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Vol. 88. Núm. 3.
Páginas 331-336 (Maio - Junho 2022)
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Vol. 88. Núm. 3.
Páginas 331-336 (Maio - Junho 2022)
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Relação entre a influência da gravidade da apneia obstrutiva do sono e alterações craniofaciais e do posicionamento do osso hioide
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Manoela M. Soaresa, Fabio L. Romanoa, Franciele V. da Silva Diasb, Jaqueline F. de Souzab, Leila A. de Almeidac, Carolina S. Miurad, Carla E. Itikawaa, Mirian A. Matsumotoa, Wilma T. Anselmo‐Limad, Fabiana C.P. Valerad,
Autor para correspondência
a Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Divisão de Ortodontia, Ribeirão Preto, SP, Brasil
b Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Hospital das Clínicas, Divisão de Fonoaudiologia, Ribeirão Preto, SP, Brasil
c Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Hospital das Clínicas, Departamento de Neurociências, Ribeirão Preto, SP, Brasil
d Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Hospital das Clínicas, Divisão de Otorrinolaringologia, Ribeirão Preto, SP, Brasil
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Resumo
Introdução

A relação entre a intensidade da apneia obstrutiva do sono e alterações esqueléticas da face e do hioide em crianças é pouco explorada na literatura.

Objetivo

Avaliar se a intensidade da apneia obstrutiva do sono correlaciona‐se às alterações craniofaciais e ao posicionamento do osso hioide em crianças em fase de dentição mista.

Método

Foram submetidas 76 crianças entre 7 e 10 anos à avaliação otorrinolaringológica, polissonografia e avaliação ortodôntica, inclusive cefalometria. Os participantes foram divididos em 3 grupos: grupo 1 com ronco primário, grupo 2 com apneia obstrutiva do sono leve e grupo 3 com apneia obstrutiva do sono moderada/grave. Foram analisadas medidas cefalométricas da face e do osso hioide. Essas medidas foram comparadas entre si dentro dos diferentes grupos por teste t de Student não pareado. Além disso, essas medidas foram correlacionadas com a variável índice de apneias obstrutivas e hipopneias do paciente através do teste de correlação de Pearson.

Resultados

Das 76 crianças, 14 constituíram o grupo 1, ronco primário; 46 o grupo 2, apneia obstrutiva do sono leve; e 16 o grupo 3, apneia obstrutiva do sono moderada/grave. Não se observou diferença significante entre os grupos para as variáveis craniofaciais. Observou‐se maior distância do osso hioide ao plano mandibular nos dois grupos com apneia obstrutiva do sono quando comparado ao ronco primário (p <0,05). Entre os dois subgrupos da apneia obstrutiva do sono, os pacientes com doença moderada ou grave apresentaram distância horizontal entre o hioide e a parede posterior da faringe significantemente menor (p <0,05), quando comparados aos grupos com apneia obstrutiva do sono leve. Observamos ainda correlação significantemente positiva entre índice de apneias obstrutivas e hipopneias e a distância do hioide ao plano mandibular (p <0,05) e significantemente negativa entre índice de apneias obstrutivas e hipopneias e distância horizontal do hioide com a parede posterior da faringe (p <0,01).

Conclusão

Não observamos relação da apneia obstrutiva do sono com alterações lineares laterais da face. Em contraste, existe relação direta entre a gravidade da apneia obstrutiva do sono e a posição inferior e posterior do osso hioide em crianças entre 7 e 10 anos.

Palavras‐chave:
Apneia obstrutiva do sono
Criança
Osso hioide
Cefalometria
Alterações craniofaciais
Texto Completo
Introdução

A apneia obstrutiva do sono (AOS) na infância é definida por eventos obstrutivos que interrompem a ventilação e alteram a arquitetura durante o sono, seja por obstrução parcial prolongada ou completa e intermitente das vias aéreas superiores1. Tem prevalência de 1% a 4% da população infantil1–3 e os principais sintomas relacionados são roncos, apneias presenciadas, sono agitado e enurese noturna, acompanhados de agitação, desatenção ou hipersonolência diurnas.1 Quando persistente, a AOS pode levar a alterações neurocognitivas, alterações de desenvolvimento neuropsicomotor ou ponderal, hipertensão arterial sistêmica ou disfunções cardíacas.1,3

O diagnóstico baseia‐se na presença dos sintomas mencionados associados a alterações na polissonografia (PSG). A PSG é considerada exame padrão‐ouro para a diagnóstico da doença,1,3,4 pois diferencia as crianças portadoras de ronco primário (sem grandes repercussões ventilatórias) das que apresentam AOS, além estratificar a intensidade da AOS.

