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Páginas 1-3 (Janeiro - Fevereiro 2022)
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Vol. 88. Núm. 1.
Páginas 1-3 (Janeiro - Fevereiro 2022)
Editorial
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Manifestações otorrinolaringológicas em doenças autoimunes e autoinflamatórias. Uma perspectiva reumatológica
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Samuel de Oliveira Andradea, Simone Appenzellerb,
Autor para correspondência
appenzel@unicamp.br

Autor para correspondência.
a Universidade de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Pós‐Graduação do Programa de Fisiopatologia, Campinas, SP, Brasil
b Universidade de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Departamento de Ortopedia, Reumatologia e Traumatologia, Unidade de Reumatologia, Campinas, SP, Brasil
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As manifestações otorrinolaringológicas (ORL) são uma característica importante das doenças reumáticas inflamatórias, variam de manifestações leves a potencialmente fatais. Elas podem ser o primeiro sintoma ou ocorrer durante o curso da doença. A correta identificação da fisiopatologia subjacente (inflamação, trombose ou infecção) e o tratamento adequado dos sintomas otorrinolaringológicos são, portanto, importantes no diagnóstico e seguimento de pacientes com doença reumática inflamatória. Muitos critérios de classificação incluem manifestações otorrinolaringológicas, como granulomatose com poliangiite (GPA), doença de Behçet (DB), policondrite recorrente (PR), granulomatose eosinofílica com poliangiite (GEPA) e síndrome de Cogan (SG). Outras doenças autoimunes/autoinflamatórias apresentam inflamação disseminada e podem apresentar sintomas otorrinolaringológicos, como sarcoidose, artrite reumatoide (AR), síndrome de Sjögren (SS), lúpus eritematoso sistêmico (LES) e esclerose sistêmica (ES).1–5

Neste editorial faremos uma revisão das principais manifestações otorrinolaringológicas descritas nas doenças reumáticas inflamatórias.

Envolvimento auricularOuvido externo

A condrite auricular está presente em 20% no início da PR e 90% durante o curso da doença. A orelha externa apresenta‐se edematosa, hierêmica e dolorida ao contato. A inflamação contínua pode resultar em deformidade com “orelha de couve‐flor” ou ossificação do tecido conjuntivo. A PR é caracterizada por uma doença multissistêmica rara, aceita como um distúrbio autoimune complexo que afeta estruturas ricas em proteoglicanos e tecidos cartilaginosos, especialmente o pavilhão auricular, cartilagens do nariz, árvore traqueobrônquica e os componentes conectivos de vários órgãos. A condrite auricular também pode ser observada na GPA. É uma doença autoimune rara caracterizada por inflamação granulomatosa e vasculite de pequenos vasos associada a anticorpos citoplasmáticos antineutrófilos (ANCA). A GPA tem um amplo espectro clínico que varia de manifestações predominantemente granulomatosas restritas ao trato respiratório a vasculite necrosante grave potencialmente fatal.1–3

Orelha média

Otalgia, otite média secretora e otorreia podem ser observadas na GPA e na doença relacionada à imunoglobulina G4 (DRIgG4). A DRIgG4 é uma doença inflamatória crônica que envolve diversos tecidos como o pâncreas, as glândulas lacrimais e salivares. As manifestações auriculares são mais comuns na orelha média e o orelha interna raramente é afetada. Mastoidite recorrente e dormência facial também podem ser observadas.4

Orelha interna

Perda auditiva neurossensorial (PANS) pode ser observada em várias doenças autoimunes/autoinflamatórias sistêmicas, tem uma prevalência de 21‐69% para AR, 8‐28% para LES, 21‐46% para SS e 20‐77% para esclerose sistêmica. Os possíveis mecanismos incluem doenças relacionadas (vasculite, trombose ou mediada por anticorpos) e medicamentos (efeito ototóxico). A presença de sintomas vestibulo‐auditivos, como zumbido de início súbito e vertigem que pode se manifestar com náuseas, vômitos, ataxia e nistagmo, em associação especialmente com ceratite intersticial não infecciosa, mas também com outros sintomas (conjuntivite, uveíte, episclerite, esclerite, neurite óptica), deve levantar a suspeita de síndrome de Cogan (SC).1,2

A PASN associada com aumento de marcadores inflamatórios e a presença de febre recorrente na ausência de infecção devem alertar para a possibilidade de doenças autoinflamatórias. As doenças autoinflamatórias sistêmicas (DAIS) são um grupo de distúrbios causados por uma desregulação do sistema imunológico inato. Uma das DAIS monogênicas mais comuns associados à perda auditiva são as mutações do gene do receptor NOD‐like (NLRP3), condição conhecida como doença autoinflamatória associada ao NLRP3 (DAI‐NLRP3), anteriormente conhecida como síndrome periódica associada à criopirina (CAPS). A síndrome de Muckle‐Wells (MWS) é a forma intermediária da CAPS e pode desenvolver PANS progressiva, secundária à inflamação crônica do ouvido interno. A PANS na MWS frequentemente progride rapidamente de déficits leves de tons altos para surdez completa. A perda auditiva precoce afeta principalmente as altas frequências > 6kHz, reflete o padrão característico de alta sensibilidade das células ciliadas a lesões, como descrito em outras condições sistêmicas. O realce coclear na ressonância magnética com recuperação da inversão atenuada por fluidos (FLAIR‐MRI) é mais frequente em pacientes com perda auditiva, fornece alguns conhecimentos sobre os mecanismos da PANS na MWS.5

Comprometimento nasal e dos seios paranasais

O envolvimento nasal na GPA está presente em aproximadamente 42% dos pacientes. Outros sintomas associados relacionados à atividade da GPA são inflamação nasal, sinusite crônica e formação de crostas nasais com ou sem rinorreia sanguinolenta.

