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Vol. 85. Núm. 6.
Páginas 766-773 (Novembro - Dezembro 2019)
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Vol. 85. Núm. 6.
Páginas 766-773 (Novembro - Dezembro 2019)
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The effectiveness of eugenol against cisplatin‐induced ototoxicity
A eficácia do eugenol contra a ototoxicidade induzida pela cisplatina
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Muhammed Sedat Sakata,
Autor para correspondência
mssakat@gmail.com

Autor para correspondência.
, Korhan Kilica, Fazile Nur Ekinci Akdemirb, Serkan Yildirimc, Gizem Eserc, Ahmet Kiziltuncd
a Ataturk University, Faculty of Medicine, Department of Otorhinolaryngology, Erzurum, Turquia
b Agri Ibrahim Cecen University, High School of Health, Department of Nutrition and Dietetics, Agri, Turquia
c Ataturk University, Faculty of Veterinary, Department of Pathology, Erzurum, Turquia
d Ataturk University, Faculty of Medicine, Department of Biochemistry, Erzurum, Turquia
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Tabela 1. Achados histopatológicos da cóclea
Abstract
Introduction

Ototoxicity refers to cellular damage or function impairment developing in the inner ear in association with any therapeutic agent or chemical substance, and still represents the principal side‐effect restricting the use of cisplatin.

Objective

The aim of this study was to perform a biochemical, functional and histopathological investigation of the potential protective effect of eugenol against cisplatin‐induced ototoxicity.

Methods

The study was performed with 24 female Sprague Dawley rats. Distortion product otoacoustic emissions tests were performed on all animals, which were randomized into four equal groups. A single intraperitoneal dose of 15mg/kg cisplatin was administered to cisplatin group, while the eugenol group received 100mg/kg eugenol intraperitoneal for five consecutive days. 100mg/kg eugenol was administered to cisplatin+eugenol group for 5 days. On the third day, these rats were received a single dose of 15mg/kg cisplatin. The control group was given 8mL/kg/day intraperitoneal saline solution for five days. The distortion product otoacoustic emissions test was repeated 24h after the final drug administration. All animals were sacrificed, and the cochleas were subsequently used for biochemical and histopathological examinations.

Results

Cisplatin caused oxidative stress in the cochlea, impaired the cochlear structure and significantly reduced signal noise ratio levels. Administration of eugenol together with cisplatin reversed these effects and provided functional, biochemical and histopathological protection.

Conclusion

The study findings represent the first indication in the literature that eugenol may protect against ototoxicity by raising levels of antioxidant enzymes and lowering those of oxidant parameters.

Keywords:
Cisplatin‐induced ototoxicity
Eugenol
DPOAE
Oxidative stress
8‐Hydroxy‐2′‐deoxyguanosine
Resumo
Introdução

A ototoxicidade refere‐se ao dano celular ou comprometimento da função da orelha interna associado a qualquer agente terapêutico ou substância química e ainda representa o principal efeito colateral que restringe o uso da cisplatina.

Objetivo

O objetivo deste estudo foi realizar uma investigação bioquímica, funcional e histopatológica do potencial efeito protetor do eugenol contra a ototoxicidade induzida pela cisplatina.

Método

O estudo foi realizado com 24 ratos fêmeas Sprague Dawley. Testes de emissões otoacústicas por produto de distorção foram realizados em todos os animais, os quais foram randomizados em quatro grupos iguais. Uma única dose intraperitoneal de 15 mg/kg de cisplatina foi administrada ao grupo cisplatina, enquanto o grupo eugenol recebeu 100 mg/kg de eugenol intraperitoneal por cinco dias consecutivos. Foram administrados 100 mg/kg de eugenol ao grupo cisplatina + eugenol durante 5 dias. No terceiro dia, estes ratos receberam uma dose única de 15 mg/kg de cisplatina. O grupo controle recebeu 8 mL/kg/dia de solução salina intraperitoneal por cinco dias. O teste de emissões otoacústicas por produto de distorção foi repetido 24 horas após a administração final do medicamento. Todos os animais foram sacrificados e as cócleas foram posteriormente utilizadas para exames bioquímicos e histopatológicos.

