Marcadores de proliferação têm um papel significativo no comportamento biológico dos tumores. A geminina é um inibidor conhecido do ciclo celular e da replicação do DNA e não foi relatada anteriormente em carcinomas basocelulares e espinocelulares cutâneos de cabeça e pescoço.
ObjetivoInvestigar os marcadores de proliferação ki67, MCM2 e geminina em carcinomas basocelulares e espinocelulares cutâneos de cabeça e pescoço.
MétodoForam submetidos 40a casos de cada tumor à imunocoloração com ki67, MCM2 e geminina, seguida pela avaliação do índice de marcação.Também foram determinadas as razões MCM2/ki67 e geminina/ki67 e o teste t foi usado na análise estatística (p<0,05).
ResultadosNão houve diferença significativa no ki67 (p=0,06) e no MCM2 (p=0,46) entre carcinomas basocelulares e espinocelulares; no entanto, o índice de marcação da geminina foi significativamente maior no carcinomas espinocelulares em comparação ao carcinomas basocelulares (p<0,001). Somente a razão geminina/ki67 mostrou diferença significativa entre os dois tumores, a razão mostrou números significativamente mais altos nos carcinomas espinocelulares (p=0,015).
ConclusõesA geminina pode ser considerada um fator efetivo na patogênese dos carcinomas basocelulares e espinocelulares cutâneos de cabeça e pescoço e pode ser um dos elementos responsáveis pela diferença entre o comportamento biológico desses tumores.
A proliferação celular desempenha um papel crítico em várias condições de desenvolvimento normal e patológicas, como o câncer.1 Nos tecidos normais, o crescimento e a divisão celular ocorrem de maneira controlada pelo ciclo celular; entretanto, as células cancerígenas perdem esse controle, o que pode resultar em uma proliferação desregulada de células tumorais.2 Nos últimos anos, diferentes marcadores foram usados para avaliar o potencial de proliferação de células cancerígenas.3 O Ki67 é um marcador de proliferação bem reconhecido que tem um efeito prognóstico em várias doenças malignas.4 O MCM2 é um membro da família de proteínas minichromosome maintenance (MCMs), que desempenha um papel fundamental na progressão do ciclo celular, controla o licenciamento e o início da replicação do DNA.3 Vários estudos demonstraram a expressão do MCM2 em alguns tipos de câncer e propuseram que essa proteína é um indicador preciso da proliferação celular, é mais sensível do que o ki67.5,6 Investigações recentes mostraram outro marcador envolvido na proliferação, a geminina, que inibe o ciclo celular e a reprodução do DNA.7 Essa proteína se liga ao fator de iniciação da reprodução de DNA Cdt1p, suprime a reprodução e altera o recrutamento de MCM no complexo de pré‐replicação. Estudos recentes demonstraram que o índice de marcação (IM) da geminina pode ser usado para estimar a taxa de proliferação celular de diferentes tipos de câncer.8,9
O carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC) constituem duas formas principais de câncer de pele não melanocítico. O risco de recorrência do carcinoma basocelular cutâneo é menor do que o do CEC cutâneo. Se considerarmos que ele não apresenta metástase, esse câncer apresenta um prognóstico geral melhor em comparação ao CEC.10 Embora ambos os carcinomas se originem da epiderme exposta aos mesmos fatores de risco, como a luz solar, eles têm comportamentos biológicos diferentes. O CBC e o CEC desenvolvem‐se com mais frequência nas áreas da pele expostas ao sol e sua maior incidência é relatada na cabeça e no pescoço.11 Alguns estudos compararam o CBC e o CEC nos níveis celular e molecular.12–14 Marcadores de proliferação como o ki67 e o MCM2 também foram avaliados nesses tumores, mas esses marcadores mostraram resultados diferentes. Vários estudos relataram uma diminuição considerável e às vezes significativa do índice de marcação do ki67 no CBC em comparação com o CEC.15,16 Por outro lado, Abdou et al. demonstraram uma expressão aumentada de MCM2 no CBC quando comparado ao CEC.17
Que seja de nosso conhecimento, nenhum estudo relatou a expressão de geminina em CBCs e CECs cutâneos. O objetivo deste estudo foi investigar os marcadores de proliferação ki67, MCM2 e geminina no carcinoma cutâneo basocelular e espinocelular de cabeça e pescoço.
