Compartilhar
Informação da revista
Vol. 88. Núm. 1.
Páginas 146-149 (Janeiro - Fevereiro 2022)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
3451
Vol. 88. Núm. 1.
Páginas 146-149 (Janeiro - Fevereiro 2022)
Relato de caso
Open Access
Manifestações orais de amiloidose sistêmica: um auxílio ao diagnóstico de mieloma múltiplo – relato de dois casos
Visitas
3451
D.W.V.N. Dissanayakaa, H.M.M.R. Bandarab, T. Sabesanb, Y.S. Mohomedb, B.S.M.S. Siriwardenaa,
Autor para correspondência
samadarani@yahoo.com

Autor para correspondência.
a Department of Oral Pathology, Faculty of Dental Sciences, University of Peradeniya, Kandy, Sri Lanka
b Ministério da Saúde, Cota, Sri Lanka
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Texto Completo
Introdução

A amiloidose é um acúmulo sistêmico ou localizado de proteínas fibrilares insolúveis. Amiloide é um tipo especial de depósito proteináceo eosinofílico extracelular amorfo, com características tintoriais distintas com a coloração vermelho do Congo; apresenta uma cor rosa salmão sob luz comum e mostra birrefringência verde maçã diagnóstica sob luz polarizada. As manifestações orais da amiloidose são bem conhecidas. O local mais frequentemente relatado para deposição de amiloide intraoral é a língua; a deposição na língua pode resultar em macroglossia e rigidez de língua.1,2 Usualmente, a deposição aparece como pápulas ou nódulos cerosos em várias superfícies orais, incluindo a língua e também a mucosa bucal. Entretanto, a deposição de amiloide na língua é muito rara e representa menos de 9% de todos os tipos de amiloidose.2

A amiloidose frequentemente se desenvolve como uma doença sistêmica que pode estar associada ao mieloma múltiplo (MM). MM é uma doença maligna rara, amplamente incurável, caracterizada pela proliferação descontrolada de células plasmáticas clonais que produzem uma paraproteína monoclonal, principalmente IgG (55%) ou IgA (20%) e raramente IgM e IgD, causando uma grande variedade de complicações que levam à disfunção orgânica e eventualmente, morte.2 A paraproteinemia pode estar associada à excreção de cadeias leves na urina (proteínas de Bence Jones). É uma doença de idosos, com mediana de idade na apresentação acima de 60 anos, sendo rara abaixo de 40. O MM é suspeitado em pacientes que apresentam dor nas costas, dores nos ossos (acompanhadas ou não de fraturas patológicas), anemia inexplicada, insuficiência renal e/ou hipercalcemia, infecções recorrentes e amiloidose secundária.3 Frequentemente, as lesões ósseas podem se apresentar como lesões osteolíticas difusas ou localizadas, denominadas plasmocitomas, ou por um padrão “perfurado”. Os ossos maxilares e mandibulares podem ser afetados por essas lesões. Quase 80% dos casos de MM diagnosticados são precedidos por um estágio pré‐maligno assintomático denominado gamopatia monoclonal de significância indeterminada (MGUS, do inglês monoclonal gammopathy of undetermined significance) e quase 35% dos pacientes diagnosticados com MM sintomático apresentam lesões nos maxilares.4 Neste artigo, relatamos dois casos de mieloma múltiplo em que as manifestações orais foram os principais indicadores.

Relatos de casoCaso 1

Uma paciente do sexo feminino de 57 anos deu entrada no District General Hospital de

Negombo com múltiplas lesões ulcerativas orais dolorosas na língua e mucosa bucal bilateral com um ano e seis meses de duração. Ela se queixou de perda acentuada de peso e perda de apetite havia cerca de dois meses e história de sangramento retal, desconforto anal e constipação. O exame intraoral revelou úlceras nas bordas laterais da língua (fig. 1 a e b) e pequenas úlceras na mucosa oral.

Figura 1.

(a) Lesões ulcerativas na borda lateral da língua. (b) Lesões múltiplas no outro lado da língua.

(0,11MB).

As investigações hematológicas revelaram baixas contagens de monócitos, hemácias (glóbulos vermelhos) e hemoglobina e baixo nível de hematócrito. Uma alta VHS (velocidade de hemossedimentação) com altas contagens de eosinófilos também foi revelada. Além disso, o hemograma mostrou a presença de anemia causada por doença crônica com ou sem anemia ferropriva. A ultrassonografia de abdome e pelve revelou fígado gorduroso sem hepatoesplenomegalia.