Resultados

A cisplatina causou estresse oxidativo na cóclea, prejudicou a estrutura coclear e reduziu significativamente os níveis da relação sinal/ruído. A administração de eugenol juntamente com a cisplatina reverteu esses efeitos e forneceu proteção funcional, bioquímica e histopatológica.

Conclusão

Os achados do estudo representam a primeira indicação na literatura de que o eugenol pode proteger contra a ototoxicidade, eleva os níveis de enzimas antioxidantes e diminui os níveis dos parâmetros oxidantes.

Palavras‐chave:
Ototoxicidade induzida pela cisplatina
Eugenol
EOAPD
Estresse oxidativo
8‐Hidroxi‐2′‐deoxiguanosina
Texto Completo
Introdução

O câncer é uma das principais causas de morte no mundo e uma fonte de graves repercussões sociais. A prevalência de câncer aumenta ininterruptamente, resulta no uso crescente de agentes quimioterápicos.1 Um importante agente quimioterápico é a cisplatina [cis‐diaminodicloroplatina (II)]. Essa molécula consiste de um átomo central de platina (Pt) divalente junto com quatro ligantes de pares de átomos de cloro ou grupos amina na posição cis.1 Desde a sua descoberta, tem sido usada para tratar vários tipos de câncer. No entanto, efeitos colaterais como nefrotoxicidade, neurotoxicidade e ototoxicidade limitam muito o seu uso. A nefrotoxicidade pode ser evitada através da hidratação salina e da terapia com manitol, mas a neurotoxicidade e a ototoxicidade ainda representam importantes fatores de restrição.

A ototoxicidade refere‐se a danos na orelha interna caracterizados por perda auditiva transitória ou permanente. A ototoxicidade induzida pela cisplatina geralmente se manifesta na forma de perda auditiva neurossensorial irreversível, progressiva e bilateral, particularmente em altas frequências. Raramente essa perda é unilateral ou assimétrica. O grau de perda auditiva é dose‐dependente e está relacionado à frequência e ao método de aplicação.2 Já que essa manifestação clínica resulta em sérios distúrbios de qualidade de vida e comunicação social, vários agentes têm sido usados para prevenir a ototoxicidade induzida pela cisplatina. A característica mais desejável de tais agentes é que eles sejam capazes de reduzir o efeito ototóxico da cisplatina, enquanto preservam sua eficácia antitumoral. Vitamina E, N‐acetilcisteína, dexametasona, resveratrol e a uva‐do‐monte têm sido usadas para esse fim.3–7 Entretanto, nenhum deles demonstrou ter ação protetora indiscutível contra a ototoxicidade induzida pela cisplatina. Atualmente também não há agente recomendado para o uso rotineiro.

O eugenol é um fluido oleoso amarelado obtido da planta do cravo (Eugeniacaryophyllata), endêmica em várias partes do mundo. O óleo já demonstrou efeitos antimicrobianos, analgésicos, anti‐inflamatórios, antioxidantes, antimutagênicos e anticarcinogênicos.8 A atividade antioxidante dos compostos do eugenol deriva de sua estrutura metoxifenólica.9 Estudos têm demonstrado que a atividade antioxidante do eugenol protege contra o dano tecidual oxidativo em uma série de modelos experimentais. O eugenol é não tóxico, não mutagênico e não carcinogênico e é considerado seguro pela Food and Drug Administration dos EUA.10

Nossa pesquisa na literatura não identificou estudos prévios sobre o efeito do eugenol na ototoxicidade induzida pela cisplatina. O objetivo deste estudo foi, portanto, fazer uma investigação bioquímica, funcional e histopatológica sobre o possível efeito protetor do eugenol contra a ototoxicidade induzida pela cisplatina.

