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Vol. 88. Núm. 2.
Páginas 187-193 (Março - Abril 2022)
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Vol. 88. Núm. 2.
Páginas 187-193 (Março - Abril 2022)
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Obturador faríngeo e resultados de fala em pacientes com fissura palatina
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Maria Inês Pegoraro‐Krooka,b,
Autor para correspondência
mikrook@usp.br

Autor para correspondência.
, Raquel Rodrigues Rosaa, Homero C. Aferrib, Laura Katarine Félix de Andradec, Jeniffer de C.R. Dutkaa,b
a Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Departamento de Fonoaudiologia, Bauru, SP, Brasil
b Universidade de São Paulo, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Serviço de Prótese de Palato, Bauru, SP, Brasil
c Universidade de São Paulo, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Programa de Pós‐Graduação em Ciências da Reabilitação, Bauru, SP, Brasil
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Figuras (2)
Resumo
Introdução

Indivíduos com fissura palatina podem apresentar disfunção velofaríngea após a palatoplastia primária e necessitam de um secundário devido à insuficiência velofaríngea. Nesses casos, o obturador faríngeo pode ser usado temporariamente enquanto se aguarda uma cirurgia secundária.

Objetivo

Investigar o resultado do tratamento da hipernasalidade com o uso de obturador faríngeo em pacientes com histórico de fissura palatina que apresentam insuficiência velofaríngea após a palatoplastia primária. Nossa hipótese é que o uso do obturador faríngeo seja uma abordagem eficaz para eliminar a hipernasalidade relacionada à insuficiência velofaríngea em pacientes com fissura palatina

Método

Participaram do estudo 30 indivíduos falantes do Português Brasileiro (15 homens e 15 mulheres) com fissura palatina operada, de 6 a 14 anos de idade (média: 9 anos; DP = 1,87 anos). Todos os pacientes receberam obturador faríngeo para o tratamento da insuficiência velofaríngea, enquanto aguardavam vaga para a cirurgia secundária. A análise perceptivo‐auditiva da fala, realizada nas condições com e sem obturador faríngeo, foi realizada por três ouvintes, quanto à presença e ausência da hipernasalidade.

Resultados

70% dos pacientes eliminaram a hipernasalidade de fala com o uso do obturador faríngeo, enquanto 30% não eliminaram. A comparação foi estatisticamente significante (p < 0,001).

Conclusão

O uso temporário do obturador faríngeo é uma abordagem efetiva para eliminar a hipernasalidade decorrente da insuficiência velofaríngea.

Palavras‐chave:
Fissura palatina
Insuficiência velofaríngea
Fala
Obturador palatino
Texto Completo
Introdução

O funcionamento adequado do mecanismo velofaríngeo (MVF) é essencial para a produção normal de fala.1 A fissura palatina é um defeito anatômico cujo reparo é geralmente feito durante o primeiro ano de vida. Os objetivos do reparo da fissura palatina incluem o estabelecimento das condições para o funcionamento adequado do MVF. A cirurgia primária da fissura palatina, portanto, é essencial para evitar distúrbios de fala relacionados ao acoplamento oronasal e também para minimizar ou eliminar a regurgitação nasal e as condições da orelha média relacionadas à disfunção da tuba auditiva.2,3 Apesar dos avanços científicos, a disfunção velofaríngea (DVF), após o reparo primário da fissura palatina, ocorre em 5% a 43% dos casos, resultando na incapacidade de separar completamente as cavidades oral e nasal durante a fala.4–9

Na população com histórico de fissura palatina, a DVF pode ser caracterizada por insuficiência velofaríngea (IVF), quando o véu palatino é muito curto ou não se alonga o suficiente para atingir a parede posterior da faringe, e erro de aprendizagem do funcionamento velofaríngeo, quando o indivíduo apresenta pouco ou nenhum movimento do véu e das paredes faríngeas (sem etiologia neurogênica). A hipernasalidade e a emissão de ar nasal, assim como a articulação compensatória, são os sintomas de fala mais comumente associados à DVF, o que pode prejudicar a inteligibilidade.10,11