Uma biópsia incisional foi feita em uma das úlceras da língua e o cório era composto por um material eosinofílico homogêneo sugestivo de amiloide. Isso foi confirmado com a coloração vermelho do Congo e birrefringência verde‐maçã típica sob luz polarizada. A avaliação clínica geral da paciente revelou disfunção renal, anemia, hipercalcemia e hiperfosfatemia. O patologista sugeriu investigar a paciente para mieloma múltiplo e a paciente foi encaminhada para o setor de hematologia. A biópsia da medula óssea revelou discrasia das células plasmáticas. Outros testes bioquímicos revelaram depósitos amiloides também nos vasos sanguíneos. Finalmente, a doença foi diagnosticada como amiloidose de cadeia leve amiloide (AL). Porém, um mês após o diagnóstico, a paciente veio a óbito.

Caso 2

Paciente do sexo masculino, 76 anos, com pequenos nódulos amarelados nas superfícies mucosas da língua (fig. 2), oral e lábios, tendo como queixa principal a dificuldade para engolir, foi encaminhado ao General Hospital de Polonnaruwa. No exame, havia pápulas amareladas com cerca de 0,5 × 0,5cm de diâmetro e ele se queixou de que a língua estava dolorida e aumentada. As pápulas eram de consistência macia. Múltiplas placas esbranquiçadas também estavam presentes nas bordas laterais da língua e tinham aproximadamente 2cm de diâmetro. O paciente apresentava também múltiplos nódulos na região da mucosa bucal próximo à comissura labial do lado direito, medindo aproximadamente 1cm cada uma, doloridas, de consistência firme e apresentando sangramento espontâneo. Ele também se queixava de constipação grave. Ele era um paciente com diagnóstico conhecido de mieloma múltiplo havia cinco anos.

Figura 2.

Pequenos nódulos amarelados na região dorsal da língua.

(0,1MB).

Uma biópsia incisional foi feita e revelou a presença de amiloide logo abaixo do epitélio, bem como entre os músculos, o que foi confirmado com a coloração vermelho do Congo e luz polarizada (fig. 3a‐c). O paciente foi tratado sintomaticamente para o desconforto oral e ulceração. Além disso, a endoscopia digestiva alta foi feita para investigação adicional de disfagia.

Figura 3.

(a) Material eosinofílico homogêneo no cório (derme) (H&E, 40x). (b) Coloração com vermelho do Congo mostrando positividade, representada pela cor rosa salmão. (c) Birrefringência verde sob luz polarizada.

(0,27MB).

Ambos os pacientes deram consentimento para uso de seus dados como material de pesquisa.

Discussão

A amiloidose sistêmica resulta da deposição de fibrilas de proteínas em vários tecidos e órgãos.4 Devido a uma alteração na estrutura secundária das proteínas, as fibrilas amiloides agregam‐se na forma insolúvel e termodinamicamente estável. Vários tipos de amiloidose podem ser identificados pela composição bioquímica específica das subunidades proteicas em questão e podem resultar em uma variedade de características clínicas.5 O tipo mais comum é a amiloidose do tipo AL.

Com o uso da coloração vermelho do Congo, os depósitos amiloides mostram uma cor rosa salmão sob luz comum e uma birrefringência verde maçã diagnóstica sob luz polarizada. O exame ultraestrutural mostra fibrilas não ramificadas, com diâmetro de 7,5 a 10nm. A conformação característica de folha β‐pregueada, conforme demonstrado pela cristalografia de raios X e espectroscopia de infravermelho, é a causa da propriedade específica de coloração, independentemente da composição química das fibrilas.6

O depósito amiloide consiste predominantemente em proteínas de fibrilas. Proteínas normais, ao enfrentar algumas condições sistêmicas, como alterações celulares e distúrbios inflamatórios crônicos, podem formar fibrilas insolúveis que podem resultar em danos e disfunções orgânicos.

A amiloidose é uma entidade clínica de apresentação variável, dependendo dos órgãos envolvidos. Os depósitos amiloides são raros na cavidade oral. A cabeça e o pescoço são afetados entre 12% e 90% dos casos, geralmente com envolvimento da laringe e da língua.4 Depósitos localizados na laringe são comuns; entretanto, o envolvimento da língua é frequente devido à doença sistêmica.5 No caso descrito, múltiplas lesões ulcerativas se manifestaram na língua e na mucosa bucal. As apresentações mais comuns em cabeça e pescoço são rouquidão, congestão nasal, odinofagia, problemas de articulação, deformidades mandibulares, dificuldades de deglutição, obstrução das vias aéreas, distúrbios da fala e hipogeusia. A amiloidose ocorre com maior frequência na sexta década de vida, o que é consistente com o caso apresentado e apresenta leve predomínio do sexo masculino. O paciente masculino deste relato apresentava história de lenta progressão das lesões. As manifestações orais da amiloidose geralmente se apresentam como nódulos, pápulas, placas e macroglossia e a cor da mucosa pode variar de amarelo, laranja, vermelho, azul e roxo.7,8 Nódulos amarelos ou lesões brancas elevadas ocorrendo predominantemente ao longo da borda lateral também são comuns. A amiloidose na língua geralmente resulta em macroglossia, manifestada por aumento do volume da língua, protrusão da língua além da crista alveolar, comprometimento da fala e disfagia.1