De acordo com Kaditis et al.,3 as alterações craniofaciais estão entre os fatores mais frequentemente associados à AOS em crianças. Essa associação é evidente em crianças sindrômicas com deficiências de terço médio da face (síndromes de Apert, Crouzon e Pfeiffer) e em pacientes com hipoplasia de mandíbula (síndromes de Pierre‐Robin e Treacher Collins). Adicionalmente, formas menos extremas também podem estar presentes em crianças não sindrômicas. Entre as principais alterações relacionadas à AOS, podemos citar a atresia maxilar, retrusão maxilar e mandibular e face alongada.3,5 Por causa dessa possível associação, a cefalometria é considerada um exame importante na avaliação de pacientes com AOS.

A relação entre AOS e alterações craniofaciais é mais bem descrita em adultos. Nessa faixa etária, além das alterações citadas acima, o posicionamento mais inferior e posterior do hioide está diretamente relacionado à presença e à intensidade da AOS,6–8 além de maior chance de AOS residual após uvulopalatofaringoplastia.9

Em crianças, existem poucos em literatura que tenham avaliado a posição do hioide e a sua relação com a intensidade da apneia. Vieira et al.10 relataram que crianças com AOS apresentam hioide mais inferiorizada do que crianças respiradoras nasais na mesma faixa etária. Os autores, no entanto, não avaliaram se a intensidade da AOS guarda relação com esses parâmetros. Em um modelo estatístico multivariado, Au et al.11 relataram que inferiorização do hioide esteve associada a maior risco para AOS, independentemente de idade, sexo ou obesidade.

Diante disso, o objetivo do presente estudo foi o de avaliar se existe relação entre a gravidade da AOS e as características esqueléticas, faciais e do posicionamento do osso hioide em crianças na faixa etária escolar, através da cefalometria.

Método

Foram avaliadas crianças pertencentes ao Centro do Respirador Bucal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo) com sintomas de distúrbios respiratórios do sono. Foram critérios de inclusão: crianças de ambos os gêneros; em fase de dentição mista e entre 7 e 10 anos; com sintomas respiratórios e alta suspeita diagnóstica de AOS; com qualquer padrão facial ou padrão oclusal. Os critérios de exclusão foram: crianças com síndromes genéticas e as com histórico prévio de cirurgia otorrinolaringológica, de tratamento ortodôntico e/ou fonoaudiológico; pacientes com mal estado de conservação dentária, ou em que a troca dos dentes não permitisse a avaliação ortodôntica; pacientes que apresentaram percentil acima de 95 no IMC (índice de massa corporal).

Após esclarecimento sobre a pesquisa e assinaturas dos termos de assentimento pela criança e o de consentimento livre e esclarecido pelo responsável, os participantes foram submetidos à avaliação clínica otorrinolaringológica, quando os sintomas respiratórios tiveram sua presença confirmada e as causas foram identificadas. Dentro da avaliação clínica, foram obtidos o IMC (para confirmação de que a criança não tinha obesidade), o grau de hipertrofia das tonsilas palatinas à oroscopia (pela classificação de Brodsky)12 e o grau de obstrução da adenoide em relação à coana por meio da endoscopia nasal. Crianças com outras causas para obstrução respiratória, além da hipertrofia adenoamigdaliana ou da rinite alérgica, foram descartadas nessa fase.