A DVF pode ser tratada por cirurgia, prótese, terapia da fala ou uma combinação dessas abordagens. Embora a cirurgia seja a escolha mais comum para o tratamento da IVF, ela pode não ser possível ou prática em algumas condições, principalmente quando a IVF ocorre juntamente com o erro de aprendizagem do funcionamento velofaríngeo para a fala. O obturador faríngeo pode ser a melhor opção quando a cirurgia é contraindicada devido a limitações sistêmicas, anatômicas ou funcionais ou quando o paciente opta por não ser submetido à cirurgia. Pode ser usado permanentemente (se o paciente nunca for submetido a cirurgia) ou temporariamente quando a cirurgia precisar ser adiada por razões médicas ou devido ao próprio processo de reabilitação.12 O bulbo também pode ser usado como uma ferramenta diagnóstica quando o prognóstico cirúrgico não é claro,13,14 e como uma ferramenta (associada à terapia fonoaudiológica) para aumentar o movimento das estruturas da velofaringe (VF) e melhorar o prognóstico da correção cirúrgica da IVF.15,16 Em nossa prática clínica, também indicamos o uso temporário do bulbo faríngeo (combinado com terapia fonoaudiológica intensiva) em pacientes com velofaringe hipodinâmica. A velofaringe hipodinâmica para a fala envolve “a coexistência de um gap VF (velofaríngeo) residual endoscópico ou fluoroscópio, ou ambas as formas, durante tentativas de fechamento máximo superior a 50% do espaço da VF em repouso, e a observação endoscópica de movimento velofaríngeo fraco”.17 Indivíduos com velofaringe hipodinâmica, geralmente apresentam insuficiência velofaríngea (causa estrutural para a DVF) e erro de aprendizagem do funcionamento velofaríngeo (causa funcional para a DVF); portanto, precisam de uma combinação de tratamento físico (cirúrgico ou protético) e terapia fonoaudiológica.16

O obturador faríngeo é um dispositivo protético composto por três partes: a anterior, que é semelhante a um retentor dentário (prótese dentária parcial removível, prótese total, overdenture ou uma placa de acrílico), a parte intermediária (conecta a parte anterior ao bulbo), e o bulbo (parte posterior), que é personalizado para preencher o gap VF durante os sons orais da fala. O bulbo visa promover a competência funcional do MVF quando as paredes laterais da faringe são capazes de tocar o bulbo durante a fala.18

Os resultados do obturador faríngeo e da cirurgia secundária dependem da quantidade de movimento das paredes faríngeas e do véu palatino.10 Estudos sugeriram que os movimentos das paredes faríngeas podem ser aumentados com o uso de um obturador faríngeo, com relatos de uma diminuição considerável no tamanho do gap VF.10,15,16,19–21 No entanto, ainda não está bem entendido como o bulbo pode contribuir para aumentar o movimento das paredes da faringe. É provável que o bulbo aja como um estimulador sensório‐motor que poderia facilitar a função muscular, especialmente quando seu uso estiver associado à terapia fonoaudiológica intensiva.22–24 Terapeuticamente, a modificação voluntária do movimento da VF não é uma tarefa fácil, pois não é possível regular a propriocepção da velofaringe. Algum tipo de feedback (auditivo, tátil) que aumenta as informações sobre a atividade da VF durante a fala pode ser desencadeado pela presença do bulbo preenchendo o gap VF.25

O uso do bulbo faríngeo temporário (combinado ou não à terapia fonoaudiológica) para manejar o padrão de funcionamento VF antes da correção cirúrgica da IVF pode favorecer a correção das alterações de fala decorrentes da fissura palatina em pacientes de todas as idades, inclusive crianças.10,26–30 A escolha de um bulbo faríngeo feito sob medida (que ofereça a possibilidade de fechamento da VF), orientado para estimular e melhorar o deslocamento das paredes faríngeas e do véu palatino, deve ser feita com cautela. O ajuste de um bulbo faríngeo é particularmente desafiador para as crianças. O dentista deve lidar não apenas com os desafios inerentes à preparação de qualquer procedimento protético dentário em uma criança (higiene, cuidados com a prótese, colaboração etc.), mas também com o desafio de fazer uma prótese que a criança usará durante o período de crescimento facial, considerando as alterações nos estágios da dentição e a necessidade de tratamento ortodôntico, cirurgia de enxerto ósseo alveolar etc.28,31

