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Vol. 86. Núm. 6.
Páginas 815-819 (Novembro - Dezembro 2020)
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Vol. 86. Núm. 6.
Páginas 815-819 (Novembro - Dezembro 2020)
Relato de caso
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Septorhinoplasty in sickle cell anemia: a case report
Rinosseptoplastia em anemia falciforme: relato de caso
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Can Alper Çağicia,
Autor para correspondência
ccagici@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Süheyl Asmab, Mesut Şenerc
a Gazipasa Mahallesi Baraj Caddesi, Baskent University Adana Seyhan Hospital, Otorhinolaryngology Department, Adana, Turquia
b Gazipasa Mahallesi Baraj Caddesi, Baskent University Adana Seyhan Hospital, Hematology Department, Adana, Turquia
c Gazipasa Mahallesi Baraj Caddesi, Baskent University Adana Seyhan Hospital, Anesthesiology Department, Adana, Turquia
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Introdução

A anemia falciforme é uma doença hereditária causada pela presença de hemoglobina S, um tipo anormal de hemoglobina. Crises hemolíticas e vaso‐oclusivas são as principais manifestações da anemia falciforme.1 A desoxigenação da hemoglobina S pode resultar na polimerização da hemoglobina intracelular, o que altera a morfologia e a flexibilidade celulares. A perda de flexibilidade das células vermelhas do sangue resulta na oclusão de capilares e subsequentes crises vaso‐oclusivas, que causam ataques de dor severa. Crises vaso‐oclusivas recorrentes podem resultar em acidente vascular cerebral, insuficiência renal, hipertensão pulmonar, doença da retina e necrose avascular.1,2 Infecção, hipóxia, desidratação, acidose, exercícios em excesso, estresse psicológico, trauma, uso de cocaína, exposição ao frio e altitude elevada são fatores predisponentes a crises vaso‐oclusivas.1 A maioria desses fatores pode ser observada durante a anestesia geral e pode ser controlada com profilaxia antibiótica, oxigenação, hidratação, manutenção da temperatura corporal e controle da dor pós‐operatória.3–5 Tal como acontece com outros tipos de cirurgia estética, a rinoplastia é um processo eletivo e pode ser evitada nesse grupo de doentes de alto risco. Isso provavelmente explica por que não encontramos relatos sobre esse tema na literatura. Acredita‐se que o presente caso seja a primeira operação estética em uma paciente com anemia falciforme, o que faz com que qualquer procedimento cirúrgico que requer um procedimento anestésico seja de alto risco.

Relato de caso

Mulher de 29 anos apresentava obstrução nasal. O septo se encontrava desviado para a esquerda; a válvula nasal interna era estreita no mesmo lado. Procurou assistência médica para ser capaz de respirar pelo nariz mais facilmente e por isso solicitou correção da deformidade externa (figs. 1‐3) no mesmo momento da correção cirúrgica do desvio de septo. Tinha um histórico de septoplastia prévia e era acompanhada pelo Departamento de Hematologia, devido à anemia falciforme. A paciente forneceu permissão por escrito para a publicação de suas fotografias.

Figura 1.

Vista frontal do paciente no pré‐operatório (esquerda) e em um mês de pós‐operatório (direita).

(0,2MB).
Figura 2.

Vista lateral do paciente no pré‐operatório (esquerda) e em um mês de pós‐operatório (direita).

(0,21MB).
Figura 3.

Vista basal do paciente no pré‐operatório (esquerda) e em um mês de pós‐operatório (direita).

(0,21MB).

A avaliação laboratorial revelou uma concentração sérica de sódio de 138 mEq/L; potássio, 4,81 mEq/L; cálcio, 9,19mg/dL; fósforo, 3,63mg/dL; ureia, 10mg/dL; creatinina sérica, 0,44mg/dL; e ácido úrico, 3,32mg/dL. A contagem de glóbulos vermelhos era de 1,87×106 mm3 e a de glóbulos brancos de 5.960 mm3; a concentração de hemoglobina era de 8,4g/dL e o hematócrito de 25,7%. O tempo de tromboplastina parcial ativada era<26 s e o de protrombina, 13,8 s; a razão normalizada internacional era de 1:1. A concentração de aspartato aminotransferase era de 35 IU/L; alanina aminotransferase, de 20 IU/L; fosfatase alcalina, de 55 IU/L; e gama‐glutamiltransferase, de 25 IU/L. A concentração de desidrogenase láctica sérica estava elevada em 346 IU/L (variação normal, 90‐240). A concentração de proteína C‐reativa era<3mg/L e a taxa de sedimentação de eritrócitos estava elevada, em 61mm/h.