MétodoForam selecionados de nossos arquivos 80 blocos fixados em formalina e embebidos em parafina. As lesões incluíram 40 CECs cutâneos e 40 CBCs cutâneos localizados na região da cabeça e pescoço. Todos os tumores eram casos primários e os pacientes não receberam tratamentos anteriores antes da cirurgia e não tinham histórico de outros tipos de câncer. Para confirmar o diagnóstico inicial, as seções de tecido coradas com hematoxilina e eosina foram revisadas por dois patologistas. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da nossa universidade (aprovação n° 91‐01‐70‐17071).
A coloração imuno‐histoquímica foi feita com anticorpos primários, inclusive anticorpo antigeminina de coelho (1:25; EM6; Novocastra), anticorpo anti‐ki67 de camundongo (1:100; MIB‐1; DAKO, Glostrup, Dinamarca) e anticorpo anti‐Mcm2 de coelho (1:100; CRCT2.1; Novocastra). Seções de tecido fixadas em formalina e embebidas em parafina (3mm) foram montadas em lâminas de vidro revestidas com silano e desenceradas com xileno. A reidratação foi feita com lavagens com gradientes de etanol e, em seguida, as lâminas foram fervidas em solução tampão de citrato 0,1M (pH 6,0) por 15min, num micro‐ondas. Posteriormente, as seções foram expostas a peróxido de hidrogênio a 0,3% para inibir a atividade endógena da peroxidase (10min, temperatura ambiente). As amostras foram incubadas com os anticorpos primários descritos acima em temperatura ambiente por 60min. O kit Envision (Dako Cytomation, Glostrup, Dinamarca) foi usado para detecção (em temperatura ambiente por 30min). Tecido tonsilar serviu como controle positivo e o controle negativo foi preparado por meio da omissão de anticorpos primários.
Os índices de marcação para todos os marcadores foram calculados manualmente como a porcentagem de núcleos positivamente corados de células tumorais em pelo menos 500 células cancerígenas. A análise estatística foi feita com o teste t e valores de p menores do que 0,05 foram considerados significativos.
ResultadosGeminina, ki67 e MCM2 mostraram expressão nuclear em todos os tecidos neoplásicos estudados, com ocasional coloração citoplasmática fraca (fig. 1). A imunorreatividade dessas proteínas também foi detectada nos núcleos das células basais e suprabasais dispersas da pele normal, adjacentes a alguns dos tumores. A expressão dos três marcadores foi aleatória nos tecidos carcinomatosos dos CBCs sem padrão de coloração específico. Nos CECs estudados, observamos aumento da imunopositividade na frente invasiva de todos os tumores, ilhas neoplásicas dessa área mostraram coloração uniforme; entretanto, houve uma tendência ao aumento da imunocoloração das células periféricas em comparação com as células centrais nos ninhos tumorais mais afastados da frente invasora.
Os índices médios de marcação de geminina, ki67 e MCM2 em nossos casos de carcinoma basocelular foram 12,09±7,49, 32,97±20,51 e 88,23±12,17, respectivamente. Os valores correspondentes para as amostras de carcinoma espinocelular incluíram IM de 25,86±14,26, 42,32±20,41 e 90,10±9,75. Para análise estatística, usamos o teste t para comparar a expressão de todos os três marcadores entre carcinomas espinocelulares e basocelulares cutâneos da região da cabeça e pescoço. De acordo com nossos achados, apenas a expressão da geminina mostrou diferenças significativas entre os dois grupos (p<0,001), com IM mais elevados encontrados nos CECs do que nos CBCs. Não houve diferença significativa nos IM de ki67 (p=0,06) e MCM2 (p=0,46) entre CBCs e CECs.
