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Vol. 81. Núm. 3.
Páginas 312-320 (Maio 2015)
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Osteíte e inflamação mucosa em um modelo experimental de rinossinusite
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Carlos Augusto Correia de Camposa, Eduardo Landini Lutaif Dolcia, Leonardo da Silvaa, José Eduardo Lutaif Dolcia, Carlos Alberto Herrerias de Camposb, Ricardo Landini Lutaif Dolcia
a Faculdade de Ciências Médicas, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Departamento de Otorrinolaringologia, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
b Departamento de Otorrinolaringologia, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Descrição da histologia da mucosa sinusal segundo lado e tempo de sacrifício e resultados dos testes comparativos
Tabela 2. Descrição da histologia do osso sinusal segundo lado e tempo de sacrifício e resultados dos testes comparativos
Tabela 3. Correlação entre o grau de inflamação observado nas amostras de tecido ósseo e de tecido mucoso
Tabela 4. Descrição das bactérias encontradas nos exames de cultura, segundo lado e tempo de sacrifício
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Introdução: Diversos estudos experimentais evidenciam osteíte após estabelecimento de sinusite, corroborando para a ideia de que o envolvimento ósseo poderia participar na disseminação e perpetuação do processo inflamatório. Porém procedimentos realizados para indução da doença nestes modelos, como antrostomias, podem, por si só, desencadear osteíte.

Objetivo: Avaliar osteíte em um modelo de rinossinusite em que não ocorre manipulação sinusal e verificar se esta é limitada ao lado de indução, ou se acomete o lado contralateral.

Método: Estudo experimental em que induziu-se rinossinusite em 20 coelhos, por meio de obliteração temporária com esponja de uma das cavidades nasais. Amostras de tecido sinusal foram submetidas à análise histológica semiquantitativa, após sacrifício dos animais em intervalos regulares.

Resultados: Foram observados sinais de inflamação óssea e mucosa mais intensa no lado de indução, mas também contralateral. Testes estatísticos evidenciaram correlação entre a osteíte de ambos os lados, porém não entre inflamação óssea e mucosa de um mesmo lado, apoiando a  teoria de que a inflamação poderia se disseminar através do tecido ósseo, independente da inflamação mucosa.

Conclusão: O presente estudo evidenciou a existência de osteíte, tanto no lado de indução quanto no contralateral, em modelo experimental em que não ocorre manipulação sinusal.

Palavras-chave:
Sinusite
Osteíte
Modelos animais

Introduction: Several experimental studies have shown osteitis after the onset of sinusitis, supporting the idea that bone involvement could participate in the dissemination and perpetuation of this inflammatory disease. However, procedures commonly performed for the induction of  sinusitis, such as antrostomies, can trigger sinusitis by themselves.

Objective: To evaluate osteitis in an animal model of sinusitis that does not violate the sinus directly and verify whether this is limited to the induction side, or if it affects the contralateral side.

Methods: Experimental study in which sinusitis was produced by inserting an obstructing sponge into the nasal cavity of 20 rabbits. After defined intervals, the animals were euthanized and  maxillary sinus samples were removed for semi-quantitative histological analysis of mucosa and bone.

Results: Signs of bone and mucosal inflammation were observed, affecting both the induction  and contralateral sides. Statistical analysis showed correlation between the intensity of osteitis on both sides, but not between mucosal and bone inflammation on the same side, supporting  the theory that inflammation can spread through bone structures, regardless of mucosal inflammation.

Conclusion: This study demonstrated that in an animal model of sinusitis that does not disturb the sinus directly osteitis occurs in the affected sinus and that it also affects the contralateral side.

