Compartilhar
Informação da revista
Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 283-289 (Maio - Junho 2021)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
2867
Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 283-289 (Maio - Junho 2021)
Artigo original
Open Access
Prevalência de doenças da orelha média em nativos chilenos e o impacto do desenvolvimento ao longo de 14 anos
Visitas
2867
Mario Tapiaa, Thomas Schmidtb,
Autor para correspondência
schmidtp@udec.cl

Autor para correspondência.
a Complejo Asistencial Dr. Victor Ríos Ruiz, Otolaryngology Department, Los Angeles, Chile
b Universidad de Concepción, Specialty Department, Otolaryngology, Head and Neck Surgery, Concepción, Chile
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (4)
Mostrar maisMostrar menos
Tabelas (2)
Tabela 1. Dados socioeconômicos e demográficos da região de Biobío em 2012, comunidade do Alto Biobío em 1998 e 2012
Tabela 2. Resultados demográficos gerais
Mostrar maisMostrar menos
Resumo
Introdução

A prevalência de doenças da orelha média e seus fatores de risco já foram objeto de múltiplos estudos. A alta prevalência dessas doenças foi descrita entre os nativos da América do Norte, principalmente a otite média crônica. Tais estudos não foram feitos na América do Sul.

Objetivo

Descrever a prevalência de doenças da orelha média e fatores de risco em crianças de idade escolar, nativos do sul do Chile pertencentes à etnia Mapuche, bem como o impacto de mudanças socioeconômicas e demográficas após 14 anos de desenvolvimento.

Método

Foram feitas duas avaliações otológicas com intervalo de 14 anos em escolares com percentual da população indígena acima de 85%. Dados socioeconômicos e demográficos foram coletados a partir de dados estatísticos oficiais nacionais.

Resultados

Foram examinados 1.067 escolares. Foram encontrados diversos fatores de risco descritos para doença otológica. Foi encontrada uma prevalência geral de 0,19% para perfuração da membrana timpânica, 5,6% para retrações da pars tensa, 1,5% para retração da pars flácida e 11,1% de otite média com efusão. Houve várias melhorias socioeconômicas após 14 anos. A diferença entre a prevalência de sintomas e a presença de otite média com efusão foi estatisticamente significante (p<0,001).

Conclusões

Apesar da presença de vários fatores de risco para doença da orelha média, a população estudada apresentou baixa prevalência da doença. O fator étnico parece ser protetor.

Palavras‐chave:
Otite média crônica
Orelha média
Otite média
Nativo
Qualidade de vida
Texto Completo
Introdução

A prevalência de doenças de orelha média e seus fatores de risco motivaram vários estudos.1–13 Entre os fatores de risco descritos, encontram‐se otite média aguda recorrente, baixo status socioeconômico, baixo acesso a cuidados médicos, superlotação nas moradias, desnutrição, déficit de água potável e instalações sanitárias, entre outros. As taxas de doenças de orelha média variam de acordo com a população estudada. Existem certos grupos étnicos com maior probabilidade de desenvolvê‐las.14,15

A prevalência de doenças otológicas varia de acordo com o país e a data do estudo. No Chile, em 1973, Rosenblut e Carcamo16 descreveram uma prevalência de 2,12% de otite média crônica (OMC) em estudantes de 6 a 15 anos que residiam na região oeste de Santiago do Chile. Houve diferença significativa entre os grupos socioeconômicos, mais frequente no grupo de baixa renda. Além disso, Otte et al.17 descreveram que a OMC foi a doença ambulatorial mais frequente em unidades de otorrinolaringologia em várias clínicas públicas, o que foi confirmado por Wess et al.18 3 anos depois. O último estudo de prevalência foi feito em 1999, que descreveu uma prevalência de 0,3% para otite média crônica na população urbana de crianças em idade escolar na capital do Chile.19

A alta prevalência de doença de orelha média e principalmente a OMC no Chile foi intuitivamente atribuída à miscigenação com a etnia nativa. Essa afirmação pode ser apoiada pela teoria da origem comum com os nativos americanos, como Apaches, Inuit e Navajos, nos quais foi demonstrada maior prevalência de doenças de orelha média.14,15 No entanto, não há estudos sobre a prevalência de doença de orelha média nos nativos continentais chilenos ou em outros nativos da América do Sul.