Atualmente, existem três formas conhecidas de amiloidose. A primeira, a amiloidose sistêmica primária, é uma condição sistêmica sem causa subjacente conhecida. Essa forma difere da amiloidose sistêmica secundária, que ocorre com outros problemas clínicos subjacentes, como tuberculose e artrite reumatoide. Essa forma também inclui pacientes com mieloma múltiplo, dos quais 10% a 20% têm amiloidose associada,2,4 semelhante a este relato. As doenças renais e cardíacas são vistas nas formas sistêmicas primárias e secundárias e são as causas mais frequentes de morte. Outros sintomas podem incluir hipoestesia, síncope, macroglossia e síndrome do túnel do carpo. A terceira forma de amiloidose é localizada, que ocorre sem qualquer evidência de envolvimento sistêmico ou doença subjacente. É mais rara do que as outras formas, sendo a laringe o sítio afetado mais comum na região da cabeça e pescoço. A doença também pode se manifestar como doença periodontal e as lesões são exacerbadas pela inflamação do periodonto.2,4

Em muitos estudos, doenças orais foram os primeiros sinais detectados de MM.1,3 Alguns estudos relataram que as manifestações orais do MM foram detectadas durante o seguimento dos pacientes e os cirurgiões‐dentistas puderam participar do diagnóstico da doença. Esses pacientes precisam ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar que pode melhorar a qualidade de vida. Além de contribuir para o diagnóstico, o cirurgião‐dentista da equipe precisa cuidar da saúde bucal do paciente para evitar complicações posteriores, principalmente em pacientes candidatos à terapia antirreabsortiva.6

Conclusão

Este relato traz a apresentação que deve ajudar a agilizar o diagnóstico futuro e o reconhecimento das manifestações orais da amiloidose sistêmica como uma sequência de amiloidose sistêmica. O MM se desenvolve em indivíduos entre a 5ª e a 8ª décadas. Assim, é importante que os profissionais de saúde bucal estejam cientes das alterações clínicas e de imagem sugestivas de lesões de MM em pacientes de faixas etárias suscetíveis. Os profissionais devem ser estimulados a detectar precocemente as manifestações orais de MM em exames de rotina, pois assim contribuirão para o aumento da sobrevida e melhor prognóstico.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
E.I. Reinish, M. Raviv, H. Srolovitz, M. Gornitsky.
Tongue primary amyloidosis and multiple myeloma.
Oral Surg Oral Med Oral Pathol., 77 (1994), pp. 121-125
[2]
G. Talamo, U. Farooq, M. Zangari, J. Liao, N.G. Dolloff, T.P. Loughran, et al.
Beyond the CRAB symptoms: a study representing clinical manifestations of multiple myeloma.
Clin Lymphoma Myeloma Leuk., 10 (2010), pp. 464-468
[3]
W.P.P. Silva, B.F. Wastner, J.C. Bohn, J.E. Jung, J.L. Schussel, L.M. Sassi.
Unusual presentation of oral amyloidosis.
Contemp Clin Dent., 6 (2015), pp. S282-S284
[4]
P. Mollee, P. Renaut, D. Gottlieb, H. Goodman.
How to diagnose amyloidosis of the tongue: Intern Med J., 44 (2014), pp. 7-17
[5]
J. Aono, K. Yamagata, H. Yoshida.
Local amyloidosis in the hard palate: A case report.
Oral maxillofac Surg., 13 (2009), pp. 119-122
[6]
A. Kolokotronis, P. Stefanopoulos, M. Xohellis, D. Antoniades.
Oral manifestations of amyloidosis: report of two cases., 98 (2004), pp. 200-201
[7]
S. Elad, R. Czerninski, S. Fischman, N. Keshet, S. Drucker, T. Davidovich, et al.
Exceptional oral manifestations of amyloid light chain protein (AL) systemic amyloidosis.
Amyloid., 17 (2010), pp. 27-31
[8]
K. Sideras, M.A. Gertz.
Amyloidosis. AdvClin Chem, 47 (2009), pp. 1-44

DOI se refere ao artigo: https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2020.11.011

Como citar este artigo: Dissanayaka DW, Bandara HM, Sabesan T, Mohomed YS, Siriwardena BS. Oral manifestations of systemic amyloidosis, an aid to diagnosis of multiple myeloma – report of two cases. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:146–9.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2020. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.