Método

O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Ataturk University (n° E.1700283394‐11:142). Os princípios da diretriz de cuidados e uso de animais de laboratório (Care and Use of Laboratory Animals Guideline) foram aplicados durante todo o estudo. Vinte e quatro ratazanas fêmeas Sprague Dawley, de 250 a 300g, foram alojadas em gaiolas especiais com acesso ad libitum a ração e água durante o experimento. As gaiolas foram mantidas em uma sala equipada com sistema de iluminação totalmente automático, ajustado para um ciclo de 12 horas de luz/12 horas de escuridão. A temperatura era fixa a 23°C ± 2° e a umidade em 45% ± 50%.

O eugenol foi fornecido pela empresa Sigma‐Aldrich Chemical Co. e a cisplatina pela Kocak Farma Co. (Kocak, Istambul, Turquia). No início do estudo, foi preparada uma mistura anestésica com cloridrato de cetamina (Ketasol 10%, Richter Pharma Ag, Wels, Áustria) e xilazina (Alfazine 2%, Alfasan International BV, Voerden, Holanda) em doses de 40mg/kg e 5mg/kg, respectivamente, e administrada intraperitonealmente a todos os ratos para o exame otoscópico. Em seguida o teste de emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD) foi feito com sondas apropriadas. Os 24 ratos foram então randomizados em quatro grupos de seis animais cada. Um modelo experimental de ototoxicidade foi estabelecido com uma dose única intraperitoneal (ip) de 15mg/kg de cisplatina no grupo cisplatina (Grupo Cis). O grupo eugenol (Grupo E) recebeu 100mg/kg de eugenol ip por cinco dias consecutivos. O grupo cisplatina + eugenol (Grupo CE) recebeu 100mg/kg de eugenol ip por cinco dias consecutivos. No terceiro dia do estudo, esses ratos também receberam uma única dose ip de 15mg/kg de cisplatina. O grupo controle (Grupo C) recebeu 8mL/kg/dia de solução salina ip por cinco dias. O segundo teste de EOAPD foi aplicado 24 horas após a administração final do fármaco, novamente sob anestesia com cetamina + xilazina. Todos os animais foram sacrificados após o teste. As cócleas de todos os ratos foram removidas após a dissecção dos ossos temporais. A cóclea esquerda foi reservada para estudo histopatológico e a cóclea direita para análise bioquímica.

Medida da EOAPD

O teste foi feito com um dispositivo Otometrics Madsen Capella após o exame otoscópico dos ratos sob anestesia geral. Antes de cada teste, a sonda foi calibrada com um sistema automatizado e colocada no meato auditivo externo. Então, a medida das EOAPD das orelhas bilaterais foi feita em ambiente silencioso com sondas apropriadas. As medidas consistiram de PDgramas. Foram especificadas as intensidades de estímulos primários L1 = 65dB e L2 = 55dB. Duas frequências, f1/f2 = 1,22, foram usadas para obter a resposta mais forte. As medidas de PDgrama foram feitas em oito frequências entre 2.002 e 10.000Hz. Valores da relação sinal‐ruído (SNR, do inglês Signal‐Noise Ratio) iguais ou superiores a 3dB foram considerados positivos.

Análise bioquímica

Após a remoção das cócleas direitas, elas foram lavadas com solução salina fisiológica e armazenadas a ‐80°C até a análise. No dia do estudo, cada tecido coclear foi moído em nitrogênio líquido com um kit comercial Tissue Lyser II grinding jar (Qiagen, Hilden, Alemanha). Todas as amostras de tecido foram homogeneizadas em tampão KCL 900μL de KCL 0,1M por 0,1g de tecido. O sobrenadante foi obtido por centrifugação do homogenato a 4°C durante 30min a 13.000rpm. Os níveis de malondialdeído (MDA) no homogenato foram determinados por espectrofotometria com a presença de ácido tiobarbitúrico, com o método descrito por Ohkawa et al.11 Os valores foram expressos como nmoL/mL. A atividade da enzima superóxido dismutase (SOD) foi determinada com o método descrito por Sun et al.12 e expressa como U/mL. A atividade da glutationa peroxidase (GPx) também foi determinada por espectrofotometria de acordo com a técnica descrita em outros trabalhos por Paglia e Valentine13 e suas concentrações foram expressas como IU/L.