As comunidades indígenas representam 4,6% da população do país, o que corresponde a 692.192 cidadãos pertencentes a grupos étnicos (Yámana, Rapanui, Quechua, Mapuche, Colla, Aymara, Atacameño, Alacalufe), dos quais 604.349 são Mapuches (87,3%).20

Alto Biobío é uma comunidade chilena localizada nos Andes (latitude 38°37’26” Sul 71°57’54” Oeste), que faz fronteira com a Argentina ao leste. A temperatura média anual é de 11,3°C, com precipitação pluviométrica total de 2.192mm por ano. É classificado como Csb, de acordo com a classificação de Köppen‐Geiger, uma classificação climática natural global que identifica cada tipo de clima com uma série de letras, indica o comportamento das temperaturas e precipitações que caracterizam esse tipo de clima.21 Sua população é de 11.486 habitantes e 74% pertencem à etnia Mapuche nativa. Essa é uma comunidade com altas taxas de população rural e grupos de baixa renda, além de altas taxas de déficit de serviços sanitários, desnutrição e acesso limitado a serviços de saúde (o hospital de referência mais próximo fica a 53 quilômetros). Além disso, tem baixo nível educacional, baixo índice de desenvolvimento humano e alta vulnerabilidade social. A população está exposta ao mesmo clima, qualidade do ambiente, tipo de residência e serviços sanitários. Eles frequentam as mesmas escolas e instituições de saúde, recebem assim a mesma qualidade educacional, nutrição escolar e assistência médica.22,23 A frequência escolar é obrigatória pela lei no Chile há 12 anos. Todos os estabelecimentos de ensino nessa região são públicos.

Em 2004, a abertura da usina hidrelétrica Ralco causou o deslocamento da população.24 Esse evento causou uma mudança significativa nos alojamentos e nas condições sanitárias e educacionais das pessoas de Alto Biobío. É importante mencionar que Alto Biobío foi declarado como uma comunidade independente em 2004 e, portanto, as estatísticas oficiais dessa comunidade não estão incluídas naquelas de outras comunidades somente a partir de 2006.

Decidimos focar nosso estudo em dois objetivos específicos: (1) descrever a prevalência de doença da orelha média em crianças Mapuche nativas e determinar o impacto de sua etnia na doença; (2) analisar os resultados após 14 anos de desenvolvimento socioeconômico e ambiental.

Dadas as más condições externas, esperava‐se encontrar uma alta taxa de doenças da orelha média na população estudada. As condições controladas nesse grupo permitiram evitar a predominância de fatores extrínsecos. Portanto, representa um grupo propício para avaliar a influência do fator étnico nas doenças da orelha média.

Método

Foram feitas duas avaliações em crianças nativas do Alto Biobío com intervalo de 14 anos entre elas. Nas duas ocasiões, as avaliações foram feitas em 10 escolas nas quais mais de 85% dos estudantes pertencem à etnia Mapuche. A amostra foi dividida em dois grupos. A população da amostra avaliada em 2 e 3 de novembro de 1998 foi designada como Grupo 1 e a população da amostra avaliada em 12 e 13 de abril de 2012 foi designada como Grupo 2. Cada avaliação foi feita por três otorrinolaringologistas e residentes; um exame otológico foi feito com um otoscópio óptico. Os resultados foram classificados como maiores: perfuração da membrana timpânica, retração da pars tensa, retração da pars flácida e otite média com efusão (OME) e menores; membrana timpânica dimérica e miringoesclerose e os pacientes foram perguntados a respeito de sintomas otológicos como perda auditiva, otalgia e otorreia no mês anterior. Dados socioeconômicos, demográficos, sanitários e educacionais foram coletados das famílias de alunos, referências escolares e estatísticas oficiais nacionais.20,22,23 Os dados coletados foram analisados pelo programa estatístico IBM SPSS v23.0.0.0. A variável contínua (idade) em relação às variáveis dicotômicas foi analisada com o teste U de Mann‐Whitney; o teste qui‐quadrado e o de Fisher foram feitos para variáveis dicotômicas categóricas.