Keywords:
Sinusitis
Osteitis
Animal models
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Introdução

Diversos fatores podem contribuir para a instalação e persistência do quadro inflamatório nasossinusal, levando à  rinossinusite crônica (RSC). Os fatores variam desde alterações relacionadas ao hospedeiro, como imunodeficiências e doenças mucociliares, até características associadas a agentes etiológicos, como capacidade de formar biofilmes  e superantígenos bacterianos.1 Dentre eles, o envolvimento dos ossos paranasais no desenvolvimento e manutenção da RSC vem sendo investigado. O íntimo contato entre osso e mucosa nesta região e alterações radiológicas observadas em pacientes com RSC sugerem o envolvimento deste tecido.2-4

Vários estudos já evidenciaram a presença de inflamação  óssea sinusal em pacientes com RSC, normalmente utilizando avaliação tomográfica ou histológica.2,5,6 Esta incidência varia de 36% a 100%,4,7,8 dependendo do método de inclusão de pacientes e da forma de avaliação. Aparentemente, a incidência é maior quando se faz avaliação histológica, mostrando que, dependendo da intensidade da osteíte, não há evidências desta em exames tomográficos.8,9

Neste sentido, Lee et al. avaliaram prospectivamente 121 pacientes com RSC tratados cirurgicamente. Observaram sinais tomográficos de osteíte afetando 36% dos pacientes  (etmoide em 82%, esfenoide em 64%, maxilar 45% e frontal não avaliado) e sinais histológicos em 53%.4 Outros estudos mostram que sinais tomográficos de osteíte são associados a  maior intensidade da doença em exames anatomopatológicos7,9 e a pior resultado em tratamentos cirúrgicos.6

Os sinais indicativos de osteíte mais frequentemente descritos em pacientes com RSC são: espessamento periosteal, proliferação de osteoblastos, reabsorção e neoformação óssea e infiltrado de células inflamatórias.2,4,5,7-9

Apesar de esses estudos apresentarem evidências sobre a existência de inflamação óssea nos quadros de RSC e de algumas repercussões clínicas, há outros que apontam que a osteíte não ocorre em todos os pacientes, e que aumenta muito se o paciente já foi operado previamente (passando de 6,7%-58%), o que talvez denote a importância de outros fatores, como trauma cirúrgico, para o aparecimento dela.4 Outro fato importante é que não encontramos estudos clínicos que avaliem a presença de inflamação óssea em episódios agudos de rinossinusite, isso porque a rinossinusite aguda (RSA) é tratada normalmente de forma não cirúrgica, o que dificulta a coleta de amostras para análise histológica. Determinar se a osteíte se faz presente em fases iniciais ou se surge apenas com a perpetuação da inflamação nasossinusal  ajudaria a compreender um pouco melhor o seu papel.

Para esta finalidade, utilizam-se modelos experimentais,  normalmente realizados em coelhos, em que se avalia inflamação óssea e mucosa, conseguindo afastar outros fatores frequentemente associados à rinossinusite, como afecções alérgicas, irritativas, medicamentosas, cirurgias prévias e alterações anatômicas. Estes estudos mostram acometimento ósseo já a partir de duas semanas do processo indução de rinossinusite e que permanecem, em intensidades variadas, por até 13 semanas. Os achados mais comumente descritos de inflamação óssea são similares aos descritos em estudos  clínicos e incluem: espessamento periosteal, infiltrado inflamatório, aumento de atividade osteoclástica e osteoblástica, neoformação óssea e, eventualmente, fibrose.3,10-13

O problema em relação a estes modelos experimentais é a forma de indução de sinusite. Normalmente, é realizada a obliteração definitiva do óstio de drenagem maxilar com cola  e a inoculação sinusal de agente infeccioso por meio de sinusotomia externa. Estes procedimentos lesam determinada área da parede sinusal, alteram a fisiologia desta e, por si só, desencadeiam inflamação tecidual, independentemente da  infecção. Além disso, a obliteração definitiva do seio contendo um patógeno leva a um processo infeccioso intenso, porém limitado à cavidade sinusal, que muitas vezes não corresponde à patofisiologia desta doença.14 Na RSA, a infecção tem normalmente origem nasal e a obstrução do óstio maxilar é reversível, já que é causada por edema de mucosa.

