Timpanoplastia é o procedimento cirúrgico voltado para a reconstrução da membrana timpânica e restauração do mecanismo condutor do som. Pode ser executada através de diversos tipos de acesso e de enxertos e é considerada bem‐sucedida quando obtém fechamento completo da perfuração timpânica e melhoria na condução sonora.
ObjetivoDescrever a prevalência de sucesso no fechamento completo das perfurações timpânicas e os resultados auditivos das timpanoplastias endoscópicas com enxerto de cartilagem de tragus inlay.
MetodologiaEstudo retrospectivo desenvolvido em hospital terciário de referência. Pacientes com perfurações timpânicas centrais e com cadeias ossiculares íntegras submetidos a timpanoplastias endoscópicas com enxerto de cartilagem de tragus inlay foram incluídos. Foram avaliados o índice de integridade do neotímpano e os parâmetros auditivos pré e pós‐operatórios foram comparados com o teste t de Student pareado.
ResultadosForam identificadas 83 timpanoplastias endoscópicas com cartilagem inlay, 63 (76%) obtiveram neotímpano íntegro e 20 (24%), perfurações residuais. O gap aéreo‐ósseo pré‐operatório foi, em média, 18±8,9 dBNA e o pós‐operatório 11±10 dBNA (p=0,0005), sofreu redução em 71% e recuperação completa em 27%. O SRT pré‐operatório médio foi 35±13,5 e o pós‐operatório 27±14,4 (p=0,0002). A média tritonal pré‐operatória foi 34±14,3 e a pós‐operatória 24±15 (p=0,0002).
ConclusãoNesta casuística, as timpanoplastias endoscópicas com cartilagem de tragus inlay apresentaram fechamento completo da perfuração timpânica em 76% dos casos, com melhoria significativa dos parâmetros auditivos.
Timpanoplastia é um procedimento que objetiva a reconstrução da membrana timpânica, o restabelecimento da proteção à janela redonda e a restauração do mecanismo condutivo do som, melhora a audição e controla a otoreia.1 Desde sua introdução, em torno de 1950, a cirurgia tem ganhado variadas técnicas, com acesso retroauricular ou transcanal, enxertos como fáscia temporal, fáscia lata, veia, pericôndrio ou cartilagem, posição do enxerto underlay, overlay ou inlay em relação à membrana timpânica, com microscópio e/ou endoscópio.2–4
A técnica conhecida com timpanoplastia inlay com cartilagem em “borboleta” foi introduzida em 1998, por Eavey. Consiste no uso de cartilagem retirada do tragus, confecciona enxerto aproximadamente no formato da perfuração timpânica, um pouco mais largo e com um sulco em todo o seu diâmetro, que deve ficar inserido na borda da perfuração, por acesso transcanal. Essa técnica apresenta menor tempo cirúrgico e maior conforto ao paciente no pós‐operatório, por não envolver retalho timpanomeatal ou incisão retroauricular. Tem indicação restrita às perfurações timpânicas com margens completamente visíveis por via transcanal.5,6 O uso do endoscópio ajudou a popularizar essa técnica, por aumentar a visibilidade dos bordos das perfurações.
Sucesso em timpanoplastia é definido pelo fechamento completo da perfuração timpânica, com formação de neotímpano, ausência de lateralização e bons resultados audiológicos.7 A literatura estima uma taxa de fechamento completo da perfuração (sucesso anatômico) que varia de 71%–98%8 e de melhoria auditiva (sucesso funcional) em torno de 60% para esse procedimento.3,9
ObjetivoDescrever a taxa de sucesso anatômico (neotímpano íntegro)
e funcional (ganho em parâmetros auditivos) das timpanoplastias endoscópicas com enxerto de cartilagem de tragus inlay em hospital universitário.
MétodoEstudo observacional retrospectivo, desenvolvido em hospital universitário com serviço de formação de residentes em otorrinolaringologia.
Foram incluídos pacientes com perfurações timpânicas centrais, definidas como aquelas em que todos os bordos são visíveis à otoscopia, ocupam no máximo 25% da área da membrana timpânica, atribuídas a otites médias crônicas não supurativas, com cadeias timpânicas presumivelmente íntegras, submetidos a timpanoplastia endoscópica transcanal com enxerto cartilagem inlay, com otorreia ausente nos três meses pré‐operatórios (fig. 1).
As timpanoplastias endoscópicas transcanal com enxerto de cartilagem inlay foram executadas por médicos residentes de otorrinolaringologia no terceiro ano, sob supervisão de preceptores otologistas, com a seguinte técnica: 1) Acesso transcanal com endoscópio de 0° de 4 mm; 2) Escarificação dos bordos da perfuração; 3) Retirada de fragmento de cartilagem da região do tragus; 4) Medição da perfuração com estilete de Rosen (faca horizontal); 5) Elaboração de molde de papel; 6) O molde de papel é levado até a perfuração timpânica para verificação do formato e das dimensões; 7) Confecção do enxerto de cartilagem baseado no molde de papel, cujas dimensões devem exceder um pouco às da perfuração timpânica, remove‐se o pericôndrio da face interna (voltada para a cavidade timpânica) e preserva‐se o da face externa (voltada para o meato acústico externo); 8) Confecção de sulco em toda a borda do enxerto de cartilagem; 9) Introdução do enxerto de cartilagem com sulco inserido nos bordos da perfuração timpânica (figs. 2-4).