Resultados

De acordo com dados nacionais oficiais, em 1992, 234.541 Mapuches residiam entre as regiões de Biobío e Los Lagos do Chile, onde 4.656 deles viviam no setor de Alto Biobío. Em 2013, 11.486 Mapuches estavam registrados na comunidade do Alto Biobío.20

Em 1998, sua população rural era de 84,4%, o percentual de etnia indígena era de 71% e a escolaridade média era de 4,98 anos. Eles apresentavam uma alta taxa de superlotação na moradia, com uma média de 4,33 pessoas por casa (43% dos domicílios tinham cinco ou mais moradores). Em 69,9% das residências não havia acesso a água potável e/ou tinham instalações sanitárias deficientes e 21,88% não tinham equipamentos em suas casas (eletricidade, gás, TV ou rádio). Havia apenas uma clínica de saúde rural para toda a comunidade em 1998 e eles recebiam duas visitas por semana de clínicos gerais de Santa Barbara (a cidade mais próxima). Um total de 70% dos cuidados de saúde nessa área era prestado pela medicina opcional nativa. Não havia programa de alimentação escolar e 25% das crianças menores de 6 anos estavam abaixo do peso. Nesse ano, a taxa de mortalidade infantil foi de 22,73 por 1.000 recém‐nascidos.20,25,26

Em 2012, eles apresentaram um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,637 e um Índice de Vulnerabilidade (IV) de 0,674. A comunidade rural constituía 80,5% da população, bem acima da média regional (16,5%), o percentual de etnia indígena era de 74,1% e a escolaridade média de 6,3 anos. Um programa de alimentação escolar já tinha sido implantado em todos os estabelecimentos de ensino; 2,9% das crianças menores de 6 anos estavam abaixo do peso. A taxa de superlotação na moradia diminuiu significativamente de ano para ano, constituiu apenas 1,2% dos domicílios; entretanto, 49,1% viviam em condições ruins e 30,6% dos habitantes pertenciam à população da classe social mais pobre (população carente). Em 67,7% das casas não havia acesso a água potável ou as instalações sanitárias eram deficientes, era a comunidade com a menor taxa de serviços sanitários da região.

O acesso aos cuidados médicos foi um dos fatores que melhoraramsubstancialmente, pois contavam com 8 clínicas de saúde rurais e um centro de saúde da família; portanto, o número de pessoas que preferiam a medicina opcional nativa diminuiu significativamente e agora os cuidados de saúde são prestados principalmente por médicos. Naquele ano, a mortalidade infantil foi de 9,4 por 1.000 recém‐nascidos20,22,23 (tabela 1). Nos dois grupos, a exposição passiva ao tabaco foi semelhante e baixa devido à falta de acesso da comunidade a esses produtos e aos baixos recursos econômicos para manter esse hábito; no entanto, nas famílias, o uso de fogões a lenha e carvão, sem um sistema de exaustão, é maior do que a taxa atual na população urbana da região e, portanto, sua exposição à fumaça de biomassa é maior. Os sujeitos do estudo foram avaliados em seus estabelecimentos de ensino; outros fatores como nutrição materna, histórico familiar ou assistência de creche não foram analisados.

Tabela 1.