Todos os participantes da pesquisa fizeram o exame de PSG para a confirmação da ausência ou presença da AOS e para estratificação da sua gravidade. Para isso, foram adotados os parâmetros da American Academy of Sleep Medicine de 2012 (AASM 2012).13 A PSG foi feita em polígrafo digital BioLogic® e analisada com o software SleepScan Vision® (versão 2.03.05). Os parâmetros avaliados foram: eletroencefalograma (F3‐M2, F4‐M1, C3‐M2, C4‐M1, O1‐M2, O2‐M1), eletro‐oculograma bilateral (E1‐M2 e E2‐M2), eletrocardiograma (derivação V2 modificada), eletromiograma superficial em mento (2 canais), masseteres bilateralmente e em músculos tibiais anteriores bilateralmente, sensor de posição, termístores nasal e oral (sensor de fluxo aéreo e térmico Pro‐Tech®), capnografia (“end tidal” CO2, Capnochek®, Smith Medical) com dois canais, cintas pletismográficas (pletismógrafo de indutância respiratória Pro‐Tech zRIP®), pulso‐oxímetro e microfone.

Ao contrário dos adultos, para os quais os critérios diagnósticos e de estratificação para AOS são bem estabelecidos, em crianças a classificação e a estratificação para AOS ainda são motivos de debate.14 Em nosso centro, usamos os critérios adaptados da European Respiratory Society Task Force,3 que em 2016 consideraram critério diagnóstico para a AOS quando a criança tinha sintomas ou morbidades associadas e: a) IAH ˃ 2; ou b) IAOH ˃ 1. Ainda, de acordo com o Task Force, crianças com índices acima de 5 necessitam de cuidados mais intensos, com menor taxa de resolução espontânea e maior chance de comorbidades.

Assim, como todas as crianças do presente trabalho apresentavam sintomas respiratórios, elas foram estratificadas de acordo com o índice de apneia obstrutiva e hipopneia (IAOH) em:

  • Grupo 1 (RP – Ronco Primário): crianças com sintomas respiratórios e polissonografia que confirmava a presença de roncos, mas com IAOH ˂1;

  • Grupo 2 (AOSL – AOS leve): crianças com IAOH entre 1 e 5;

  • Grupo 3 (AOSMG – AOS moderada a grave): crianças com IAOH ˃ 5.

Os participantes foram então submetidos a radiografia em plano lateral e análise cefalométrica, para avaliação de medidas craniofaciais e relacionadas ao posicionamento do osso hioide (fig. 1). Usaram‐se as seguintes medidas:

  • N‐Me: distância linear que representa a altura facial anterior total.

  • N‐ENA: distância linear que expressa a altura facial anterior superior.

  • ENA‐Me: distância linear que indica a altura facial anterior inferior.

  • S‐Go: distância linear que representa a altura facial posterior total.

  • HYS: distância linear que representa a distância entre o hioide e a base do crânio.

  • HYMP: distância linear entre o hioide e o plano mandibular (Go‐Me).

  • horiz.d‐H: medida linear do ponto Hy (hioide) até a parede posterior da faringe.

  • vert.d‐H: distância linear do ponto Hy (hioide) até o plano palatal (ENA‐ENP)

  • C3‐H: medida linear do ponto Hy (hioide) até o ponto C3 (coluna cervical).

Figura 1.

Medidas lineares analisadas no presente estudo: N‐Me, altura facial anterior total; N‐ENA: altura facial anterior superior; ENA‐Me: altura facial anterior inferior; S‐Go, altura facial posterior total; HYS, distância entre o hioide e a base do crânio; HYMP, distância entre o hioide e o plano mandibular (Go‐Me); horiz.d‐H, medida entre o ponto Hy (hioide) e a parede posterior da faringe; vert.d‐H, distância do ponto Hy (hioide) até o plano palatal (ENA‐ENP); C3‐H: medida do ponto Hy (hioide) até o ponto C3 (coluna cervical).

(0,1MB).

Foi tomado o cuidado para que todas as avaliações fossem feitas com no máximo 2 meses de intervalo entre si.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (Processo número 6599/2013).

Análise estatística

Os dados das avaliações otorrinolaringológica e polissonográfica são descritivos e foram usados para divisão dos pacientes nos grupos específicos, portanto não foram comparados estatisticamente.