Existem modelos experimentais nos quais a rinossinusite é induzida por meio de procedimentos em que ocorre uma manipulação menor da cavidade nasal dos animais. Chamados de rinogênicos, baseiam-se na introdução de uma esponja em uma destas cavidades nasais, mantida por determinado período. Neste método, os seios paranasais não são violados, o que limita a inflamação causada pelo  procedimento, e o bloqueio ostial é reversível. Portanto, é um método que reflete melhor a fisiopatogenia desta doença em humanos.14-16

Dessa forma, o presente estudo buscou avaliar se ocorre inflamação óssea sinusal, correlacionando-a a inflamação  mucosa, em um modelo experimental de rinossinusite no qual não ocorre manipulação do seio paranasal e verificar se  esta inflamação é limitada ao lado de indução, ou se acomete também o lado contralateral.

Método

Foram utilizados 22 coelhos da raça Nova Zelândia, adultos, brancos, de ambos os sexos, pesando aproximadamente 2.500 g ao início do experimento. Durante todo o estudo os animais foram mantidos em gaiolas individuais, adequadas para raça e peso, e tiveram oferta livre de ração e água.

Induziu-se rinossinusite bacteriana em 20 dos 22 animais, por meio de colocação de esponja porosa de polivinil, medindo 3,0 × 0,5 × 0,3 cm, previamente esterilizada em óxido de etileno, na cavidade nasal direita dos animais (fig. 1). As  esponjas foram embebidas em 1,0 mL de solução contendo toxoide estreptocócico e estafilocócico. Nenhum procedimento foi realizado na cavidade nasal esquerda. Dois animais foram sacrificados sem sofrer qualquer intervenção,  servindo como controle.

Figura 1 Peça anatômica mostrando esponja (E) colocada na cavidade nasal de coelho. Observa-se o septo nasal (S), o seio maxilar (M), a concha média (*) e a concha inferior do lado direito (CI).

Após 10 dias, as esponjas foram retiradas e, então, seis animais foram sacrificados aleatoriamente (10º dia do experimento). Depois de mais sete dias, em que os animais não sofreram qualquer outra intervenção, outros sete animais foram sacrificados (17º dia do experimento). E, por fim, no  30º dia do experimento, outros sete foram sacrificados.

Todos os procedimentos foram realizados com os animais anestesiados e em ventilação espontânea, de acordo com as normas preconizadas pela Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL) e após aprovação do comitê de ética da instituição, sob o nº 2011-4.

Após o sacrifício foi realizada a abertura da parede externa das cavidades nasais e seios paranasais. Retirou-se, então, toda parede medial do seio maxilar tanto do lado em que se induziu a sinusite, quanto do lado contralateral, em amostras contendo tecidos ósseo e mucoso. O material de cada coleta foi fixado em formol tamponado, desidratado  em concentrações crescentes de álcool etílico, clareado em xilol e incluído em parafina. Foi, então, fatiado em micrótomo, cada corte com 4 µm de espessura, montado em lâmina e corado pelo método de hematoxilina e eosina (HE).

As lâminas foram avaliadas, por meio de microscopia óptica, por médico patologista, cego para o protocolo de experimento de cada animal. As amostras dos tecidos mucoso e ósseo foram graduadas de acordo com parâmetros inflamatórios, de forma semiquantitativa. Considerou-se para inflamação mucosa: Grau 0 – Ausência de inflamação; Grau 1 – Inflamação leve (infiltrado leve de células inflamatórias na  mucosa); Grau 2 – Inflamação moderada (infiltrado inflamatório difuso); Grau 3 – Inflamação intensa (infiltrado inflamatório difuso, lesão de células epiteliais, alteração da arquitetura mucosa e submucosa). Para classificação da inflamação óssea considerou-se: Grau 0 – Ausência de inflamação; Grau 1 – Inflamação leve (espessamento periosteal leve); Grau 2 – Inflamação moderada (espessamento periosteal moderado e rima de osteoblastos – camada de osteoblastos ao longo do tecido ósseo neoformado); Grau 3 – Inflamação  intensa (espessamento periosteal acentuado, presença de matriz osteoide não mineralizada e rima de osteoblastos).