Demonstrou‐se que o bulbo faríngeo combinado à terapia fonoaudiológica reduz a hipernasalidade e melhora a inteligibilidade de fala.21,32,33 Entretanto, os estudos que investigaram os resultados da fala em pacientes que usavam bulbo faríngeo (combinado ou não à terapia fonoaudiológica) foram feitos com tamanhos amostrais pequenos e normalmente relatavam apenas as estatísticas descritivas. Nenhum estudo investigou o efeito do bulbo faríngeo temporário na fala de crianças com fissura palatina. Este estudo teve como objetivo investigar o resultado do tratamento da hipernasalidade com o uso de obturador faríngeo em pacientes com histórico de fissura palatina que apresentam insuficiência velofaríngea após a cirurgia palatina primária. Nossa hipótese é que o uso do obturador faríngeo seja uma abordagem eficaz para eliminar a hipernasalidade relacionada à insuficiência velofaríngea em pacientes com fissura palatina.

Método

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo ‐ HRAC/USP (179/2009 ‐ SVAPEPE‐CEP). O Serviços de Prótese de Palato do HRAC/USP mantêm um acervo de gravações de gravações de áudio de pacientes em tratamento protético da DVF. Todas as gravações preexistentes de fala em áudio obtidas nas condições com e sem obturador faríngeo foram consideradas para este estudo.

Participantes

A seleção das gravações de fala para este estudo foi feita prospectivamente, por amostragem de conveniência. As gravações incluídas foram obtidas de indivíduos falantes do Portugês Brasileiro, com histórico de fissura palatina, que foram submetidos ao tratamento protético temporário de IVF. O tratamento protético foi indicado para essa população no lugar do reparo cirúrgico da IVF devido à necessidade de permanecer em fila de espera para cirurgia. A fila de espera para cirurgias secundárias é uma realidade em nosso hospital, embora esforços consideráveis tenham sido feitos para entender e melhorar o manejo das listas de espera. Somos um hospital público gratuito, com grande número de casos e demanda.

As gravações estudadas foram obtidas durante as consultas do tratamento continuado dos pacientes no serviço de prótese de palato da instituição. Os seguintes critérios de inclusão foram aplicados e as gravações de fala estudadas foram obtidas dos indivíduos com: 1) fissura palatina não sindrômica (com ou sem fissura labial) sem fístula palatina; 2) entre 6 e 14 anos; 3) audição normal (limiar auditivo de 25dB ou melhor, avaliado bilateralmente por um audiologista que usou audiometria de tons puros); 4) sem distúrbios cognitivos ou neuromotores; 5) diagnóstico de IVF após cirurgia palatal primária; 6) uso de obturador faríngeo para tratamento da hipernasalidade por pelo menos seis meses; 7) bulbo faríngeo com boa retenção e conforto; 8) gravações de fala em áudio nas condições com e sem bulbo faríngeo com boa qualidade técnica; 9) não ter feito terapia de fala antes ou após o tratamento protético.

Foram incluídas neste estudo as gravações em áudio de 30 pacientes, 15 (50%) do sexo masculino e 15 (50%) do sexo feminino. Essas gravações foram obtidas de pacientes com média de 9 anos (de 6 a 14 anos, DP=1,87 anos), encaminhados ao serviço de fonoaudiologia para uso temporário do bulbo faríngeo. A correção cirúrgica da insuficiência velofaríngea foi adiada devido à falta de vaga para a cirurgia naquele momento.

Obturador faríngeo

Todos os participantes deste estudo receberam um obturador faríngeo confeccionado pelo mesmo dentista em parceria com a mesma fonoaudióloga, com uma resina acrílica curada a quente.34 A impressão final do bulbo foi estabelecida durante a terapia diagnóstica, usando a nasoendoscopia (Olympus ENF‐P4) como biofeedback da função VP, que proporcionou ao dentista e ao fonoaudiólogo uma visão superior do MVF durante a produção de fala. Em nosso serviço, no momento da nasoendoscopia, faz‐se a terapia diagnóstica durante a impressão do bulbo de todos os pacientes, a fim de estimulá‐los a produzir consoantes orais sem articulação compensatória. Ao fazê‐lo, o fonoaudiólogo não espera o fechamento da VF (já que o bulbo ainda está em construção), mas espera ver um movimento melhorado das paredes da faringe e onde, na faringe, esse movimento ocorre, para o encaixe no bulbo. Com esse objetivo, o fonoaudiólogo usa estratégias para a manipulação da pressão do ar intraoral durante a fala, para aumentar o deslocamento das paredes da faringe (fig. 1).