Para a comparação das variáveis cefalométricas entre os grupos, foi aplicado o teste t de Student não pareado com correção de Welch, considerou‐se que a distribuição das amostras passou no teste de normalidade, mas não era uniforme. Além disso, todas as medidas cefalométricas foram correlacionadas com o valor do IAOH, por meio do coeficiente de correlação de Pearson. Para todas as análises foi usado o programa Graphpad Prism 6.0. Foi considerado estatisticamente diferente quando o valor de p <0,05.

Resultados

Participaram da pesquisa 76 crianças, com média de 8,2±1,1. As crianças foram divididas em: grupo RP, composto por 14 crianças, 9 meninos e 5 meninas (idade média de 8,2±1,2); e grupo AOS, constituído por 62 participantes, 34 do sexo masculino e 28 do feminino (idade média de 8,2±1,3). O grupo AOS foi subdivido nos subgrupos: AOSL, com 46 sujeitos, 29 meninos e 17 meninas (idade média de 8,3±1,1); e AOSMG, com 16 indivíduos, 5 meninos e 11 meninas (idade média de 8,2±1,4). A média do índice IAOH foi de 0,5±0,2 para o grupo RP; 2,4±1,1 para o grupo AOSL; e 13,0±8,4 para o grupo AOSMG.

As medidas cefalométricas craniofaciais foram inicialmente comparadas entre os pacientes com AOS e o grupo RP (tabela 1), não foi observada diferença em qualquer medida linear da face analisada quando esses dois grupos foram comparados. O mesmo resultado foi ainda observado quando comparamos os grupos AOSL e AOSMG (tabela 2): não houve diferença entre os dois grupos para qualquer medida craniofacial.

Tabela 1.

Comparação das medidas craniofaciais entre os grupos AOS e RP

Variáveis  RP  AOS  95% IC 
N‐Me  101,6±1,6  102,0±0,8  0,82  ‐3.41;4,21 
N‐ENA  44,3±0,7  44,1±0,4  0,83  ‐1,95;1,60 
ENA‐Me  60,2±1,2  60,9±0,6  0,58  ‐2,02;3,51 
S‐Go  62,0±1,5  61,4±0,5  0,70  ‐3,95;2,74 

95% IC, intervalo de confiança 95%; RP, ronco primário; AOS, apneia obstrutiva do sono; N‐Me, altura facial anterior total; N‐ENA, altura facial anterior superior; ENA‐Me, altura facial anterior inferior; S‐Go, altura facial posterior total.

Tabela 2.

Comparação das medidas craniofaciais entre os subgrupos de AOSLvs. AOSMG

Variáveis  AOSL  AOSMG  95% IC 
N‐Me  101,8±1,0  102,5±1,4  0,66  ‐2,71;4,17 
N‐ENA  44,0±0,5  44,4±0,8  0,71  ‐1,63;2,34 
ENA‐Me  60,7±0,7  61,4±0,9  0,56  ‐1,67;3,04 
S‐Go  61,4±0,5  61,8±1,2  0,84  ‐3,03;2,51 

95% IC, intervalo de confiança de 95%; AOSL, apneia obstrutiva do sono leve; AOSMG, Apneia abstrutiva do sono moderada‐grave; N‐Me, altura facial anterior total; N‐ENA, altura facial anterior superior; ENA‐Me, altura facial anterior inferior; S‐Go, altura facial posterior total.

Para as medidas relacionadas ao posicionamento do hioide, quando comparados os grupos RP e AOS, verificou‐se que as crianças com AOS apresentaram posicionamento do hioide significantemente mais inferiorizado em relação ao plano mandibular (HyMP: 10,9±0,9 para o grupo RP vs. 13,1±0,5 para o grupo AOS, p <0,05; 95% IC: 0,08;4,32) (tabela 3). Na comparação entre os subgrupos da AOS (tabela 4), crianças com AOSMG apresentaram distância do hioide à parede posterior da faringe significantemente menor do que as com AOSL (horiz.d‐H: 24,3±0,4 para AOSL e 22,4±0,8 para AOSMGp <0,05; 95% IC: ‐3,76;‐0,20).