Foi colhida também secreção do interior dos seios maxilares por meio de swab. Estas amostras foram semeadas em meios de cultura ágar sangue, ágar chocolate e ágar Sabouraud (Probac do Brasil). As placas de ágar sangue e ágar chocolate foram incubadas à temperatura de 35 ± 2 °C, enquanto as de ágar Sabouraud foram mantidas em temperatura ambiente. Foram realizadas leituras diárias das placas por até 15 dias.

A análise estatística procurou correlacionar o grau de inflamação dos tecidos mucoso e ósseo, nos diferentes lados,  verificar como essa inflamação se comportou ao longo do  tempo de seguimento e se ocorreu associação entre o grau de inflamação e os patógenos encontrados. Para tanto, os  valores da histologia de mucosa e osso e os dos exames de cultura foram descritos, segundo lados de intervenção e tempos de sacrifício, com uso de frequências absolutas e relativas. Os resultados foram analisados por meio de testes de Wilcoxon pareado, de Kruskal-Wallis e teste de razão de verossimilhanças. Por fim, foram realizados testes de Spearman, buscando-se correlacionar a inflamação óssea e mucosa nos diferentes lados. Todos os testes foram realizados com nível de significância de 5%.

Resultados

No momento da retirada das esponjas, todos os animais apresentavam rinorreia purulenta do lado onde a esponja fora colocada, e nenhum deles apresentava rinorreia contralateral. Nenhum dos animais foi a óbito antes do período programado para sacrifício.

A avaliação histológica das amostras de mucosa mostrou desde animais com importante processo inflamatório até  animais com a mucosa do seio maxilar praticamente normal. Foram observadas alterações como infiltrado de células inflamatórias, neoformação vascular, hiperplasia e destruição glandular subepitelial e alterações epiteliais, como ulcerações, e destruição ciliar. Alguns sinais que denotam cronicidade, como proliferação conjuntivo-fibrosa e hiperplasia mucosa, também foram identificados nos animais  sacrificados mais tardiamente (fig. 2). Dos 20 coelhos avaliados, três (15%) não apresentavam sinais de inflamação mucosa no lado de indução e nove (45%) não apresentavam no lado contralateral. Dessa forma, na mucosa do seio maxilar direito foi observada uma maior inflamação do que no maxilar esquerdo (p = 0,003), e esta inflamação diminuiu com o  tempo de forma estatisticamente significante (p = 0,009),  conforme observado na tabela 1.

Figura 2 Amostra de mucosa de seio maxilar direito, mostrando alterações epiteliais, neoformação vascular, proliferação conjuntivo-fibrosa e infiltrado de células inflamatórias – microscopia óptica, coloração HE, aumento de 100×.

As amostras de mucosa dos dois animais do grupo controle, sacrificados antes da indução de rinossinusite, não mostraram sinal inflamatório. Assim, foram classificadas como  Grau 0, tanto para o seio maxilar esquerdo, quanto para o direito.

A avaliação histológica das amostras de tecido ósseo também evidenciou diversas características de inflamação, como espessamento periosteal, proliferação e rima de osteoblastos, proliferação de osteoclastos, alteração da arquitetura óssea, presença de osso imaturo com fibras colágenas  desordenadas e deposição de matriz osteoide não mineralizada (fig. 3). No lado direito, os animais apresentaram uma  maior inflamação em relação ao lado esquerdo (p = 0,004)  e, em ambos os lados, esta inflamação foi diminuindo ao  longo do tempo, com significância estatística (p = 0,046 e  p = 0,037). Dois (10%), dos 20 animais avaliados não apresentavam sinais de inflamação óssea no lado de indução de  rinossinusite e quatro (20%) não apresentavam no lado contralateral (tabela 2). Nas amostras colhidas dos animais controle também não foram observados sinais histológicos de inflamação óssea.

