosso estudo se correlacionam com o conhecimento disponível na literatura sobre o assunto, apoiam o uso rotineiro de procedimentos endoscópicos ou assistidos por trefinação para correção de fístulas liquóricas do seio frontal, mesmo em casos de difícil acesso.

As limitações deste estudo são semelhantes às de qualquer revisão retrospectiva. Todos os dados incluídos no estudo foram coletados de prontuários de pacientes, notas detalhadas e vídeos cirúrgicos. Além disso, dados incompletos impossibilitaram o cálculo das correlações entre os diâmetros anteroposteriores, o tamanho de cada defeito e a incidência de meningoceles.

Conclusão

O acesso endoscópico ao seio frontal é considerado um dos segmentos mais difíceis da rinologia. Os avanços no campo da cirurgia endoscópica fizeram dele o carro‐chefe da cirurgia do seio frontal, ganhou‐se acesso mesmo em áreas difíceis de serem alcançadas. O reparo endoscópico de fístulas liquóricas do seio frontal é uma conquista relativamente recente e rapidamente se tornou o estado da arte. Poucas limitações permanecem para o uso desse procedimento e podem ser resolvidas se combinarmos a endoscopia com a abordagem externa menos invasiva, a trefinação frontal.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Gâta A, Trombitas VE, Albu S. Endoscopic management of frontal sinus CSF leaks. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:576–83.

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