Análise histopatológica

Para a avaliação histopatológica, os tecidos cocleares esquerdos foram fixados em solução de formalina a 10% por 48h. Após amolecimento por 96 a 120h em solução de Osteosoft (Merc, HC313331, Alemanha) para descalcificação, eles foram lavados em água corrente por 24h. Antes de serem embebidos em blocos de parafina, os tecidos foram submetidos a séries de álcool e parafina líquida. Seções de 4μm de espessura foram coletadas de cada bloco e transferidas para lâminas de vidro. Em seguida foram coradas com tricrômico de Masson e fotografadas. A presença de lesões foi avaliada à microscopia óptica em uma escala semiquantitativa: nenhuma (‐), leve (+), moderada (++) e grave (+++). No exame histopatológico semiquantitativo, a hiperemia na estria vascular foi classificada de acordo com o diâmetro do vaso: ≤ 0,4‐1μm (‐), 1‐2μm (+), 3‐5μm (++) e ≥ 5μm (+++). A degeneração nos gânglios espirais foi definida como o número de células degeneradas: 0 (‐), 3‐5 (+), 6‐10 (++) e ≥ 10 (+++). O comprometimento estrutural e o número diminuído de células ciliadas externas foram definidos como o número de células comprometidas: 0 (‐), 3‐5 (+), 6‐10 (++) e ≥ 10 (+++).

Análise imuno‐histoquímica

Para análise de imunoperoxidase, foram usadas lâminas adesivas (poli‐L‐Lisina). Após a transferência das secções para essas lâminas, elas foram submetidas a séries de xilol e álcool, antes da desparafinização e secagem. Seguiu‐se então uma lavagem em água destilada por cinco minutos. As secções foram expostas a calor em um micro‐ondas, por quatro vezes, durante cinco minutos cada, a recuperação antigênica (tampão citrato, pH 6,1) de modo a evitar o mascaramento do antígeno nuclear. Em seguida foram removidas do micro‐ondas e deixadas para esfriar por 30 minutos à temperatura ambiente. Após esses procedimentos, foram lavadas com água destilada e secas. Uma caneta para vidro foi então usada para delinear as áreas ao redor da seção de interesse. Elas foram lavadas por cinco minutos em solução tampão de fosfato (PBS), com pH de 7,2 e mantidas em H2O2 3% por 10 minutos para a inativação da peroxidase endógena. Após a lavagem em PBS por cinco a 10min, os espécimes foram incubados por cincominutos com o bloqueio de proteína compatível com todos os anticorpos primários e secundários para a prevenção de coloração de fundo não específica. Após a incubação, o excesso de solução do bloco foi removido da superfície das lâminas. Os anticorpos primários em PBS no grupo controle e em 8‐hidroxi‐2’‐deoxiguanosina (8‐OHdG) foram deixados ao lado sem a aplicação de procedimento de lavagem. Dependendo do anticorpo primário em questão, os espécimes foram mantidos durante umahora à temperatura ambiente ou durante a noite a +4°C. Foram lavados duas vezes por cinco minutos com PBS e incubados durante 10‐30 minutos à temperatura ambiente com anticorpos secundários biotinilados. As secções foram novamente lavadas com PBS e mantidas em estreptavidina‐peroxidase durante 10‐30min. Subsequentemente, foram lavadas novamente com PBS da mesma maneira. No estágio seguinte, o cromógeno 3‐3’diaminobenzidina (DAB) foi colocado nas secções, onde permaneceu in situ por cinco a 10 minutos para absorção do cromógeno. A coloração de fundo foi fornecida com os espécimes mantidos por um a dois minutos na hematoxilina de Mayer. Os espécimes foram então lavados em água corrente e posteriormente submetidos a séries de álcool e xilol, antes de serem cobertos e submetidos à análise em um microscópio óptico (Leica DM 1000). A positividade imunológica foi classificada como: nenhuma (‐), leve (+), moderada (++) ou grave (+++) e foram definidos como o número de células positivas: 0 (‐), 3‐5 (+), 6‐10 (++) e ≥ 10 (+++).