Dados socioeconômicos e demográficos da região de Biobío em 2012, comunidade do Alto Biobío em 1998 e 2012

  Alto Biobío 1998  Alto Biobío 2012  Região de Biobío 2012 
Comunidade rural  84,4%  80,5%  16,5% 
Indígena  71,0%  74,1%  5,22% 
Escolaridade (anos)  4,98  6,3  9,9 
Pobreza  ND  49,1%  21% 
Indigência  21,9%  30,6%  5,2% 
População abaixo do peso em crianças abaixo de 6 anos  25%  2,9%  2,5% 
Superlotação de moradia  23,8%  1,2%  0,8% 
Déficit de instalações sanitárias e/ou de água potável  69,9%  67,7%  9,2% 
Prestador de cuidados de saúde nativo  70%  10%  <1% 
Índice de mortalidade infantil total  2006: 22,73 / 1.000 RN  9,4 / 1.000 RN  8,5 / 1.000 NB 

ND, dados não disponíveis; Escolaridade, Número médio de anos de educação formal das pessoas com 25 anos ou mais; RN, recém‐nascidos; Superlotação, Pessoas que moram em uma casa/número de quartos na casa>2,5.

Foram examinados 1.067 escolares (2.134 orelhas), 530 estudantes na primeira avaliação e 537 na segunda. Desses, 47,3% eram do sexo masculino e 52,7% do feminino, com média de 9,54 anos (tabela 2). Ao fazer uma análise geral de homogeneidade entre os dois grupos, a diferença entre ambas as médias gerais foi estatisticamente significante. Houve uma prevalência geral de 0,18% para OMC (2 orelhas avaliadas), 5,6% para retração da pars tensa (60 orelhas avaliadas), 1,5% para retração da pars flácida (16 orelhas avaliadas) e 11,1% de OME (118 orelhas avaliadas). Os achados menores foram membrana timpânica dimérica em 2,53% (27 orelhas) e timpanoesclerose, em 12,9% (138 orelhas).

Tabela 2.

Resultados demográficos gerais

  1998  2012  Total 
Alunos examinados (n)  530  537  1.067 
Faixa etária (anos)  3 – 17  0 – 18  0 – 18 
Média de idade (anos)  10  9,08  9,54 
Gênero Masculino/Feminino (%)  46,8 / 53,2  47,8 / 52,1  47,3 / 52,7 
Mês (estação)  Novembro (Primavera)  Abril (Outono)   

No grupo 1 (1.998), foram avaliados 530 escolares. A média foi de 10 anos, variou de 3 a 17. Desses, 53,2% eram do sexo feminino e 46,8% do masculino. Eram assintomáticos 95,1%, e 4,9% sintomáticos. Os sintomas eram otalgia (3,8%) seguida de perda auditiva (0,9%) e otorreia (0,19%). Houve 21,1% de achados otoscópicos patológicos, 13,4% deles foram achados maiores: perfuração da membrana timpânica, 0,18% (uma orelha), retração da pars tensa em 3,5% (38 orelhas), retração da pars flácida em 0,9% (10 orelhas) e otite média com efusão em 8,8% (94 orelhas). Achados menores foram observados em 7,6% dos casos: membrana timpânica dimérica em 1,2% (13 orelhas) e timpanoesclerose em 6,4% (68 orelhas) (figs. 1‐3).

Figura 1.

Prevalência geral de sintomas na população estudada em 1998 (Grupo 1) e na população estudada em 2012 (Grupo 2). * Diferença estatisticamente significante entre as duas avaliações (p<0,001).

(0,1MB).
Figura 2.

Sintomas otológicos no Grupo 1 (1998) e Grupo 2 (2012). * Diferença estatisticamente significante entre as duas avaliações (p<0,001).

(0,09MB).
Figura 3.

Prevalência de achados otológicos por orelha em 1998 e 2012. * Diferença estatisticamente significante entre as duas avaliações (p<0,001).

(0,18MB).