A condrite nasal pode afetar até 15% dos pacientes com PR. A inflamação envolve a ponte nasal, causa dores nasais, vermelhidão e edema, é menos acentuada do que nas orelhas. A obstrução nasal é rara. Tanto a PR quanto a GPA podem progredir para danos permanentes, como a deformidade característica do “nariz em sela” ou perfuração septal.1

A GEPA é uma vasculite rara necrotizante associada ao anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA). A GEPA é caracterizada pela presença de asma, pico de eosinofilia no sangue e vasculite de pequenos vasos. Há várias manifestações nasais associadas à doença, como sinusite crônica, crostas nasais, rinite alérgica e polipose difusa bilateral. A presença dessas manifestações associadas a vasculite na biópsia ou positividade de ANCA deve levantar a suspeita de GEPA.

Envolvimento oral

A síndrome sicca é, de longe, a manifestação oral mais frequente nas doenças autoimunes, está presente em mais de 95% dos pacientes com SS. A xerostomia pode levar a problemas secundários como candidíase oral, cárie dentária e doença periodontal. Além disso, os sintomas de sicca podem causar rouquidão e tosse não produtiva. A parotidite recorrente está presente em 30‐50% dos pacientes e é caracterizada por um edema firme, difuso e não doloroso. É importante diferenciá‐la da parotidite juvenil recorrente, na qual os anticorpos antinucleares (ANA) geralmente estão ausentes.

A DB é uma vasculite sistêmica que afeta vasos de tamanhos variáveis. É caracterizada por várias manifestações sistêmicas, inclusive mucocutânea, artrite, vascular, neurológica e gastrointestinal. A ulceração oral recorrente é o sintoma otorrinolaringológico mais frequente (95% dos pacientes), é tipicamente múltipla e de tamanho variável (2‐20mm) e ocorre extensivamente na membrana bucal, língua, palato e orofaringe. As úlceras são classicamente dolorosas, circundadas por eritema, e as maiores apresentam cicatrização com presença de cicatriz. Seis ou mais úlceras recorrentes e dolorosas de tamanho variável com eritema circundante ocorrendo no palato mole ou orofaringe devem aumentar a suspeita de DB.1,2

O envolvimento da mucosa no LES é caracterizado por úlceras orais. As lesões clássicas são assintomáticas, ocorrem no palato duro e são caracterizadas por uma placa esbranquiçada com eritema no centro e estrias ceratóticas na periferia da lesão com áreas de telangiectasia.1,2

Envolvimento laríngeo

A condrite laríngea é um sintoma importante da PR e se manifesta como dor acima da glândula tireoide e disfonia, causa laringomalácia ou estenose nos casos mais graves. A estenose hipoglótica, devido à inflamação granulomatosa na GPA, ocorre em 2 a 20% e é uma complicação potencialmente fatal e está associada ao envolvimento sistêmico. Dispneia, alterações na voz e tosse são os sintomas mais comuns e a presença de um estridor audível está presente na maioria dos casos graves.1

A AR é uma doença inflamatória crônica caracterizada por doença inflamatória articular simétrica que pode evoluir para dano articular e destruição óssea. As manifestações laríngeas da AR incluem artrite da articulação cricoaritenóidea (AC) e nódulos reumatoides. Os sintomas de artrite na AC na fase aguda são frequentemente sensação de plenitude na garganta ou sensação de tensão, além de rouquidão, odinofagia ou disfagia, bem como agravamento da dor ao falar. A doença crônica pode se manifestar por voz rouca e estridor.1,2

Em resumo, as doenças reumáticas inflamatórias são doenças raras que se apresentam com um amplo espectro de manifestações otorrinolaringológicas. Um alto índice de suspeita é necessário para o diagnóstico oportuno. Os otorrinolaringologistas têm um papel fundamental no encaminhamento de pacientes com possíveis doenças inflamatórias aos reumatologistas.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ): 306723/2019‐0. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES): 001.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
C. Gera, N. Kumar.
Otolaryngologic Manifestations of Various Rheumatic Diseases: Awareness and Practice Among Otolaryngologists.
Indian J Otolaryngol Head Neck Surg., 67 (2015), pp. 366-369
[2]
R.J. Gusmão, F.L. Fernandes, A.C. Guimarães, L. Scaramussa, Z. Sachetto, H.F. Pauna, et al.
Otorhinolaryngological findings in a group of patients with rheumatic diseases.
Rev Bras Reumatol., 54 (2014), pp. 172-178
[3]
M. Felicetti, D. Cazzador, R. Padoan, A.L. Pendolino, C. Faccioli, E. Nardello, et al.
Ear, nose and throat involvement in granulomatosis with polyangiitis: how it presents and how it determines disease severity and long‐term outcomes.
Clin Rheumatol., 37 (2018), pp. 1075-1083
[4]
Q. Ren, J. Su, D. Zhang, X. Ding.
Otological IgG4‐Related Disease With Inner Ear Involvement: A Case Report and Review of Literature.
Ear Nose Throat J., (2020),
[5]
T. Welzel, J.B. Kuemmerle-Deschner.
Diagnosis and Management of the Cryopyrin‐Associated Periodic Syndromes (CAPS): What Do We Know Today?.
J Clin Med., 10 (2021), pp. 128

Como citar este artigo: Andrade SO, Appenzeller S. Ear, nose and throat manifestations of autoimmune and autoinflammatory diseases: a rheumatology perspective. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:1–3.

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