Análise estatística

Foi feita com o software SPSS 17.0. A análise das medidas das EOAPD e dos valores bioquímicos foi feita pelo teste de Shapiro‐Wilk e histogramas. A análise de variância (Anova) unidirecional foi usada para comparações quando estabelecida uma distribuição normal e o teste de Kruskal‐Wallis no caso de uma distribuição não normal. A análise das variações entre os dados obtida através do exame histopatológico semiquantitativo também foi feita através do teste de Kruskal‐Wallis. O teste de Tukey foi usado para análise post hoc quando aplicada a Anova e o teste U de Mann‐Whitney para comparações bidirecionais quando diferenças significantes foram determinadas com o teste de Kruskal‐Wallis. Para todos os testes, p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

A análise bioquímica da cóclea de ratos revelou um aumento significativo nos níveis de MDA no grupo cisplatina quando comparado ao grupo controle, enquanto diminuições significativas foram observadas nas atividades de SOD e GPx. Isso demonstra que a cisplatina causa estresse oxidativo na cóclea e que o estresse oxidativo pode ser um dos mecanismos envolvidos na ototoxicidade. Os níveis de MDA, assim como as atividades de SOD e GPx, foram semelhantes nos grupos eugenol e controle. Os níveis de MDA foram significativamente menores no grupo cisplatina mais eugenol em comparação com o grupo que recebeu apenas cisplatina. Também não encontramos diferença significativa nos níveis de MDA do grupo cisplatina mais eugenol quando comparado ao grupo controle. Da mesma forma, as atividades das enzimas SOD e GPx no grupo cisplatina mais eugenol foram significativamente maiores do que no grupo que recebeu apenas cisplatina, mas nenhuma diferença significativa foi estabelecida entre os grupos cisplatina mais eugenol e controle. Esses achados mostram que a cisplatina causa estresse oxidativo na cóclea de ratos, mas a administração de eugenol previne o estresse oxidativo. Os resultados da análise bioquímica são mostrados na figura 1.

Figura 1.

Resultados bioquímicos. As letras perto de cada barra indicam a comparação estatística. Letras diferentes indicam uma diferença significativa ao nível de p < 0,05, enquanto letras iguais não indicam diferença significativa.

(0,07MB).

Nenhuma variação significativa foi estabelecida entre os valores da SNR em todos os PDgramas no primeiro dia do estudo. Também não houve diferença significativa entre os valores da SNR dos ouvidos direito e esquerdo em todos os grupos nos dias 1 e 6. A comparação dos resultados do teste no sexto dia com aqueles do primeiro dia revelou uma diminuição significativa nos valores da SNR no grupo cisplatina. Os valores da SNR do grupo cisplatina no sexto dia foram significativamente mais baixos do que os do grupo controle. Isso mostra que a cisplatina leva ao dano funcional na cóclea do rato. Não houve diferença significativa entre os valores da SNR nos ratos tratados com eugenol e os valores do grupo controle ou valores do primeiro dia. Nenhuma diferença significativa foi também observada entre os valores da SNR dos ratos que receberam cisplatina juntamente com eugenol e os valores do grupo de controle ou os do primeiro dia. Além disso, os valores da SNR do grupo cisplatina mais eugenol foram significativamente mais altos do que aqueles dos ratos que receberam apenas cisplatina. Esses achados indicam que, com seu efeito ototóxico, a cisplatina reduziu os valores da SNR em todas as frequências, mas a administração de eugenol em combinação com cisplatina impediu essa diminuição nos valores da SNR. Os resultados dos testes de EOAPD estão resumidos na figura 2.