A razão MCM2/ki67 foi maior nos CBCs analisados (3,44±1,59) em comparação com as amostras de CEC (2,78±1,63), mas sua diferença não foi significativa (p=0,09). Por outro lado, uma comparação da razão geminina/ki67 entre esses dois grupos de tumores mostrou uma diferença significativa (p=0,015), revelou números significativamente mais altos nos CECs. A média da razão geminina/ki67 foi de 0,66±0,36 e 0,41±0,19 para CECs e CBCs, respectivamente.
DiscussãoA avaliação celular e molecular de tumores ajuda a entender melhor sua patobiologia e com maior precisão. Vários estudos usaram essa abordagem para avaliar a biologia molecular de diferentes tipos de câncer, inclusive o câncer de pele.13–15 A proliferação celular é um dos fatores investigados em câncer de pele. Estudos recentes mostraram que a avaliação conjunta de três marcadores de proliferação (ki67, MCM2 e geminina) pode fornecer informações valiosas sobre o status proliferativo das células em alguns tipos de câncer.3,8,18 Até agora, a geminina e as razões MCM2/ki67 e geminina/ki67 ainda não foram avaliadas nos CECs e CBCs cutâneos de cabeça e pescoço.
No presente estudo, esses três marcadores de proliferação foram avaliados em ambos os tumores. De acordo com os resultados, MCM2 e geminina apresentaram os níveis de expressão mais alto e mais baixo, respectivamente. Esses achados estão de acordo com outros estudos em vários tipos de câncer.3,8,18 Os quatro estágios de um ciclo celular são G1 (Gap1), S (Síntese), G2 (Gap2) e M (Mitose).19 A expressão de Ki67 foi mostrada em todas as fases ativas do ciclo celular.20 Com base nas características do MCM2, ele marca todas as células nos estágios do ciclo celular, mesmo nas fases iniciais do G1.21 Entretanto, a expressão de geminina é limitada aos estágios S‐G2‐M do ciclo celular.22 Se considerarmos esses padrões de reatividade durante a proliferação celular, esse achado era esperado.
Com base nos resultados do presente estudo, a expressão média de geminina, ki67 e MCM2 foi maior no CEC em comparação ao CBC; entretanto, apenas a geminina atingiu significância estatística. Como mencionado anteriormente, em nosso estudo, a expressão de MCM2 foi maior no CEC em comparação ao CBC, mas a diferença não foi significante. Isso contrasta com os achados de um estudo de Abdou et al.17 em que os autores descobriram que a expressão de MCM2 era significativamente maior no CBC em comparação ao CEC cutâneo. Uma razão para essa discrepância pode ser o fato de que eles obtiveram amostras cutâneas de CEC de diferentes partes do corpo, enquanto o CEC estava limitado à região da cabeça e pescoço em nosso estudo, o que poderia afetar os resultados. Embora a expressão do ki67 também tendesse a ser maior no CEC em comparação ao CBC na investigação atual, a diferença não foi estatisticamente significante. Esse achado está de acordo com alguns estudos anteriores. Al‐Sader et al.15 avaliaram CECs e CBCs cutâneos e encontraram uma expressão de ki67 significantemente maior no CEC. Infelizmente, em seu estudo, a localização dos tumores não foi relatada de forma exata, o que pode afetar os resultados.