Tabela 3.

Comparação dos dados cefalométricos do posicionamento do osso hioide entre os grupos AOS e RP

Variáveis  RP  AOS  95% IC 
Hys  86,4±1,3  88,5+0,9  0,18  ‐1,05;5,25 
HyMP  10,9±0,9  13,1±0,5  0,03a  0,08;4,32 
horiz.d‐H  23,7±0,8  24,3±0,6  0,57  ‐1,51;2,65 
vert.d‐H  48,6±0,9  50,6±0,7  0,08  ‐0,27;4,31 
C3‐H  30,3±0,5  31,2±0,4  0,20  ‐0,50;2,27 

95% IC, intervalo de confiança de 95%; RP, ronco primário; AOS, apneia obstrutiva do sono; HYS, distância entre o hioide e a base do crânio; HYMP, distância entre o hioide e o plano mandibular (Go‐Me); horiz.d‐H, medida entre o ponto Hy (hioide) e a parede posterior da faringe; vert.d‐H, distância do ponto Hy (hioide) até o plano palatal (ENA‐ENP); C3‐H, medida do ponto Hy (hioide) até o ponto C3 (coluna cervical).

a

Valor com diferença estatística.

Tabela 4.

Comparação dos dados cefalométricos do posicionamento do osso hioide entre os subgrupos de AOSLvs. AOSMG

Variáveis  AOSL  AOSMG  95% IC 
Hys  88,4±1,0  88,8±1,9  0,85  ‐3,96;4,75 
HyMP  12,8±0,6  14,2±0,6  0,08  ‐0,22;3,21 
horiz.d‐H  24,3±0,4  22,4±0,8  0,03a  ‐3,76;‐0,20 
vert.d‐H  50,5±0,8  50,9±1,4  0,83  ‐2,98;3,66 
C3‐H  30,9±0,5  32,0±1,0  0,31  ‐1,14;3,39 

95% IC, intervalo de confiança de 95%; AOSL, apneia obstrutiva do sono leve; AOSMG, apneia obstrutiva do sono moderada‐grave; HYS, distância entre o hioide e a base do crânio; HYMP, distância entre o hioide e o plano mandibular (Go‐Me); horiz.d‐H, medida entre o ponto Hy (hioide) e a parede posterior da faringe; vert.d‐H, distância do ponto Hy (hioide) até o plano palatal (ENA‐ENP); C3‐H, medida do ponto Hy (hioide) até o ponto C3 (coluna cervical).

a

Valor com diferença estatística.

Ao se correlacionar o IAOH a todas as medidas cefalométricas (tabela 5), foi encontrada correlação significantemente positiva entre a intensidade da apneia e a distância do hioide ao plano mandibular (HYMP: R=0,236; p <0,05; 95% IC: 0,011;0,438) (fig. 2); e correlação significantemente negativa da intensidade da apneia com a distância do hioide à parede posterior da faringe (horiz.d‐H: R=‐0,307; p <0,01; 95% IC: ‐0,498;‐0,087) (fig. 3). As outras medidas não se correlacionaram com o IAOH.

Tabela 5.

Correlação entre o IAOH e cada medida cefalométrica. Dados avaliados por meio do teste de correlação de Pearson

Variáveis  95% IC 
N‐Me  0,095  0,411  ‐0,132;0,314 
N‐ENA  0,092  0,428  ‐0,136;0,428 
ENA‐Me  0,104  0,368  ‐0,123;0,322 
S‐Go  0,027  0,815  ‐0,199;0,251 
HYS  0,105  0,363  ‐0,122;0,323 
HYMP  0,236  0,040a  0,011;0,438 
horiz.d‐H  ‐0,307  0,006a  ‐0,498;‐0,087 
vert.d‐H  0,096  0,397  ‐0,129;0,317 
C3‐H  0,138  0,233  ‐0,090;0352 

95% IC, intervalo de confiança de 95%; AOSL, apneia obstrutiva do sono leve; AOSMG, apneia obstrutiva do sono moderada‐grave; HYS, distância entre o hioide e a base do crânio; HYMP, distância entre o hioide e o plano mandibular (Go‐Me); horiz.d‐H, medida entre o ponto Hy (hioide) e a parede posterior da faringe; vert.d‐H, distância do ponto Hy (hioide) até o plano palatal (ENA‐ENP); C3‐H, medida do ponto Hy (hioide) até o ponto C3 (coluna cervical).

a

Valores com diferenças estatísticas.