Figura 2.

Resultados dos testes de EOAPD.

(0,13MB).

O exame histopatológico revelou arquitetura normal no órgão de Corti, estria vascular e gânglios espirais nos grupos controle e eugenol (figs. 3 A‐C). No entanto, o grupo da cisplatina exibiu erosão significativa na estria vascular, juntamente com degeneração e uma aparência edematosa na camada de tecido conjuntivo das células endoteliais. As células nervosas do gânglio espiral também apresentaram degeneração grave. Observou‐se uma morfologia comprometida nas células ciliadas externas do órgão de Corti e o número dessas células também diminuiu significativamente devido à degeneração e necrose (p < 0,05) (fig. 3B). De forma significativa, uma quantidade menor desses achados degenerativos e necróticos foi observada no grupo Cis + eugenol (p < 0,05) e o eugenol pareceu fornecer proteção expressiva contra eles (fig. 3D). Os achados histopatológicos nos tecidos cocleares dos diferentes grupos estão resumidos na tabela 1.

Figura 3.

Aspecto histopatológico da cóclea, H&E, Barra: 50μm. A, grupo Controle. Estrutura histopatológica normal da cóclea (Seta, Estria Vascular; Ponta da flecha, células ciliadas externas). B, Grupo Cisplatina. Hiperemia, degeneração e erosão na estria vascular (setas), diminuição acentuada do número de células ciliadas externas (pontas de setas). C, Grupo Eugenol. Estrutura histopatológica normal da cóclea (Seta, Estria Vascular; Ponta de seta, células ciliadas externas). D, Grupo Cisplatina+Eugenol: Hiperemia leve na estria vascular (setas), estrutura histopatológica normal das células ciliadas externas com discreta diminuição do número dessas células (Ponta de seta).

(0,44MB).
Tabela 1.

Achados histopatológicos da cóclea

  Grupo Controle  Grupo Eugenol  Grupo Cisplatina  Grupo Cis+Eugenol 
Hiperemia, degeneração e necrose na estria vascular  −  −  +++  ++ 
Degeneração nos gânglios espirais    −  +++ 
Diminuição do número de células ciliadas externas com deformação estrutural  −  −  +++ 
Imunopositividade do 8‐OHdG  −  −  +++ 

A coloração com 8‐hidroxi‐2’‐deoxiguanosina (8‐OHdG) foi feita para identificar dano oxidativo ao DNA sob a perspectiva imuno‐histoquímica. Não foi observada imunopositividade para 8‐OHdG nos grupos controle ou eugenol (figs. 4A‐C). A imunopositividade grave foi determinada em células ganglionares espirais e células ciliadas externas no grupo cisplatina (fig. 4B). No grupo Cis + eugenol, observou‐se leve expressão de 8‐OHdG em células ganglionares espirais e células ciliadas externas (fig. 4D). Houve uma diminuição significativa na expressão de 8‐OHdG entre os grupos Cis + Eugenol e cisplatina (p < 0,05).

Figura 4.

Exame imuno‐histoquímico da cóclea, IP, Barra: 50μm. (A) Grupo Controle. Expressão negativa do 8‐OHdG nos gânglios espirais. (B) Grupo Cisplatina. Imunopositividade acentuada do 8‐OHdG nos gânglios espirais (seta). (C) Grupo Eugenol: Expressão negativa do 8‐OHdG nos gânglios espirais. (D) Grupo Cisplatina+Eugenol: imunopositividade leve do 8‐OHdG em gânglios espirais (seta).