Foram considerados critérios de exclusão: idade abaixo de 12 anos; perfurações timpânicas marginais, subtotais ou totais; otite média crônica supurativa; outras técnicas de timpanoplastia que usassem outros enxertos, outra posição em relação à membrana timpânica remanescente ou acesso através do microscópio, bem como aquelas em que houve manipulação da cadeia ossicular ou exploração de cavidade timpânica e mastóidea; otorreia pré‐operatória; ausência de informações essenciais registradas em prontuário.
No pós‐operatório de timpanoplastia, os pacientes são seguidos por seis meses, são avaliados quanto à integridade do neotímpano, a presença de otorreia ou de outras intercorrências pós‐operatórias. Uma audiometria é feita em torno de três meses após a cirurgia e é comparada com o exame pré‐operatório. Os dados foram extraídos dos registros de consultas, audiometrias e descrições de cirurgia.
De acordo com as normas da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/MS para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa e encontra‐se aprovado sob o número CAAE 53112816.6.0000.5505.
ResultadosForam feitas 83 timpanoplastias endoscópicas com enxerto de cartilagem inlay, entre 2011 e 2015.
A idade dos pacientes variou de 13 a 69 anos, com média de 37,5 e desvio‐padrão de 13,8. Quanto ao gênero, 59 eram mulheres (71%) e 24 homens (29%). A lateralidade do procedimento foi esquerda em 45 (54%) e direita em 38 (46%) (fig. 5).
No 6° mês pós‐operatório, 63 pacientes (76%) apresentaram neotímpano íntegro e 20 (24%) com perfurações residuais (fig. 6).
Otorreia pós‐operatória ocorreu em 14/83 pacientes (17%), acometeu 10/20 pacientes que apresentaram perfuração residual (50%) e apenas 4/63 pacientes com neotímpano íntegro (6,3%), com diferença de incidência entre os grupos estatisticamente significantes (p <0,0001). Dois pacientes (2,4%) foram diagnosticados com otomicose durante o seguimento pós‐operatório, ambos evoluíram com perfuração residual.
A média da idade dos pacientes com neotímpano íntegro foi de 39 anos e com perfuração residual, 33. Não houve diferença estatística (p=0,134). Os pacientes na faixa até 20 anos apresentaram índice de perfurações residuais de 39% (5/13), enquanto aqueles acima de 20 anos apresentaram 21% (15/70) de perfuração residual, porém a diferença não foi estatisticamente relevante (p=0,287).
A média do gap auditivo aéreo‐ósseo pré‐operatório foi de 18 dNNA e no pós‐operatório foi de 11 dBNA, com significância estatística da diferença (p=0,0005). Houve redução em 59 pacientes (71%) e recuperação completa em 22 (27%).
O limiar de reconhecimento da fala (SRT – Speech Recognition Threshold) pré‐operatório médio foi 35dB, caiu no pós‐operatório para 27dB, diferença estatisticamente significante (p=0,0002). Houve alguma redução em 61 pacientes (74%). A média tritonal pré‐operatória foi de 34dB e a pós‐operatória de 24dB (p=0,0002) (tabela 1).
Evolução dos parâmetros auditivos pré‐operatórios e pós‐operatórios
As timpanoplastias endoscópicas transcanal com enxerto de cartilagem inlay apresentaram prevalência de sucesso no estabelecimento de uma membrana timpânica íntegra de 76% (63/83) neste estudo. Para a mesma técnica de timpanoplastia endoscópica e amostra com faixa etária semelhante, Eren descreveu uma taxa de sucesso de 95,5% (21/22);10 Dermihan de 92% (23/25);11 Ulku de 92% (23/25)12 e Karatas de 86,3% (57/66).13 Com o uso dessa técnica em população pediátrica, Karatas descreve sucesso em 91,4% (53/58)14 e Akyigit em 93,7% (30/32),15 enquanto Isaacson obteve membrana timpânica intacta em 55% (17/31), microperfurações em 32% (10/31) e perfurações maiores em 13% (4/31).16 No presente estudo, a identificação de qualquer perfuração no fim do seguimento pós‐operatório foi considerada como insucesso, independentemente do tamanho e da relação com o enxerto.