Figura 2.

Correlação de Pearson entre a medida cefalométrica HYMP com o valor do IAOH, demonstra relação positiva entre a intensidade da apneia e a distância do hioide com o plano mandibular.

(0,05MB).
Figura 3.

Correlação de Pearson entre a medida cefalométrica horiz.d‐H com o valor do IAOH, demonstra relação negativa entre a intensidade da apneia e a distância do hioide com a parede posterior da faringe.

(0,06MB).
Discussão

Em adultos, a relação entre AOS e alterações craniofaciais é mais bem estabelecida e alguns artigos demonstram que pacientes adultos com AOS apresentam, no geral, retroposicionamento de maxila e mandíbula, inferiorização do hioide em relação à mandíbula ou à maxila e aumento da altura anterior da face.6,7,15,16 Entre todas as medidas cefalométricas relacionadas à AOS em adultos, as mais consistentes em literatura, inclusive respaldadas com estudos de metanálise,7 são as relacionadas ao posicionamento mais inferior do hioide. Existe um racional de que a inferiorização do hioide esteja associada à via aérea mais longa e, portanto, mais susceptível ao colapso faríngeo. Além disso, acredita‐se que a inferiorização do hioide esteja associada a menor tonicidade da musculatura supra‐hioideia e em base da língua, o que potencializaria o colapso.

O objetivo do presente estudo foi observar se as características esqueléticas faciais, bem como o posicionamento do hioide, traziam alguma relação com a gravidade da apneia obstrutiva do sono em crianças entre 7 e 10 anos de idade, antes do estirão de crescimento da adolescência. O principal propósito do presente estudo foi o de avaliar se essas alterações ósseas já aconteciam nessa faixa etária, ou se desenvolviam no decorrer da adolescência. Para confirmar a presença da apneia, todas as crianças foram não apenas submetidas ao exame de PSG, considerado padrão‐ouro para diagnóstico e estratificação da AOS,1,3 mas também avaliadas por equipe multidisciplinar, composta de otorrinolaringologista, neurologista e ortodontista. Para que se contemplassem todos os propósitos do estudo dentro de questões éticas, optou‐se que o grupo controle fosse constituído por pacientes com sintomas respiratórios, portanto elegíveis para a polissonografia, mas sem critérios AOS. Essas crianças foram então consideradas como portadoras de ronco primário.

Apesar de não ter sido escopo da nossa análise, observamos que 45% das crianças do grupo AOS foi composto por meninas. A distribuição homogênea entre os gêneros entre as crianças com AOS é descrita na literatura,1,3 não houve predomínio entre os sexos nessa faixa etária. Apesar de não significante estisticamente, houve, no entanto, predomínio do sexo feminino na amostra de pacientes com AOS moderada‐grave, enquanto nos outros dois grupos houve predomínio do sexo masculino.

As medidas craniofaciais lineares de alturas faciais não foram estatisticamente diferentes entre os grupos, seja entre pacientes com AOS versus os com ronco primário, como também quando comparamos os grupos AOSL e os com AOSMG. Ou seja, no presente grupo, não encontramos relação entre AOS e medidas lineares faciais. Esse resultado vai ao encontro do obtido por Au et al.,11 que também não observaram diferenças entre as medidas craniofaciais entre os grupos AOS e controle, nem correlação dessas medidas com a gravidade da AOS. No entanto, Zicari et al.17 observaram que crianças com ronco primário (com diagnóstico baseado em polissonografia e questionários clínicos) apresentavam alterações na angulação entre maxila e mandíbula, divergência total e padrão de crescimento facial. Vieira et al.10 observaram maior altura facial anterior total e inferior no grupo com AOS em comparação aos sem sintomas de apneia, porém sem confirmação polissonográfica. Essa diferença de resultado entre os estudos pode ter ocorrido por divergência nos critérios de seleção, ou pelos diferentes padrões faciais apresentados pelos pacientes.