No grupo 2 (2012), 537 escolares foram avaliados. A idade média foi de 9,08 anos, variou de 3 a 18 anos. Desses, 52,1% eram do sexo feminino e 47,9% do masculino. Eram assintomáticos 82,7%, e 17,3% sintomáticos. Os sintomas foram otalgia (11,9%), seguida de perda auditiva (5,2%) e otorreia (0,19%). Houve 12,7% de achados otoscópicos patológicos, 4,9% deles achados maiores: perfuração da membrana timpânica em 0,18% (uma orelha), retração da pars tensa em 2,02% (22 orelhas), retração da pars flácida em 0,55% (6 orelhas) e otite média com efusão em 2,23% (24 orelhas). Achados menores foram observados em 7,8% dos casos: membrana timpânica dimérica em 1,3% (13 orelhas) e timpanoesclerose em 6,5% (70 orelhas) (figs. 1‐3).

A distribuição dos pacientes em cada grupo foi avaliada de acordo com a idade (fig. 4). Um teste de homogeneidade foi feito pelo teste do qui‐quadrado, no qual o grupo entre 6 e 10 anos mostrou ser homogêneo (p<0,05).

Figura 4.

Distribuição dos pacientes nos grupos por idade em 1998 e 2012.

(0,13MB).

De todos os achados avaliados, houve diferença estatisticamente significante nos sintomas e achados otoscópicos (p<0,001). Em relação aos sintomas, eles aumentaram de 4,9% para 17,3%, devido ao aumento da otalgia e perda auditiva (p<0,001). Em relação aos achados otoscópicos, a OME diminuiu significantemente, foi observada uma redução de 8,8% para 2,2% (p<0,05). Todos os outros parâmetros medidos não mostraram diferenças significantes.

Discussão

A prevalência de doenças de orelha média e seus fatores de risco têm sido amplamente estudados. Aspectos como gênero, estado nutricional, condições de habitação, ambientais e ocupacionais estão entre esses fatores. Também foi constatado que outros aspectos, como condições atópicas, rinite alérgica, infecções do trato respiratório superior, tabagismo, aleitamento materno, refluxo faríngeo e o fator étnico, influenciam essas doenças.1–15 A influência desses fatores nas doenças de orelha média foi publicada anteriormente com resultados diversos. Da mesma forma, foi descrita uma prevalência mais alta de doenças da orelha média em Inuits e Esquimós,14,15,27–30 crianças indígenas americanas31–33 e hispânicas.34 A relevância desse fator nas doenças de orelha média já foi comprovada na literatura.35

A população do Alto Biobío é homogênea em relação ao seu status socioeconômico; não há grandes diferenças socioeconômicas entre as famílias da comunidade. Todas as escolas dessa comunidade são estabelecimentos de ensino público gratuito, portanto a amostra das crianças avaliadas é representativa da comunidade do Alto Biobío. Esperávamos encontrar maior prevalência de doenças otológicas em nosso estudo. Eles pertencem a um grupo étnico nativo exposto a vários fatores de risco, como alta taxa de pobreza e indigência, condições ambientais adversas, fornecimento deficiente de água potável e serviços sanitários e acesso limitado a clínicas de saúde. No entanto, nosso estudo mostrou que as crianças Mapuche do Alto Biobío apresentaram uma baixa prevalência de doenças de orelha média, semelhante à população Rapanui estudada por Goycoolea et al.36 e menor do que aquela observada no estudo com escolares de Santiago em 1999,19 Rosenblut et al.16 O estudo em Santiago do Chile foi feito em escolas com diferentes status socioeconômico e às taxas publicadas por Otte et al.17 em um estudo multicêntrico que abrangeu a região de Tarapacá até a região de Magallanes.