Figura 3 Amostra de seio maxilar direito mostrando camada de osteoblastos ao longo de matriz óssea (rima de osteoblastos) e alguns osteócitos – microscopia óptica, coloração HE, aumento de 400×.

Verificou-se uma correlação direta entre a intensidade da  inflamação observada nas amostras de osso maxilar direito e  de osso maxilar esquerdo colhidas ao longo do tempo (p < 0,001). Ou seja, à medida que a inflamação óssea diminuía  no lado de indução, isto também ocorria no lado contralateral (tabela 3 e fig. 4). Esta relação direta da evolução da  inflamação ao longo do tempo não foi observada entre as  amostras de mucosa colhidas nos dois lados e nem entre amostras de mucosa e osso colhidos de um mesmo lado.

Figura 4 Gráfico mostrando graus médios de inflamação óssea  de ambos os lados ao longo do tempo.

Os exames de cultura tiveram uma positividade maior no lado onde a rinossinusite foi induzida, em relação ao lado contralateral, porém sem significância estatística. Os exames de cultura dos dois animais do grupo controle tiveram resultado negativo.

O Staphylococcus aureus e o Streptococcus pneumoniae, agentes utilizados na indução da rinossinusite, foram encontrados apenas no seio maxilar direito dos animais sacrificados mais precocemente. Outros micro-organismos, em sua maioria Gram negativos, como Escherichia coli, Acinetobacter baumanii e Pseudomonas aeruginosa, foram encontrados tanto no lado de indução quanto no contralateral, e ao longo dos diversos tempos de seguimento. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para os micro-organismos encontrados de ambos os lados. Também não se percebeu uma associação entre agentes etiológicos e lado de indução ou tempo de sacrifício, e nem entre agentes etiológicos e intensidade de inflamação (tabela 4).

Discussão

Modelos experimentais permitem avaliar desde aspectos relacionados à fisiopatogenia da rinossinusite, até a eficácia  de diversas formas de tratamento para esta doença.17-22 Dentre os inúmeros métodos descritos para a indução de rinossinusite, optamos pela introdução da esponja embebida em agente toxoide em uma das cavidades nasais dos animais. Além de ser um procedimento tecnicamente simples e eficaz, produzindo sinusite em 100% dos animas de diversos  estudos,22,23 causa pouca lesão na mucosa nasal e nenhuma lesão sinusal.

Talvez esta seja a principal característica que diferencie a presente investigação de outras descritas na literatura, em que se avalia inflamação óssea em modelos experimentais.3,10-13 Procedimentos realizados nestes estudos, como a obliteração do óstio maxilar com cola e a inoculação sinusal do agente infeccioso, realizados através de sinusotomia, rompem a parede osteomucosa, alteram o padrão de fluxo  mucociliar, danificam a rede vascular e causam um processo  inflamatório. Estes procedimentos também desnudam de  mucosa pequenas áreas do osso sinusal, nos locais de sinusotomia, e esta exposição óssea poderia facilitar o acometimento deste tecido por agentes patogênicos e suas toxinas. Razões semelhantes poderiam explicar, ao menos em parte, o aumento da incidência de osteíte em pacientes com RSC submetidos à cirurgia nasal prévia, se comparados àqueles nunca operados (de 6,7% para 58%).4

Foram observados sinais de inflamação acometendo os tecidos mucoso e ósseo, mais intensos nos grupos sacrificados  precocemente e no lado de indução. Estes achados sugerem que a inflamação óssea já observada por outros autores3,11-13 ocorre mesmo em modelos experimentais em que a obstrução do óstio maxilar é temporária e decorre, provavelmente, da infecção sinusal, e não do trauma relacionado a procedimentos de indução. Ainda assim, esta inflamação acomete os tecidos mucoso e ósseo não apenas do lado de indução, mas também do lado contralateral, de forma significativa.