Figura 1.

(A) Vista obturador faríngeo; (B) Vista intraoral obturador faríngeo em posição; (C) Visão nasoendoscópica do gap velofaríngeo sem o obturador faríngeo; (D) Visão nasoendoscópica do gap velofaríngeo com o obturador faríngeo.

(0,21MB).
Gravações de áudio e estímulos de fala

As gravações de fala foram feitas em uma sala com tratamento acústico, com o paciente sentado em uma cadeira de consultório. Um microfone condensador unidirecional AKG C‐420 foi posicionado a aproximadamente 10cm da boca do paciente. As gravações foram feitas em um computador com uma placa de som Creative Audigy II com o programa Sony Sound Forge (versão 7.0), com taxa de amostragem de 44100Hz e resolução de sinal de 16 bits. Os arquivos foram salvos no formato *.wav. O seguinte conjunto de frases em português do Brasil foi usado para as gravações de voz, repetidas após o examinador: “papai caiu da escada”, “Fábio pegou o gelo”, “o palhaço chutou a bola”, “Tereza fez pastel” e “a árvore dá frutos e flores”. Os pacientes foram gravados em áudio duas vezes, primeiro sem o bulbo faríngeo e depois com o dispositivo no lugar.

Edição das gravações de fala

Os pares das frases gravados em áudio (com e sem bulbo faríngeo) para todos os participantes foram aleatoriamente misturados e codificados com as letras A e B, o que significou que o avaliador não sabia quais amostras (com ou sem bulbo faríngeo) tinham as letras A ou B. Além dos 30 pares de gravações originais (com 30 conjuntos de frases gravadas com bulbo faríngeo e 30 gravados sem bulbo faríngeo de cada participante), 20% (6 pares de conjuntos de frases) das gravações foram duplicadas aleatoriamente para comparação intraexaminadores. A edição foi feita com o software Sound Forge Program 10.0 e transferida para um CD.

Classificação perceptivo‐auditiva

Três fonoaudiólogas com certificação e falantes nativas do Português Brasileiro atuaram como avaliadoras. Todas tinham mais de 5 anos de experiência na avaliação perceptivo‐auditiva da fala de indivíduos com fissura palatina. As avaliadoras não estavam cientes do objetivo do estudo nem estavam familiarizadas com os indivíduos incluídos como participantes. As avaliadoras também não conheciam as condições das amostras de fala que classificavam, ou seja, se as gravações tinham sido feitas com ou sem o obturador faríngeo. A hipernasalidade foi classificada como presente (pontuação 1) ou ausente (pontuação 0), com base nas gravações dos conjuntos de frases.

Antes da classificação propriamente dita, foi feita uma sessão de treinamento de uma hora, na qual as avaliadoras classificaram amostras de fala que representavam ressonâncias normais e hipernasais, de pacientes que não participaram deste estudo. Durante esta sessão de treinamento, as avaliadoras tiveram permissão para discutir as classificações e fazer perguntas. Elas também foram instruídas oralmente sobre como usar os formulários de classificação. Um material impresso com as instruções foi fornecido a elas.

Todas as classificações foram feitas de maneira independente em uma sala silenciosa, com as avaliadoras usando seus computadores pessoais. Elas foram instruídas a escutar as duas amostras (A e B) de cada par de sentenças e classificar se a hipernasalidade estava presente ou ausente e, em seguida, escrever sua resposta no formulário de classificação da seguinte forma:

Número do par:

  • (1)

    Amostra A com hipernasalidade e amostra B sem hipernasalidade.

  • (2)

    Amostra A sem hipernasalidade e amostra B com hipernasalidade.

  • (3)

    Amostras A e B com hipernasalidade.