Houve várias mudanças após 14 anos, como a implantação de um programa de alimentação escolar, escolaridade, melhores moradias com uma diminuição significativa de superlotação e melhor acesso aos cuidados médicos. Entretanto, isso não teve impacto significativo na prevalência das doenças de orelha média, comparando ambos os grupos e observando‐se uma taxa semelhante de OMC. Em relação aos sintomas otológicos, é notável o aumento significativo de otalgia e perda auditiva apresentado no Grupo 2. Também é importante a diminuição da taxa de alterações observadas pelo exame otoscópico do Grupo 2, com uma diminuição estatisticamente significante nos casos de otite média com efusão (OME). Devido às diferentes estações das avaliações entre os dois grupos (primavera e outono), não é possível descartar que a diferença estatisticamente significante das taxas de OME entre esses grupos possa ser secundária a esse fator externo; portanto, nesse ponto, não é possível estabelecer um resultado de impacto significativo das mudanças socioeconômicas, habitacionais e sanitárias após 14 anos.

De acordo com a história genética indígena da América, a população indígena da América do Sul poderia pertencer ao grupo dos ameríndios descendentes dos primeiros povos que migraram da Ásia para a América através da Beríngia.37 No entanto, houve uma segunda migração denominada grupo Nadené, à qual pertencem os Apaches e Navajos. Eles têm taxas mais altas de doenças de orelha média entre os diferentes povos nativos americanos e podem ter uma ligação mais próxima com os esquimós, que também têm taxas mais altas dessas doenças. Como demonstrado em nosso estudo, os Mapuches têm uma prevalência mais baixa de doenças de orelha média, diferente dos nativos americanos. É interessante observar as semelhanças nas taxas de doenças de orelha média em nosso grupo com a população de Rapanui estudada por Goycoolea et al.36

Conclusão

Os escolares Mapuche do Alto Biobío têm uma prevalência mais baixa de doenças de orelha média do que a média continental urbana chilena e os nativos americanos. A exposição a vários fatores de risco, como condições ambientais, socioeconômicas, nutricionais e sanitárias deficientes, não tem impacto significativo sobre a baixa prevalência dessas doenças.O fator étnico parece ser um fator protetor importante para essa população. Nossas descobertas devem incentivar novos estudos sobre fatores de risco para doenças de orelha média.

Declaração

Aprovação ética: este artigo não contém estudos com animais ou ensaios clínicos com seres humanos.

Informações da apresentação: os resultados foram apresentados no Annual Meeting 2017 of the German Society of Oto‐Rhino‐Laryngology, Head and Neck Surgery, Congress Center der Messe Erfurt, Thüringen, Alemanha. 24 a 27 de maio de 2017.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

A nossos colegas Alfredo L. Santamaría, Juan P. Ulloa, Jenaro R. Benavente, Pablo J. Rosel, David M. Astudillo, Gino A. Marisio e Katherine S. Figueroa, que participaram das avaliações, forneceram informações e conhecimentos que ajudaram em muito a pesquisa. Agradecemos também a Giovanni E. Concha, pela assistência com a metodologia e estatística.

