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Vol. 85. Núm. 5.
Páginas 543-545 (Setembro - Outubro 2019)
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Editorial
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The role of the endoscope in otologic surgery
O papel do endoscópio na cirurgia otológica
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João Paulo Valente
Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC‐Campinas), Departamento de Otorrinolaringologia, Campinas, SP, Brasil
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Nos últimos anos, o interesse sobre o uso do endoscópio no contexto da cirurgia otológica tem aumentado em todo mundo e junto com ele algumas questões, como “o endoscópio é melhor do que o microscópio?”; “assim como na cirurgia nasossinusal, o endoscópio será o instrumento principal e preponderante daqui em diante?”. Essas e outras perguntas provavelmente poderão ser mais bem respondidas no futuro, porém uma reflexão baseada nas evidências do presente e do passado pode, talvez, apontar um caminho ou uma tendência. Dessa forma, o entendimento adequado do instrumento (endoscópio) e suas características, da maneira correta do seu emprego e dos resultados é essencial.

Em relação às características do endoscópio, é importante destacarmos suas principais vantagens e desvantagens. Sem dúvida o maior benefício do endoscópio é permitir uma visão angular mais adequada e de maior definição, especialmente pela capacidade de aproximação. A observação dos recessos da orelha média (retrotímpano, por exemplo) sem dúvida é mais fácil e clara com o uso do endoscópio. Outra vantagem é a possibilidade de ultrapassar determinados obstáculos anatômicos que impedem ou dificultam a visão por microscópio. Um exemplo é o meato auditivo externo, que, a depender da sua conformação, cria dificuldades para um acesso cirúrgico transcanal assistido pelo microscópio (fig. 1). Entretanto, existem algumas desvantagens. O conhecimento delas e as maneiras de superá‐las ou minimizá‐las são importantes:1

  • Feitura da cirurgia com “uma mão”: visto que normalmente uma das mãos estará ocupada para segurar e manusear o endoscópio, todos os passos cirúrgicos serão monomanuais. O treinamento contínuo e a feitura de adequada hemostasia são muito importantes para minimizar esse problema;

  • Perda da tridimensionalidade: atualmente os endoscópios usados na cirurgia otológica não têm a propriedade tridimensional (3D). Dessa forma, a falta de visão binocular do microscópio provoca uma teórica perda da sensação de profundidade. Todavia, a constante movimentação do endoscópio permite que nosso cérebro tenha essa percepção 3D, funciona como uma “pseudotridimensionalidade”.

  • Possibilidade de lesão por aquecimento: alguns relatos na literatura têm apontado que o uso de endoscópios pode levar ao aumento de temperatura na orelha interna.2 Ações como uso de fontes de luz de LED e em intensidade submáxima, recorrente aspiração do meato auditivo externo (resfriamento do sistema) e uso de cabos de luz adequados podem minimizar ou praticamente excluir o risco de lesão térmica das estruturas da orelha média e interna.

Figura 1.

Demonstração da propriedade de visão angular do endoscópio e da capacidade de superar obstáculos anatômicos como o meato auditivo externo, comparado ao acesso cirúrgico transcanal com uso de espéculo e microscópio.

(0,25MB).

Outro aspecto a ser lembrado está relacionado à instrumentação cirúrgica. Em linhas gerais, os instrumentos são os mesmos usados na técnica convencional assistida por microscópio. Entretanto, ao longo dos últimos anos determinados materiais têm sido desenhados e introduzidos com objetivo de permitir o refinamento da técnica assistida por endoscópio. Dentre eles, destacam‐se os aspiradores e os dissectores angulados. Em relação ao endoscópio propriamente dito, a discussão gira em torno de três principais características: comprimento, diâmetro e angulação. A maioria dos autores defende o uso de endoscópios mais longos (14 ou 18cm de comprimento) de 3 ou 4mm de diâmetro (o primeiro pode se adequar melhor a situações de estreitamento do meato auditivo externo, por exemplo). Sobre a angulação, pode‐se afirmar que a maioria dos procedimentos e passos cirúrgicos pode ser seguramente feita com óticas de zero grau. Todavia, em certas situações como para visualização dos recessos da orelha média, os endoscópios angulados podem ser importantes (30 ou 45 graus). Além disso, o uso de sistemas de vídeo (câmeras e monitores) com alta definição de imagem possibilita uma cirurgia mais segura, por permitir uma visualização mais adequada e clara das estruturas anatômicas.

No contexto da cirurgia otológica, o endoscópio pode ser empregado desde a timpanotomia para colocação de tubo de ventilação até a ressecção de schwanomas vestibulares. Em linhas gerais, o endoscópio pode ser útil ao permitir um acesso inovador, menos invasivo ou simplesmente para feitura de determinado passo cirúrgico de forma mais adequada. Isso fica evidente, por exemplo, no tratamento da otite média crônica. Nas timpanoplastias o endoscópio permite e facilita muito o acesso transcanal.3 Na cirurgia do colesteatoma, por sua vez, proporciona melhor visualização dos recessos da orelha média, como as do retrotímpano (fig. 2).