  • (4)

    Amostras A e B sem hipernasalidade.

Confiabilidade

Para estabelecer a concordância intravaliadoras, as classificações foram comparadas entre as 3 fonoaudiólogas. As porcentagens de concordância intervaliadoras para cada par de avaliadoras para as amostras sem e com bulbo foram, respectivamente: R1 vs. R2=93% e 97% (κ=0,63 e κ=0,92), R1 vs. R3=97% e 83% (κ=0,84 e κ=0,61) e R2 vs. R3=97% e 80% (κ=0,78 e κ=0,55).

A interpretação dos escores do Kappa (κ) pode ser feita de acordo com Landis e Koch (1977),35 na qual Ruim=κ <0,00; Leve=k: 0,00–0,20; Regular=k: 0,21–0,40; Moderado=k: 0,41–0,60; Substancial=k: 0,61–0,80; Quase perfeito=κ: 0,81–1,00.

Análise de dados e análise estatística

As classificações perceptivas de hipernasalidade (presença/ausência), com e sem obturador faríngeo, foram calculadas pelo teste de Wilcoxon, considerando‐se os resultados iguais de todas as avaliadoras ou de pelo menos duas avaliadoras. Classificações iguais a “zero” são consideradas gravações de fala sem hipernasalidade e classificações com valor=“1” são gravações de fala com presença de hipernasalidade. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p <0,05).

ResultadosAvaliação perceptiva

Dos 30 participantes, 28 (93%) foram classificados com hipernasalidade e 2 (7%) sem hipernasalidade quando não usavam o bulbo faríngeo. Com o bulbo faríngeo em posição, 21 (70%) participantes foram classificados sem hipernasalidade e 9 (30%) com hipernasalidade. Observações pareadas das classificações de nasalidade para fala produzida com e sem a prótese mostraram que uma redução significativa da nasalização estava associada à obturação. Com a prótese em posição, 19 (63%) participantes eliminaram a hipernasalidade, 9 (30%) ainda permaneceram com hipernasalidade e 2 (7%) não apresentavam hipernasalidade, com ou sem obturador faríngeo. A diferença entre os resultados foi estatisticamente significante (p <0,001), de acordo com o teste de Wilcoxon, mostrando melhora significante na ressonância de fala com o uso de um obturador faríngeo (fig. 2).

Figura 2.

Análise das avaliadoras quanto à presença e ausência de hipernasalidade, com e sem obturador faríngeo.

(0,06MB).
Discussão

O presente estudo teve como objetivo investigar o resultado do tratamento da hipernasalidade com obturador faríngeo em pacientes com histórico de fissura palatina que apresentavam insuficiência velofaríngea após cirurgia palatina primária. Nossa hipótese é que o uso do obturador faríngeo é uma abordagem eficaz para eliminar a hipernasalidade relacionada à insuficiência velofaríngea em pacientes com fissura palatina.

Os resultados mostraram que a hipernasalidade foi eliminada na maioria dos pacientes, o que de alguma forma é consistente com os achados de outros estudos.13,15,36,37 Um estudo encontrou uma melhora significante na inteligibilidade de fala (com exceção de articulação compensatória) para pacientes com IVF com o obturador faríngeo em posição.15 Outros estudos relataram diferentes níveis de classificação da ressonância normal quando seus pacientes tiveram seus gaps VF vedados com o bulbo faríngeo: 63%,13 74%,38 90%,39 92%13 e 100%.40 Entretanto, ao analisar os resultados obtidos nesses estudos, há influência de outras características além do efeito do bulbo faríngeo na fala, como por exemplo o efeito da terapia de fala para eliminar articulações compensatórias e a inclusão de pacientes com diversas outras etiologias da DVF, que não somente a fissura palatina congênita.