Referências
[1]
Y. Zhang, M. Xu, J. Zhang, L. Zeng, Y. Wang, Q.Y. Xheng.
Risk factors for chronic and recurrent otitis media–a meta‐analysis.
PLoS One., 9 (2012 23), pp. e86397
[2]
D.W. Teele, J.O. Klein, B. Rosner.
Epidemiology of otitis media during the first seven years of life in children in greater Boston: a prospective cohort study.
J Infect Dis, 160 (1989), pp. 83-94
[3]
K.A. Daly, J.E. Brown, B.R. Lindgren, M.H. Meland, C.T. Le, G.S. Giebink.
Epidemiology of otitis media onset by six months of age.
Pediatrics., 103 (1999), pp. 1158-1166
[4]
A.J. Leach, P.S. Morris.
Perspectives on ineffective ear disease in indigenous Australian children.
J Paediatr Child Health., 37 (2001), pp. 529-530
[5]
M. Uhari, K. Mantysaari, M. Niemela.
A meta‐analytic review of the risk factors for acute otitis media.
Clin Infect Dis., 22 (1996), pp. 1079-1083
[6]
L. Vernacchio, S.M. Lesko, R.M. Vezina, M.J. Corwin, C.E. Hunt, H.J. Hoffman.
Racial/ethnic disparities in the diagnosis of otitis media in infancy.
Int J Pediatr Otorhinolaryngol., 68 (2004), pp. 795-804
[7]
Y.B. Amusa, I.K. Ijadunola, O.O. Onayade.
Epidemiology of otitis media in a local tropical African population.
West Afr J Med., 24 (2005), pp. 227-230
[8]
P.S. Morris, A.J. Leach, P. Silberberg, G. Mellon, C. Wilson, E. Hamilton, et al.
Otitis media in young Aboriginal children from remote communities in Northern and Central Australia: a cross‐sectional survey.
BMC Pediatr., 5 (2005), pp. 27
[9]
M.L. Casselbrant, E.M. Mandel, H.E. Rockette, M. Kurs-Lasky, P.A. Fall, C.D. Bluestone, et al.
The genetic component of middle ear disease in the first 5 years of life.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg., 130 (2004), pp. 273-278
[10]
B.P. Lanphear, R.S. Byrd, P. Auinger, C.B. Hall.
Increasing prevalence of recurrent otitis media among children in the United States.
Pediatrics., 99 (1997), pp. E1
[11]
K. Daly, G.S. Giebink, C.T. Le, B. Lindgren, P.B. Batalden, R.S. Anderson, et al.
Determining risk for chronic otitis media with effusion.
Pediatr Infect Dis J., 7 (1988), pp. 471-475
[12]
B. Duncan, J. Ey, C.J. Holberg, A.L. Wright, F.D. Martinez, L.M. Taussig.
Exclusive breast‐feeding for at least 4 months protects against otitis media.
Pediatrics., 91 (1993), pp. 867-872
[13]
MartinesF, D. Bentivegna, E. Maria, V. Sciacca, E. Martines.
Risk factors for otitis media with effusion: case‐control study in Sicilian schoolchildren.
Int J Pediatr Otorhinolaryngol., 75 (2011), pp. 754-759
[14]
J.D. Baxter.
Otitis media in Inuit children in the Eastern Canadian Arctic ? an overview ? 1968 to date.
Int J Pediatr Otorhinolaryngol., 49 (1999 5), pp. S165-S168
[15]
A.T. Curns, R.C. Holman, D.K. Shay, J.E. Cheek, S.F. Kaufman, R.J. Singleton, et al.
Outpatient and hospital visits associated with otitis media among American Indian and Alaskan Native children younger than 5 years.
Pediatrics., 109 (2002), pp. E41-E51
[16]
B. Rosenblut, G. Cárcamo, T. Carvajal.
Encuesta sobre otitis media crónica en escuelas de educación básica. Aspectos socioeconómicos involucrados en la producción de la enferme‐ dad.
Rev Otorrinolaring., 33 (1973), pp. 22-24
[17]
J. García.
Investigación de algunos problemas de la otitis media crónica en Chile.
Rev Otorrinolaring., 33 (1973), pp. 1-21
[18]
I. Wess, A. Peña.
Análisis de 19.618 consultas y su proyección hacia la atención y docencia otorrinolaringológica.
Rev Otorrinolaring., 36 (1976), pp. 5-9
[19]
E. Niklitschek, R. Segovia.
Prevalencia de otitis media crónica en población escolar, sector occidente de Santiago, 1999.