O Departamento de Hematologia avaliou a paciente no período pré‐operatório. Foram administradas duas bolsas de eritrócitos em suspensão três dias antes da cirurgia e suas concentrações de hematócrito e hemoglobina aumentaram de 25,7% e 8,4g/dL para 32% e 11g/dL, respectivamente. Ela foi avaliada pelo Departamento de Anestesiologia e seu risco foi classificado como estado físico II segundo parâmetros da Sociedade Americana de Anestesiologia.

O acesso ao septo foi obtido por meio de incisão de transfixação. O septo estava desviado para a esquerda. Observou‐se a presença de ampla haste em L que havia sido deixada no local durante a septoplastia anterior. Embora fosse suficiente em largura, a haste em L não era forte o bastante para suportar o dorso e precisou ser reforçada. Obtivemos um enxerto de cartilagem do septo, levantamos a haste em L intacta, que tinha 1cm de largura. Reforçamos o septo e suturamos os enxertos de cartilagem à haste em L, do lado direito.

As cartilagens laterais inferiores foram obtidas com incisões infracartilaginosas e intercartilaginosas. Foi feita mínima ressecção cefálica em ambos os lados. O domus foi suturado a partir dos lados cefálicos, aproximados por suturas interdomais. Foram necessários enxerto de ponta nasal e de extremidade lateral e decidimos obtê‐los da cartilagem auricular. Obtivemos um enxerto da cartilagem conchal do lado direito. O lado doador foi fechado em primeiro lugar. O enxerto de ponta nasal foi suturado à ponta com fio de sutura de ácido poliglicólico 5/0. Um enxerto de extremidade lateral foi colocado sob a cartilagem lateral inferior esquerda.

O dorso nasal foi raspado, bem como a convexidade no osso nasal direito. O local da cartilagem foi fechado com fio de sutura polidioxanone 5‐0. Duas camadas de cartilagem esmagada foram colocadas na área da sobreponta nasal. A ressecção da base alar foi feita no lado esquerdo. Talas septais Doyle foram introduzidas nas passagens nasais. Uma tala nasal térmica externa foi aplicada. A operação foi encerrada sem complicações.

O procedimento de septorrinoplastia foi feito sob anestesia geral. Os níveis de saturação de oxigênio da paciente foram cuidadosamente monitorados, pois uma diminuição deles poderia desencadear uma crise falciforme. A saturação mínima de oxigênio foi de 99%. A paciente foi aquecida perioperativamente por meio de um sistema de aquecimento de pacientes. Não usamos epinefrina para evitar uma possível crise vaso‐oclusiva e usamos apenas 2% de cloridrato de lidocaína como anestésico local. Além disso, não usada bolsa de gelo no rosto, rotina em pacientes submetidos a rinoplastia.

O período pós‐operatório transcorreu sem qualquer grande hemorragia. Não foi necessária a administração adicional de suspensão de eritrócitos. No 1° dia do pós‐operatório, a concentração de hematócrito e hemoglobina foi de 25,2% e 8,9g/dL, respectivamente. Não houve problemas de circulação na pele nasal, quer no período pós‐operatório imediato ou tardio. No momento da redação deste artigo, a paciente respirava com facilidade pelo nariz e estava feliz com sua aparência externa (figs. 1‐3).

Discussão

Septorrinoplastia é a operação estética mais frequentemente feita. No entanto, não há dados na literatura sobre essa cirurgia estética em pacientes com anemia falciforme. Foi feita uma septorrinoplastia por abordagem fechada em uma paciente com anemia falciforme e, neste caso, acredita‐se ser esta a primeira operação estética feita nesse grupo de pacientes. A abordagem fechada é a nossa preferência para esse tipo de procedimento.

A hemoglobina S é menos flexível do que a hemoglobina normal, causa a oclusão dos capilares e subsequentes crises vaso‐oclusivas. A diminuição da concentração de hemoglobina S e melhoria da anemia por transfusão de sangue pré‐operatória diminui o risco de complicações pós‐operatórias em pacientes com doença falciforme.6 Os pacientes com anemia falciforme podem receber transfusão simples ou de troca. Na transfusão simples, o nível de hemoglobina aumenta secundariamente à transfusão de sangue. Na transfusão de troca, a hemoglobina S é removida do sangue do paciente e substituída por uma transfusão de sangue de um indivíduo saudável. O objetivo da transfusão de troca é diminuir a concentração de hemoglobina S para<30%. A transfusão de troca tem as vantagens de diminuir o nível de hemoglobina S, sem aumentar o hematócrito e a viscosidade do sangue.3 Por um lado, uma revisão da Cochrane não relatou qualquer diferença entre transfusão de simples e de troca em termos de prevenção de complicações da cirurgia ou anemia falciforme; no entanto, as evidências da revisão para essa ausência de diferença foi insuficiente.7 Por outro lado, a transfusão de sangue está associada a graves complicações potenciais, tais como a transmissão de infecção, a sobrecarga de ferro e as reações de transfusão.7 Embora a transfusão possa ser feita em até 2 semanas antes da cirurgia, ela deve ser feita 24 horas antes da cirurgia, para manter uma alta capacidade de transporte de oxigênio.7