Investigações anteriores mostraram que a razão geminina/ki67 podia fornecer mais informações sobre o ciclo celular.3,8 De fato, essa razão representa o comprimento relativo da fase G1. Portanto, uma razão alta está associada a uma curta fase G1 e ao aumento da proliferação celular.22 Os resultados do presente estudo revelaram que essa relação era significantemente maior no CEC em comparação ao CBC. Pode‐se sugerir que a proliferação celular é maior no CEC cutâneo em comparação ao CBC. Essa razão pode ser um dos fatores que afetam as diferenças no comportamento biológico desses dois tumores. Wharton et al.22 estudaram a cinética do ciclo celular de tumores oligodendrogliais e encontraram uma razão significativamente maior de geminina/ki67 em cânceres de alto grau. Alguns pesquisadores também revelaram que os tumores malignos tinham uma razão maior de geminina/ki67 do que lesões benignas/displásicas ou tecidos normais.3
Por outro lado, a comparação da razão MCM2 / ki67 em nosso estudo mostrou uma relação mais alta para o CBC, embora a diferença não tenha sido significativa. Portanto, as células com potencial de proliferação que ainda não entraram no ciclo celular têm maior probabilidade de ser encontradas no CBC em comparação ao CEC. Aumentar o tamanho da amostra pode produzir resultados estatisticamente significantes.
Vários estudos in vitro em Xenopus laevis mostraram que a geminina exógena pode inibir a progressão do ciclo celular ao bloquear a replicação do DNA.7,23 Acreditava‐se que a geminina, como outros inibidores do ciclo celular, como o p21, era um supressor de tumor. Por outro lado, a expressão de geminina não está associada à proliferação celular reduzida na maioria dos tecidos normais e cancerígenos. Ela mostra uma correlação positiva com a proliferação celular em várias doenças malignas.9 Consequentemente, a alta expressão de geminina do tipo selvagem em células cultivadas não causa um bloqueio do ciclo celular.24 Os resultados deste estudo mostraram que a geminina LI foi significantemente maior no CEC em comparação com o CBC. O CEC cutâneo de cabeça e pescoço é mais agressivo do que o CBC em relação ao potencial de metástase e prognóstico. Estudos anteriores observaram que a expressão dessa proteína estava correlacionada com a agressividade tumoral e metástase em alguns tumores.8,25
Uma das questões que recentemente atraíram a atenção dos pesquisadores é que a inibição da geminina é responsável pela morte de células cancerígenas, mas não de células normais.26 Foi sugerido que, em algumas células cancerígenas, essa proteína desempenha um papel essencial e único no início da replicação do DNA, regula a atividade do cdt1. Entretanto, outros fatores de proteção inibem a re‐reprodução do DNA em células não cancerígenas.26 Assim, a inibição da geminina tem um efeito significativo nas células cancerígenas. Pode ser possível usar a geminina para tratar o CEC cutâneo de cabeça e pescoço em estudos futuros.
Uma das limitações deste estudo foi a falta de informações sobre o seguimento. É melhor investigar o valor prognóstico da geminina em estudos futuros de CEC cutâneo. Recentemente, foi demonstrado que essa proteína está envolvida no processo de transição epitelial para mesenquimal (EMT, do inglês Epithelial to Mesenchymal Transition).27 A geminina pode afetar a EMT e, portanto, a metástase em casos de câncer como o CEC cutâneo. Sugere‐se que o papel da geminina no CEC cutâneo seja investigado com mais precisão e que a correlação dos marcadores cinético‐celulares estudados seja avaliada com fatores como estágio tumoral, local do tumor, grau de diferenciação, invasão perineural, invasão vascular, profundidade do tumor e agressividade histopatológica. Um tamanho de amostra maior poderia fornecer poder estatístico suficiente para analisar subconjuntos de tumores e sua correlação com várias variáveis clinicopatológicas.
ConclusãoComo a geminina pode detectar células comprometidas com a proliferação, é considerada um dos marcadores mais específicos. Com base nos resultados deste estudo, parece que a geminina é um dos fatores efetivos nas diferenças de comportamento biológico entre os carcinomas cutâneos basocelulares e espinocelulares da cabeça e pescoço.
FinanciamentoDental Research Center, Dentistry Research Institute, Tehran University of Medical Sciences (TUMS) (número de concessão 132.394).
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Alaeddini M, Etemad‐Moghadam S. Cell kinetic markers in cutaneous squamous and basal cell carcinoma of the head and neck. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:529–32.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.