No presente estudo, foi utilizada a classificação histológica proposta por Antunes et al., por se tratar de método empregado em modelo experimental de rinossinusite que avalia tanto o tecido ósseo quanto o mucoso.24 Por meio desta avaliação semiquantitativa, foi possível perceber uma correlação direta entre a intensidade da inflamação óssea  ocorrida no lado direito e no lado esquerdo. Ou seja, apesar de menos intensa no lado esquerdo, ambas diminuíram de forma semelhante ao longo do tempo. Esta associação não foi observada entre a inflamação mucosa de ambos os lados  e nem entre as inflamações óssea e mucosa de um mesmo  lado.

Seria possível imaginar que a inflamação frequentemente  observada no seio maxilar oposto ao de indução pudesse ser causada por uma infecção bacteriana oportunista, que se disseminaria pelas cavidades nasais e paranasais de ambos os lados, acometendo primeiro o tecido mucoso e após o tecido ósseo subjacente. Esta hipótese seria compatível com os resultados positivos encontrados nos exames de cultura de ambos os lados. Contudo, seria esperado que, neste caso, verificássemos uma correlação direta entre a intensidade da inflamação observada no tecido ósseo e a observada no tecido mucoso de um mesmo lado. Mas não entre o tecido ósseo de um lado e o tecido ósseo contralateral.

Perloff et al. observaram sinais de inflamações óssea e mucosa no lado contralateral, distantes do local de indução, em animais sacrificados entre sete e 13 semanas após o início do  experimento. Descreveram sinais de cronicidade e, entre os achados histológicos ósseos, observaram aumento de vascularização e alargamento dos canais do sistema harvesiano contendo células inflamatórias. Em alguns animais sacrificados  mais tardiamente, encontraram fibrose nestes canais.3 Khalid et al. relataram as mesmas alterações no sistema de canais harvesiano, inferindo que esta pudesse ser uma via de disseminação da inflamação para locais distantes. Observaram sinais de osteíte contralateral em animais sacrificados entre  sete e nove semanas após a infecção. Sugeriram, inclusive, a seguinte sequência de eventos para explicar essa propagação: doença mucosa no seio maxilar de um dos lados, entrada de agentes infecciosos e inflamatórios no osso adjacente, ativação do processo de remodelação óssea, acesso à rede vascular, disseminação através do osso para o lado contralateral e inflamação mucosa secundária contralateral.13

Na presente investigação foram observados um infiltrado  de células inflamatórias, uma proliferação de osteoblastos e  outras características de remodelação óssea, porém, não foram observadas alterações nos canais do sistema harvesiano. Talvez porque os animais tenham sido sacrificados mais  precocemente do que em outros estudos e porque o desbloqueio maxilar tenha limitado o processo inflamatório. Mas  mesmo sem alterações histológicas, esse sistema de canais pode permitir que mediadores inflamatórios se espalhem  para estruturas ósseas não contíguas. Isto explicaria o fato de encontrarmos sinais de inflamação no seio maxilar esquerdo no presente estudo e o fato de a intensidade da osteíte esquerda estar correlacionada à intensidade da osteíte direita, e não à inflamação da mucosa esquerda subjacente.  A propagação da inflamação para locais distantes pelo tecido ósseo implicaria que estes locais só melhorariam após melhora do sítio original de inflamação.

Um percentual maior de Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, agentes inoculados nos coelhos, foi encontrado no lado de indução e, nos animais sacrificados, mais precocemente. Em relação a outros patógenos, o mais frequentemente isolado foi a Escherichia coli. Diversos outros bacilos também foram observados, tanto Gram positivos, quanto Gram negativos. Muitos destes micro-organismos são patógenos oportunistas dos aparelhos respiratório e digestivo dos coelhos que, com o curso prolongado da rinossinusite e as consequentes alterações no trato respiratório superior, adquirem condições de se multiplicar e muitas vezes substituir o agente original causador da infecção, conforme o descrito por outros autores.23,25