O afoiçamento dos eritrócitos na anemia falciforme resulta em crises vaso‐oclusivas, que podem causar danos a órgãos e dor. Essas crises podem ser desencadeadas por infecção, acidose, trauma, consumo de cocaína, exposição ao frio, estresse, desidratação e hipóxia.1 A maioria desses fatores de predisposição para crises vaso‐oclusivas pode ser observada durante a anestesia geral e deve ser evitada. A hipotermia, que pode resultar no afoiçamento dos eritrócitos, deve ser evitada. Isso pode ser facilmente alcançado por meio de aquecimento da sala de operação ou do paciente.3 A aplicação de uma compressa fria na face, que é rotineiramente aplicada no pós‐operatório em rinoplastia, também deve ser evitada. A hidratação perioperatória do paciente é importante, assim como mantê‐lo aquecido. A hipóxia também pode desencadear o afoiçamento. A anestesia geral diminui temporariamente o nível de oxigênio no sangue, o que pode ser perigoso para pacientes com anemia falciforme. Portanto, a saturação de oxigênio também deve ser monitorada de perto. Além disso, alguns medicamentos (por exemplo, descongestionantes, tais como pseudoefedrina ou epinefrina) podem causar vasoconstrição e tornar mais difícil para as células falciformes moverem‐se livremente através dos vasos sanguíneos. Uma solução anestésica local, que não contenha epinefrina, deve ser usada em pacientes com anemia falciforme. Com os devidos cuidados, as operações sob anestesia geral podem ser seguras em pacientes com anemia falciforme. Evitar a desidratação, a baixa temperatura do corpo e a dessaturação de oxigênio, bem como o uso de uma solução anestésica local sem epinefrina, deve ser assegurado.3 Todas essas precauções são também válidas para a cirurgia estética.

Fisiologicamente, é importante respirar pelo nariz. A obstrução nasal e a respiração pela boca não são saudáveis, perturbam a qualidade da vida e devem ser corrigidas. O desvio de septo é o fator etiológico mais frequente da obstrução nasal, a qual é corrigida pela septoplastia. No presente caso, a cartilagem do septo da paciente era fraca e desviou‐se em direção caudal. Corrigimos o desvio e melhoramos o septo, usamos enxertos de cartilagem. A paciente também apresentava colapso da válvula nasal interna, que servia como outra causa de obstrução nasal. Sua cartilagem inferior esquerda era hipoplásica e foi corrigida com enxerto na extremidade lateral.8 Esse enxerto foi colocado no espaço submucoso sob a crus lateral para apoiar a parede lateral. A visibilidade da borda cefálica do enxerto de cartilagem pode ser um inconveniente potencial dessa técnica; no entanto, isso não aconteceu neste caso e a respiração nasal foi obtida com sucesso.

Qual é a importância da cirurgia estética em pacientes com doença crônica, como anemia falciforme? Viver com uma doença crônica pode causar ansiedade e estresse, que muitas vezes leva à depressão. Tal como acontece com cosméticos, sentir‐se mais atraente melhora o humor do paciente e sentir‐se melhor ajuda o paciente a viver com a doença crônica e aumenta a sua qualidade de vida. Isso é especialmente importante para pacientes com doença crônica. Nossa paciente não procurou uma rinoplastia puramente estética. Adicionamos a rinoplastia estética à cirurgia de septoplastia. Antes do presente caso, não teríamos normalmente aceitado um pedido de rinoplastia puramente estética de um paciente com anemia falciforme. A nossa perspectiva mudou depois de observarmos que, com cuidados perioperatórios adequados, a rinoplastia foi possível em um paciente com anemia falciforme, mas ainda estamos indecisos. Por um lado, a cirurgia estética é eletiva e deve ser evitada em grupos de pacientes de alto risco. Por outro lado, acreditamos que a melhoria da aparência dos pacientes durante o manejo de doenças crônicas é tão importante quanto o tratamento da doença.

Conclusão

Com cuidados perioperatórios adequados, a septorrinoplastia pode ser feita em pacientes com anemia falciforme.

Aprovação ética

Este artigo não contém quaisquer estudos com participantes humanos feitos por qualquer dos autores.

Consentimento informado

Consentimento informado foi obtido da paciente.

Financiamento

Este estudo não recebeu qualquer subvenção específica de agências de financiamento dos setores público, comercial ou de instituições sem fins lucrativos.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Çağici CA, Asma S, Şener M. Septorhinoplasty in sickle cell anemia: a case report. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:815–9.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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