Essa casuística sofre influência da pouca experiência dos cirurgiões ainda residentes, que executam a técnica por um período inferior a um ano. Vartiainen descreveu uma frequência de fechamento da perfuração timpânica em 78% das 188 timpanoplastias feitas por residentes em treinamento, contra 95% das 594 feitas pelos preceptores. Dois pacientes operados por residentes desenvolveram colesteatomas.17 Liu observou taxa de sucesso de 81,82% entre as 44 timpanoplastias feitas por residentes, contra 96,43% das 56 cirurgias feitas por preceptores certificados, as cirurgias dos residentes foram ais demoradas e mais custosas.18 Em timpanoplastias executadas por residentes, Fukuchi descreve uma taxa de sucesso de 65%,8 Sirena de 80% (24/30),1 Lima, de 95% (37/39).19 Neste estudo e nos mencionados anteriormente, não houve complicações importantes decorrentes da cirurgias dos residentes, porém a taxa de sucesso justificaria uma supervisão mais cuidadosa, com intervenção do preceptor quando necessário.17
O acesso endoscópico tem ganhado espaço nas cirurgias otológicas. Os microscópios modernos fornecem excelente visão binocular do campo operatório e permitem uma abordagem cirúrgica bimanual, porém apresentam restrições quanto à visualização de recessos de difícil acesso. Como a fonte emissora de luz fica distante do sítio cirúrgico, não é possível transpor curvaturas, torna necessárias a retração de tecidos moles e a remoção de osso para visualizar certas regiões. O endoscópio traz a vantagem de aproximar a fonte de luz do sítio cirúrgico, obtém uma imagem completa e magnificada, com alta resolução e capacidade de transpor curvaturas, torna o meato acústico externo uma excelente via de acesso e possibilita visualizar recessos, pelo uso de endoscópios angulados. Como maior desvantagem, restringe uma das mãos do cirurgião, dificulta controle de sangramento, quando importante. Por aproximar a luz do sítio cirúrgico, o endoscópio pode provocar injúrias térmicas. Pode ser usado como acesso exclusivo ou combinado com o microscópio.20–24 Neste estudo, todas as timpanoplastias foram executadas somente com o endoscópio.
Eren ressalta o uso da técnica de timpanoplastia endoscópica trascanal com cartilagem inlay para fechamento de perfurações nos quadrantes anteriores da membrana timpânica, cujos menores índices de sucesso na timpanoplastia são atribuídos tanto a questões de vascularização25 quanto, principalmente, à dificuldade de visualização completa com o microscópio, devido à curvatura anterior do meato acústico externo, muitas vezes exige o acesso retroauricular ou canaloplastias. O uso do endoscópio facilita a visualização do bordo anterior, transpõe a curvatura do meato, assim como o posicionamento inlay do enxerto evitaria a distância entre possível retalho timpanomeatal posterior e a perfuração anterior.10
Técnicas com posicionamento do enxerto underlay ou overlay à membrana timpânica envolvem incisões de retalho no meato acústico externo, que pode sofrer granulação, causar dor, além de plenitude e perda auditiva temporária relacionada ao preenchimento das orelhas externa e média com curativo. A técnica transcanal inlay dispensa incisões retroauriculares ou meatais, reduz o tempo cirúrgico e a necessidade de preencher as orelhas com curativo, minimiza problemas auditivos no pós‐operatório imediato. O sítio doador do enxerto de cartilagem, o tragus, apresenta baixa morbidade e melhores resultados cosméticos.14,16 Na literatura, as taxas de sucesso das timpanoplastias inlay com cartilagem não diferem das técnicas underlay.3,9,26
Neste estudo, houve melhoria significativa dos parâmetros audiométricos. Houve redução do gap em 71% dos pacientes, com fechamento em 27% e ganho médio de 7dB. Outros estudos com timpanoplastia endoscópica transcanal com cartilagem inlay reportam um ganho médio no gap que varia de 8 a 12dB.10,12–15 A força e rigidez da cartilagem conferem maior estabilidade para o enxerto, porém existe uma preocupação quanto a essas mesmas características apresentarem um efeito negativo na condução do som.27,28
Em nossa experiência com treinamento cirúrgico de residentes de otorrinolaringologia, a visão proporcionada pelo endoscópio facilita a orientação anatômica nas cirurgias otológicas. Entre as técnicas de timpanoplastia executadas em nosso serviço, a inserção do enxerto de cartilagem inlay via transcanal tem a menor curva de aprendizagem e constitui uma boa oportunidade para treinar o uso do endoscópio, apresenta menor sangramento e menor demanda bimanual do que a técnica underlay, cujo descolamento do retalho timpanomeatal apresenta sangramento, exige habilidade para sua execução com uma única mão. Sua indicação fica restrita a perfurações com todos os bordos presentes, possibilita a inserção completa do sulco da cartilagem. Para perfurações marginais, prefere‐se a técnica underlay com enxerto de fáscia temporal.
ConclusãoA taxa de sucesso (neotímpano íntegro) das timpanoplastias endoscópicas transcanal com enxerto de cartilagem inlay foi de 76%. Houve redução do gap auditivo aéreo‐ósseo em 71%, com recuperação completa em 27% e ganho médio de 7dB.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Pontes‐Madruga TC, Nogueira Neto FB, Suzuki FA, Testa JR, Onishi ET. Endoscopic tympanoplasty with inlay cartilage graft in an university hospital. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:434–9.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.