O tumor edematoso de Pott (TEP) foi descrito pela primeira vez em 1760 por Sir Percival Pott.1–3 Trata‐se de um abcesso subperiosteal do osso frontal com osteomielite, configura uma complicação extracraniana de sinusite frontal aguda.2,4 É mais comum em adolescentes, devido ao aumento da vascularização na circulação diploica do seio frontal nessa faixa etária, o que permite a propagação mais rápida da infecção.1
Relato de casoPaciente do sexo masculino, 13 anos, com história de infecções de vias aéreas superiores recorrentes, foi internado com febre, dor de cabeça e fotofobia com 11 dias de evolução, com diagnóstico presuntivo de meningite aguda (punção lombar revelou 93% de leucócitos polimorfonucleares no LCR). Antibioticoterapia intravenosa empírica foi iniciada com ceftriaxona e vancomicina. No sétimo dia, apresentou evolução desfavorável com reaparecimento da febre, dor de cabeça forte, edema periorbitário direito e tumefação frontal direita. Foi então transferido para nossa instituição, um hospital terciário. Na admissão, sua única queixa era de dor no olho direito. Ao exame físico, estava apirético, mas com edema perceptível, rubor e celulite ao redor do olho direito. A tumefação frontal direita com flutuação era palpável (fig. 1). Não apresentava rinorreia na rinoscopia anterior ou posterior. Os sinais meníngeos foram negativos, assim como outros sinais neurológicos focais. Os resultados laboratoriais mostravam Hb=11,7g/dL, sem leucocitose, mas com aumento da proteína C‐reativa (79,9mg/L). A tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais, crânio e órbitas indicava pan‐sinusite complicada com abcesso frontal subcutâneo, empiema inter‐hemisférico e abcesso orbitário direito (fig. 2).
O paciente foi submetido a uma cirurgia multidisciplinar de urgência: otorrinolaringologistas drenaram o abcesso subcutâneo frontal com uma abordagem supraciliar direita e trepanação do seio frontal; neurocirurgiões fizeram uma craniotomia frontal com drenagem do empiema inter‐hemisférico e frontal; e oftalmologistas drenaram o abcesso orbitário por meio de orbitotomia direita. Antibioticoterapia intravenosa empírica foi instituída e incluiu vancomicina, ceftriaxona e metronidazol, além de analgesia, descongestionante nasal e lavagens nasais. Embora o paciente apresentasse boa evolução após os procedimentos cirúrgicos, no 27o dia após a admissão uma cirurgia endoscópica funcional nasossinusal (FESS) foi feita (antrostomia direita, etmoidectomia anterior e sinusotomia frontal), além de turbinoplastia inferior bilateral e adenoidectomia. O período pós‐operatório não apresentou intercorrências. O paciente evoluiu favoravelmente. A tomografia computadorizada no pós‐operatório (dois meses após FESS) mostrou apenas opacidade do seio maxilar direito, em um paciente assintomático (fig. 3). Não houve resultados microbiológicos das amostras de pus coletado nas cirurgias. O paciente recebeu alta no 43o dia, assintomático, após completar um período de tratamento de sete semanas com ceftriaxona e vancomicina e seis semanas de metronidazol.
DiscussãoA sinusite aguda frontal pode evoluir com complicações intra ou extracranianas, por meio da disseminação venosa (mais frequente) com tromboflebite das veias diploicas e êmbolos sépticos;2,4 ou por extensão direta,4 o que é possível em três direções: através da parede posterior, o que causa empiema ou abcesso epidural, empiema subdural, abcesso cerebral ou meningite; através da parede anterior, o que causa um TEP; e/ou através da parede inferior, com complicações orbitais.1,5 Tem sido descrito que 85% dos pacientes com TEP têm também envolvimento intracraniano.6 A presença de complicações pode ser devida a uma falha no diagnóstico precoce dessa entidade,7 o que é raro hoje em dia, já que poucos casos foram descritos na era pós‐antibiótica.3 Os sintomas e sinais normalmente presentes são cefaleia, rinorreia purulenta, febre e tumefação frontal com flutuação e, às vezes, celulite periorbitária.1,8 O exame gold‐standard é a TC de alta resolução, que confirma a presença de osteomielite na parede externa do seio frontal, indica TEP e revela a presença de complicações intracranianas ou intraorbitárias.9,10 Os agentes bacterianos mais frequentemente envolvidos são Staphylococcus aureus, Estreptococos sp e anaeróbios.1,2,10 Muitas vezes, a infecção é polimicrobiana. As culturas podem ser negativas quando o tratamento anterior com antibióticos foi instituído.3 O tratamento é médico e cirúrgico.1–5 Tratamento com antibióticos intravenosos de amplo espectro com boa penetração no SNC e cobertura para anaeróbios deve ser instituído por pelo menos seis a oito semanas (os mais comumente usados são clindamicina, ceftriaxona, metronidazol, vancomicina) e a drenagem cirúrgica das áreas afetadas deve ser feita,1,5 muitas vezes necessitando de abordagem multidisciplinar, incluindo profissionais das áreas de otorrinolaringologia, neurocirurgia e oftalmologia.
ConclusãoO tumor edematoso de Pott é uma entidade rara, causada por um abcesso subperiosteal e muitas vezes associada a uma complicação de sinusite frontal. Sinusite frontal não diagnosticada ou parcialmente tratada pode levar ao aparecimento do tumor. O caso que apresentamos é ainda mais incomum, pois houve complicação, com envolvimento orbitário e intracraniano do tumor. Intervenções médicas e cirúrgicas rápidas são necessárias para impedir que essas complicações aumentem a morbidade e a mortalidade.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Costa L, Leal LM, Vales F, Santos M. Pott's puffy tumor: rare complication of sinusitis. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:812–4.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.