Rev Otorrinolaringol Cir Cabeza Cuello., 59 (1999), pp. 65-71
[20]
Instituto Nacional de Estadistica. Estadisticas sociales de los pueblos indigenas en Chile ? Censo 2002 [Social statistics of indigenous people in Chile ? Census 2002]. Santiago, Chile: Ministerio de Planificación Nacional; 2005.
[21]
Rioseco, Reinaldo y Tesser, Claudio: Cartografía Interactiva de los climas de Chile [en línea]. Instituto de Geografía. Pontificia Universidad Católica de Chile. www.uc.cl/sw_educ/geografia/cartografiainteractiva.[Accessed 14 Apr. 2016].
[22]
Biblioteca del Congreso Nacional de Chile. Reporte estadístico comunal 2012 Alto Biobío. Available from: http://reportescomunales.bcn.cl/2012/index.php/Al‐to_Biob%C3%ADo#Poblaci.C3.B3n_seg.C3.BAn_etnia_declarada_Casen_2003‐2006‐2009.[Accessed 14 Apr. 2016].
[23]
Guiñez D, Gaete C. Diagnostico Alto Biobío 2013. Unidad de Epidemiologia. Seremi de salud región del Biobío. Available from: http://www.seremidesaludbiobio.cl/epide‐miologia/archivos/diagnosticos/2013/comunales/PROVINCIA_BIOBIO/altobiobio.pdf.[Accessed 14 Apr. 2016].
[24]
Comisión Nacional de Energía. [online] Comisión Nacional de Energía. Available at: http://www.cne.cl.[Accessed 14 Apr. 2016].
[25]
MIDEPLAN. Encuesta de Caracterización Socioeconómica (CASEN). Santiago: Ministerio de Planificación. Available from: http://observatorio.ministerio‐ desarrollosocial.gob.cl/layout/doc/casen/Pobreza.pdf.[Accessed 14 Apr. 2016].
[26]
SEREMI de salud Bio Bio, Ministerio de salud. Plataforma de Análisis de Estadísticas Vitales, Unidad de Bioestadística. Available from: http://www.seremidesaludbiobio.cl/paev.[Accessed 14 Apr. 2016].
[27]
C.R. Hayman, F.E. Kester.
ENT infections in natives of Alaska.
Northwest Med., 56 (1957), pp. 423
[28]
D. Ling, R.H. McCoy, E.D. Levinson.
The incidence of middle ear disease and its educational implications among Baffin Island Eskimo children.
Can J Public Health., 60 (1969), pp. 385-390
[29]
C.J. Kaplan, J.K. Fleshman, T.R. Bender.
Long term effects of otitis media: a ten‐year cohort study of Alaskan Eskimo children.
Pediatrics., 52 (1974), pp. 577-585
[30]
J.L. Paradise.
Otitis media in infants and children.
Pediatrics., 65 (1980), pp. 917-943
[31]
R.D. Zonis.
Chronic otitis media in the Southwestern American Indian.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg., 88 (1968), pp. 360-369
[32]
B.J. Jaffe.
The incidence of ear disease in the Navajo Indians.
Laryngoscope., 70 (1969), pp. 2126-2134
[33]
R.J. Wiet.
Patterns of ear disease in the Southwestern American Indian.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg., 105 (1979), pp. 381-385
[34]
D.F. Smith, E.F. Boss.
Racial/ethnic and socioeconomic disparities in the prevalence and treatment of otitis media in children in the United States.
Laryngoscope., 120 (2010), pp. 2306-2312
[35]
G. Spivey, N. Hirschhorn.
A migrant study of adopted Apache children.
Johns Hopkins Med J., 40 (1977), pp. 43-46
[36]
H.G. Goycoolea, M.V. Goycoolea, C.R. Farfan.
Racial and familial factors in otitis media.
Arch Otolaryngol Head Neck Surg., 114 (1988), pp. 147-149
[37]
D. Reich, N. Patterson, D. Campbell, A. Tandon, S. Mazieres, N. Ray, et al.
Reconstructing Native American population history.
Nature., 16 (2012), pp. 370-374

Como citar este artigo: Tapia M, Schmidt T. Prevalence of middle ear disease in Chilean natives and the impact of development over 14 years. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:283–9.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Copyright © 2021. Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.