Aproximadamente um terço dos pacientes do presente estudo não eliminou a hipernasalidade. Essa taxa de falha corrobora os achados do estudo de Sell, Mars e Worrel.13 Compreender os motivos da falha na fala com prótese não é fácil. Vários fatores isolados ou em combinações inter‐relacionadas de forma complexa podem explicar essa falha, como: articulação compensatória persistente após o ajuste protético, falha do bulbo faríngeo em fechar adequadamente o gap velofaríngeo, presença de disfonia grave ou outras características estruturais ou funcionais individuais que podem comprometer o sucesso da confecção da prótese. Foi relatado que a presença de disfonia, principalmente aquelas relacionadas à qualidade da voz e à intensidade vocal fraca, pode mascarar a avaliação da nasalidade.1,40 Sugerimos que estudos futuros controlem a presença dessas alterações, pois elas realmente podem interferir com a avaliação da hipernasalidade.

No presente estudo, o tratamento bem‐sucedido com obturador faríngeo temporário foi considerado apenas se a hipernasalidade foi eliminada. No entanto, alguns estudos consideraram a hipernasalidade leve como um resultado aceitável do procedimento físico, pois esse desvio não é percebido pelo paciente, nem por sua família e amigos.41

De acordo com as avaliadoras do nosso estudo, observações pareadas das classificações de nasalidade para fala produzidas pelos participantes n° 11 e n° 16 mostraram que eles não apresentavam hipernasalidade com ou sem a prótese. Talvez ambos apresentassem hipernasalidade leve na condição sem prótese e ressonância normal ou ainda hipernasalidade leve na condição com prótese não audível para as avaliadoras. Amostras gravadas de fala foram sugeridas para resolver as limitações da avaliação perceptivo‐auditiva ao vivo.2,42,43 É um recurso que sempre pode estar disponível para ser usado quando e quantas vezes for necessário, permite validar os achados clínicos obtidos durante a avaliação ao vivo e a obtenção de medidas de confiabilidade intra‐ e interavaliadores, o que contribui para aumentar a credibilidade científica dos resultados. Entretanto, algumas desvantagens devem ser consideradas, como por exemplo: elas podem capturar ruído do ambiente ou podem não detectar informações acústicas suficientes para permitir que o examinador identifique a presença de pressão intraoral fraca, hipernasalidade leve, escape de ar inaudível e erros relacionados à produção de fala.44,45 A ressonância normal também foi encontrada em um estudo46, no qual a avaliação foi feita por ouvintes “cegos” que avaliaram a ausência de hipernasalidade no pré‐operatório em alguns pacientes. Identificar a hipernasalidade nos extremos da faixa (hipernasalidade normal vs. grave) é uma tarefa mais fácil do que identificar uma hipernasalidade leve ou inconsistente; por exemplo, nem sempre ela é capturada na gravação.46

Uma limitação do presente estudo pode estar relacionada ao fato de a avaliação perceptivo‐auditiva ter sido adotada apenas para a análise da função VF com e sem obturador faríngeo. Além da avaliação perceptivo‐auditiva, a literatura também indica a avaliação instrumental para o diagnóstico de DVF e a determinação da efetividade do tratamento.1,2,47 Além disso, a hipernasalidade (ressonância de fala) foi o único parâmetro analisado. Para estudos futuros, sugerimos a inclusão de uma avaliação instrumental da função VF para comparar os resultados com e sem obturador faríngeo temporário, além da avaliação da articulação e inteligibilidade da fala, voz e ocorrência de emissão de ar nasal, a fim de investigar as variáveis que podem influenciar a não eliminação da hipernasalidade com o uso da prótese.

O uso de um obturador faríngeo temporário pode ter identificado possíveis candidatos à cirurgia secundária com bom prognóstico de fala, especificamente a eliminação da hipernasalidade e a adequação da função VF. Da mesma forma, pode ter identificado pacientes que não seriam beneficiados com a cirurgia naquele momento. Tal identificação foi realizada em alguns estudos que utilizaram o obturador faríngeo temporário com sucesso antes da cirurgia.13,47

Conclusão

O uso temporário do obturador faríngeo é uma abordagem efetiva para eliminar a hipernasalidade decorrente da insuficiência velofaríngea.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Financiamento

Este estudo recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Processo 2009/04916‐4. Bolsa de Mestrado para o segundo autor (RRR).

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Como citar este artigo: Pegoraro‐Krook MI, Rosa RR, Aferri HC, Andrade LK, Dutka JC. Pharyngeal bulb prosthesis and speech outcome in patients with cleft palate. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:187–93.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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