O osso hioide é importante em várias funções, entre elas a deglutição, e na manutenção das dimensões das vias aéreas superiores. Nossos resultados mostram que esse osso se encontra mais inferiorizado em relação ao plano mandibular no grupo com AOS em comparação ao grupo ronco primário e que os pacientes com AOS moderada‐grave apresentaram distância do hioide significativamente menor em relação à parede posterior da faringe quando comparados aos com AOS leve. Os dados do presente estudo estão de acordo com os apresentados por Pirilä‐Parkkinen et al.18 e Vieira et al.,10 que também observaram o hioide mais inferiorizado em relação ao plano mandibular nos pacientes com AOS. Cabe ressaltar que os dois estudos aqui citados observaram também um padrão de crescimento vertical em seus pacientes, o que difere do presente estudo. Além disso, Pirilä‐Parkkinen et al.18 estudaram medidas cefalométricas diferentes das aqui avaliadas.

Observamos ainda que há uma relação linear entre o IAOH e algumas medidas: quanto maior o IAOH, maior a distância do hioide à mandíbula,e menor a distância desse mesmo osso à parede posterior da faringe. Portanto, quanto mais longa e mais estreita é a faringe da criança, maior a chance da mesma apresentar apneia obstrutiva do sono e de maior intensidade. Esses resultados estão de acordo com os do estudo de Au et al.,11 no qual a inferiorizacão do hioide esteve relacionada à intensidade da AOS nessa faixa etária.

Interessantemente, apesar do IAOH trazer relação inversa significante com a medida horiz.d‐H, essa relação não foi observada com outra medida de posicionamento horizontal do hioide, a C3‐H. Como a C3‐H avalia o distanciamento do hioide à coluna posteriormente, enquanto a horiz.d‐H avalia a distância do hioide à parede posterior da faringe, podemos inferir que esse achado possa se dar pelo estreitamento da faringe. Possíveis causas para esse estreitamento poderiam ser a flacidez da musculatura em hipofaringe ou o acúmulo de gordura nessa região.

Este estudo apresenta algumas limitações: a distribuição entre os grupos não foi homogênea, porque a grande maioria das crianças com sintomas respiratórios do sono mostrou‐se à polissonografia como portadora de AOS leve, enquanto um número menor de pacientes era incluído nos grupos ronco primário ou AOS moderada‐grave. No entanto, há de se comentar que o desvio‐padrão de cada uma das medidas em cada grupo foi extremamente pequeno, inferior a 2%, portanto os grupos podem ser considerados representativos. Um outro viés do presente estudo foi o predomínio de meninas no grupo AOS moderada‐grave, em contraposição ao predomínio de meninos nos outros dois grupos; esse viés pode ter influenciado nos nossos resultados.

De acordo com os presentes achados, podemos inferir que a AOS, em crianças entre 7 e 10 anos, parece não estar relacionada às alterações craniofaciais. Em contrapartida, o posicionamento inferior e posterior do hioide já é uma medida observada desde essa faixa etária e a persistência dessa associação pode ser um fator importante para a persistência da AOS na adolescência ou até mesmo na adultícia.

Conclusão

Em crianças na fase de dentição mista, as alterações craniofaciais não estão consistentemente relacionadas à presença da apneia obstrutiva do sono. Por um outro lado, o posicionamento do hioide mais inferior e posterior, que leva ao alongamento e estreitamento da faringe, parece ser um fator predisponente para AOS em crianças.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Soares MM, Romano FL, Dias FV, de Souza JF, de Almeida LA, Miura CS, et al. Association between the intensity of obstructive sleep apnea and skeletal alterations in the face and hyoid bone. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:331–6.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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