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Discussão

A ototoxicidade reflete o dano celular ou o comprometimento da função que ocorre na orelha interna em associação com qualquer agente terapêutico ou substância química. Um dos agentes terapêuticos produtores de ototoxicidade é a cisplatina, amplamente usada como agente quimioterápico. Estudos recentes relataram que a cisplatina exibe seu efeito citotóxico através das vias de sinalização nuclear e citoplasmática.14 Os mecanismos moleculares capazes de explicar totalmente o efeito citotóxico da cisplatina ainda não foram identificados. No entanto, estudos indicaram que o aumento da produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), a redução no sistema antioxidante, danos ao DNA, mudanças oxidativas em proteínas e aumento da peroxidação lipídica estão envolvidos no desenvolvimento de efeitos ototóxicos.15 Usamos a coloração com 8OHdG para revelar dano oxidativo ao DNA a partir da perspectiva imuno‐histoquímica. Foi identificada imunopositividade importante em células ganglionares espirais e células ciliadas externas no grupo cisplatina, o que indicou a presença de estresse oxidativo.

A cóclea tem uma estrutura complexa que contém vários tipos de células sensíveis à cisplatina. Os efeitos ototóxicos induzidos pela cisplatina manifestam‐se como danos às células ciliadas externas, ao ligamento espiral, células de suporte e na estria vascular e nas células ganglionares espirais. A estrutura mais sensível à cisplatina na orelha interna é a célula ciliada. As células ciliadas externas no giro basal da cóclea são as células mais afetadas. Isso explica por que a perda auditiva que ocorre na ototoxicidade induzida pela cisplatina envolve principalmente altas frequências. O dano também pode envolver frequências mais baixas à medida que o tratamento continua1. Em nosso estudo, o exame histopatológico da cóclea no grupo cisplatina revelou erosão na estria vascular, degeneração e edema na camada de tecido conjuntivo nas células endoteliais, degeneração grave nas células nervosas do gânglio espiral, comprometimento da morfologia das células ciliadas externas do órgão de Corti, juntamente com uma diminuição no número dessas células devido à degeneração e necrose.

A cóclea tem vários mecanismos de defesa contra efeitos ototóxicos, os mais importantes são os sistemas enzimáticos antioxidantes, como a SOD, a catalase e a GPx. Sistemas de proteção, como receptores de adenosina, proteínas de choque térmico e hemooxigenase‐1 também estão presentes. Entretanto, o efeito protetor desses mecanismos é limitado e a morte celular ocorre quando o efeito ototóxico supera o sistema de defesa endógeno.16 O exame bioquímico em nosso estudo mostrou níveis elevados de MDA e diminuição das atividades da GPx e SOD nos tecidos cocleares de ratos que receberam cisplatina, o que também demonstrou o comprometimento do equilíbrio oxidativo.

A ototoxicidade induzida pela cisplatina exibe efeitos clínicos na fase inicial. Em termos clínicos, a ototoxicidade se manifesta com achados de perda auditiva neurossensorial simétrica, bilateral, progressiva, irreversível e dose‐dependente. A EOAPD, uma técnica objetiva, rápida e não invasiva, é um teste amplamente usado para demonstrar essa perda auditiva em estudos experimentais. Como a EOAPD reflete a atividade das células ciliadas externas, ela é eficaz até mesmo ao demonstrar danos ocorridos nos estágios iniciais. O teste de EOAPD foi usado neste estudo para mostrar o dano funcional surgido na cóclea. O teste foi aplicado duas vezes em todos os ratos, nos dias 1 e 6. Em todas as frequências, os valores da SNR foram significativamente menores em ratos que receberam cisplatina do que os valores da SNR no primeiro dia e aqueles do grupo controle. Isso mostra que, com seu efeito ototóxico, a cisplatina causou perda auditiva em todas as frequências estudadas.