Figura 2.

Anatomia do retrotímpano (visão endoscópica); 1 – pontículo; 2 – subículo; 3 – finículo, 4 – seio timpânico, 5 – seio subtimpânico.

(0,05MB).

Para que o endoscópio se estabeleça como ferramenta útil para a cirurgia otológica é importante que seus resultados sejam analisados e apresentados. Nesse sentido, a robustez da literatura tem aumentado gradativamente. Ayache em 2013 apresentou o resultado de 30 pacientes submetidos a timpanoplastia com enxerto de cartilagem através do acesso transcanal assistido por endoscópio. A taxa de sucesso (fechamento da perfuração após um ano do procedimento) foi de 96%, comparável às técnicas com uso do microscópio.3 Tseng, mais recentemente, estudou os resultados de 91 pacientes submetidos a timpanoplastia. Nesse trabalho 87,9% dos pacientes apresentaram fechamento da perfuração após três meses da cirurgia e 86,8% apresentaram fechamento do GAP aéreo‐ósseo na audiometria(< 20dB).4 Em 2016 Marchioni et al. apresentaram os resultados de 234 pacientes com diagnóstico de colesteatoma submetidos a cirurgia assistida por endoscópio (com ou sem necessidade de mastoidectomia). A taxa de recorrência e doença residual após 64,3 meses (tempo médio de follow up) foi de 68%, comparável às técnicas tradicionais.5 No contexto das estapedotomias, recente metanálise sugeriu que os resultados audiológicos da técnica endoscópica seriam semelhantes à técnica assistida por microscópio, com menor chance de curetagem do scutum, manipulação do nervo corda do tímpano e consequente disgeusia no pós‐operatório.6

Outro aspecto relevante e que vale menção é a curva de aprendizagem. Como em qualquer setor da medicina cirúrgica, a adaptação ou readaptação a determinada técnica leva um determinado tempo. Portanto, os benefícios e os resultados não raramente aparecerão mais tardiamente dentro dessa curva. Pothier recentemente mencionou que a curva de aprendizagem da cirurgia otológica assistida por endoscópio possa ser mais longa e difícil, especialmente para cirurgiões não habituados com o uso do endoscópio, e sugeriu então que a introdução seja feita de maneira lenta e progressiva.7

Baseado no acima descrito, atualmente não se pode afirmar que o endoscópio é ou será melhor do que o microscópio no contexto da cirurgia otológica. E na verdade essa discussão talvez não seja relevante, já que são instrumentos distintos que quando comparados apresentam vantagens e desvantagens para um procedimento cirúrgico ou uma etapa do mesmo. Talvez o mais importante é que o cirurgião tenha o conhecimento adequado tanto do microscópio quanto do endoscópio, das suas características e especificidades, de modo a aplicá‐los da forma mais adequada com o objetivo de proporcionar melhores resultados para os pacientes. Muito mais do que instrumentos antagônicos, endoscópio e microscópio talvez sejam simplesmente complementares.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
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Instrumentation and technologies in endoscopic ear surgery.
Otolaryngol Clin North Am., 46 (2013), pp. 211-225
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E.D. Kozin, A. Lehmann, M. Carter, E. Hight, M. Cohen, H.H. Nakajima, et al.
Thermal effects of endoscopy in a human temporal bone model: implications for endoscopic ear surgery.
Laryngoscope., 124 (2014), pp. E332-E339
[3]
S. Ayache.
Cartilaginous myringoplasty: the endoscopic transcanal procedure.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 270 (2013), pp. 853-860
[4]
C.C. Tseng, M.T. Lai, C.C. Wu, S.P. Yuan, Y.F. Ding.
Short‐term subjective and objective outcomes of patients receiving endoscopic transcanal myringoplasty for repairing tympanic perforations.
Otolaryngol Head Neck Surg., 158 (2018), pp. 337-342
[5]
M. Alicandri-Ciufelli, D. Marchioni, S. Kakehata, L. Presutti, D. Villari.
Endoscopic management of attic cholesteatoma: long‐term results.
Otolaryngol Clin North Am., 49 (2016), pp. 1265-1270
[6]
T. Nikolaos, T. Aikaterini, D. Dimitrios, B. Sarantis, G. John, T. Eleana, et al.
Does endoscopic stapedotomy increase hearing restoration rates comparing to microscopic?. A systematic review and meta‐analysis.
Eur Arch Otorhinolaryngol., 275 (2018), pp. 2905-2913
[7]
D.D. Pothier.
Introducing endoscopic ear surgery into practice.
Otolaryngol Clin North Am., 46 (2013), pp. 245-255

Como citar este artigo: Valente JP. The role of the endoscope in otologic surgery. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:543–5.

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