Perloff et al. (2000) e Khalid et al. (2002) isolaram os agentes utilizados na indução em todos os animais sacrificados ao final do experimento. Talvez porque estes autores  tenham utilizado agentes mais patogênicos (Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus), associados à obliteração definitiva do seio.3,13 Westrin et al. utilizaram Streptococcus pneumoniae e Bacteroides fragilis na indução de rinossinusite experimental e estudaram alterações bacteriológicas subsequentes. Puderam observar a substituição do pneumococo nos exames de cultura após cinco dias, em média. Porém, identificaram o Bacteroides fragilis no dia do sacrifício de todos os animais em que haviam inoculado.10

Não encontramos correlação entre os germes identificados  nos exames de cultura e o grau de inflamação no tecido mucoso ou no tecido ósseo de ambos os lados. Isto é explicado pela ampla flora encontrada, boa parte composta por agentes  oportunistas que encontram condições de proliferar no seio inflamado, talvez relacionada ao método de indução.

Os achados do presente estudo mostram que a inflamação  óssea sinusal ocorre precocemente após a indução de rinossinute. Evidenciam também que não é necessária a manutenção prolongada da infecção e nem trauma cirúrgico para que o tecido ósseo subjacente seja acometido, e para que este acometimento se estenda para locais distantes. Pôdese perceber, ainda, que, apesar deste envolvimento inicial, a inflamação óssea no local de indução tende a melhorar  com o desbloqueio e a ventilação precoce do seio, e que esta melhora é acompanhada pela melhora da inflamação  óssea em locais distantes. Por fim, esta inflamação não ocorre apenas na presença de um agente etiológico específico, mas também na presença de uma flora diversa.

O envolvimento do osso na patogênese da rinossinusite, já abordado em pesquisas clínicas e experimentais anteriores, precisa ser melhor compreendido. Essa capacidade de transmitir a inflamação para locais distantes, conforme sugerem  os resultados do presente estudo, poderia explicar características observadas na clínica desta enfermidade, como a propagação da doença de um seio frontal ou esfenoidal para o outro, através do septo intersinusal, ou do seio etmoidal para a concha média. Poderia explicar também o porquê da persistência de sintomas em determinados doentes mesmo com tratamento clínico e a necessidade de se remover não apenas mucosa, mas também o osso subjacente, em casos específicos, para que se tenha melhora.

Porém, devemos ter cuidado ao extrapolar os achados de estudos experimentais para a clínica diária. A RSC, principalmente, não é apenas uma doença infecciosa, mas um processo multifatorial, com fatores predisponentes ambientais, individuais e genéticos do hospedeiro. Mesmo os achados inflamatórios e infecciosos deste estudo, compatíveis  com quadro de RSA, precisam ser testados em outros modelos, em diferentes períodos e avaliando-se outros agentes. Mas parece evidente que a inflamação nasossinusal neste  processo não se limita à mucosa, mas também ao osso subjacente, e a participação deste precisa de uma melhor compreensão para que se instituam tratamentos que reestabeleçam a normalidade em ambos os tecidos.

Conclusão

O presente estudo evidenciou a existência de sinais inflamatórios no tecido ósseo sinusal, que acometeu tanto o lado de indução quanto o contralateral, em um modelo de rinossinusite experimental em que não ocorre manipulação do seio paranasal.

Verificou-se uma correlação entre a inflamação óssea de  ambos os lados, porém não entre inflamação óssea e mucosa  de um mesmo lado.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 25 de junho de 2014;

aceito em 5 de agosto de 2014

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.03.003

Como citar este artigo: de Campos CA, Dolci EL, da Silva L, Dolci JE, de Campos CA, Dolci RL. Osteitis and mucosal inflammation in a rabbit model of sinusitis. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:312-20.

☆☆ Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia, Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

* Autor para correspondência.

E-mail: guto-campos@uol.com.br (C.A.C. de Campos).

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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