Como a ototoxicidade é o efeito colateral mais importante que limita o uso da cisplatina na prática clínica, estudos têm investigado os potenciais efeitos otoprotetores de vários medicamentos. Um agente otoprotetor ideal deve fornecer proteção confiável sem comprometer o efeito antitumoral da cisplatina. Também deve ter efeitos colaterais mínimos e ser de fácil aplicação. Os agentes que receberam a maior atenção nesse contexto são os antioxidantes, que eliminam os efeitos das ROS. O presente estudo investigou o efeito otoprotetor do eugenol, com poderosas propriedades antioxidantes conhecidas.

O eugenol é um fluido oleoso amarelado obtido a partir da planta do cravo que cresce em várias partes do mundo. O óleo tem demonstrado efeitos antimicrobianos, analgésicos, anti‐inflamatórios, antioxidantes, antimutagênicos e anticarcinogênicos.8 Foi demonstrado que o uso de eugenol juntamente com cisplatina não tem uma interação medicamentosa negativa. Assim, em um estudo feito por Islam et al. foi sugerido que, na combinação de eugenol e cisplatina, o eugenol potencializa as propriedades anticarcinogênicas da cisplatina ao inibir a via do NF‐κB.17 Rao et al. investigaram o efeito do eugenol contra a nefrotoxicidade induzida por cisplatina e determinaram que ele protege contra a citotoxicidade ao eliminar radicais livres.18 Binu et al. investigaram o efeito terapêutico do eugenol contra a cardiotoxicidade induzida pelo arsênico. Eles relataram que o arsênico aumentou os níveis de MDA, um marcador de peroxidação lipídica, através de seu efeito citotóxico, e reduziu os níveis de GSH, o mais importante antioxidante endógeno não enzimático, no tecido cardíaco. Além disso, eles observaram que o eugenol administrado por via oral a 5mg/kg aumentou os níveis de antioxidantes nos tecidos, regulou a peroxidação da membrana e normalizou a frequência cardíaca. Ao mesmo tempo, eles relataram que os níveis de MDA diminuíram como resultado da terapia com eugenol, enquanto os níveis de GSH e GPx aumentaram. Com essas propriedades, eles sugeriram que o eugenol é um agente citoprotetor que previne a peroxidação lipídica e protege os sistemas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos.19 Said et al. investigaram a eficácia protetora do eugenol no dano cerebral induzido pelo alumínio e descreveram o eugenol como um potencial agente neuroprotetor devido às suas características antioxidantes e antiapoptóticas.20 Herrera et al. investigaram a eficácia do eugenol contra a inflamação gengival e relataram efeitos anti‐inflamatórios quando administrados em doses baixas.21 No presente estudo, observamos um aumento dos níveis de MDA no tecido coclear na ototoxicidade induzida por cisplatina e diminuição nas atividades da GPx e SOD. O eugenol também reverteu esse efeito, preveniu o estresse oxidativo e exibiu atividade otoprotetora. Também não estabelecemos qualquer variação significativa após o teste de EOAPD entre os valores da SNR de ratos que receberam eugenol juntamente com cisplatina e os valores da SNR no grupo controle e no primeiro dia. Esses achados mostram que o eugenol previne o dano coclear relacionado à cisplatina.

Conclusão

Nossos achados demonstram, pela primeira vez na literatura atual, que o eugenol pode proteger contra a ototoxicidade, aumentar os níveis de enzimas antioxidantes e diminuir os níveis dos parâmetros oxidantes. Sugerimos que o eugenol pode ser uma opção farmacológica contra a ototoxicidade induzida pela cisplatina.

Aprovação ética

Este estudo foi feito de acordo com a PHS Policy on Humane Care and Use of Laboratory Animals, NIH Guide for the Care and Use of Laboratory Animals e Animal Welfare Act (7 U.S.C. et seq.); o protocolo do uso de animais foi aprovado pelo Institutional Animal Care and Use Committee (IACUC) da Ataturk University.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Sakat MS, Kilic K, Akdemir FN, Yildirim S, Eser G, Kiziltunc A. The effectiveness of eugenol against cisplatin‐induced ototoxicity. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:766–73.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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