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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 370-373 (Maio - Junho 2021)
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Vol. 87. Núm. 3.
Páginas 370-373 (Maio - Junho 2021)
Relato de caso
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Um caso raro de hemangioma de saco endolinfático em um paciente supostamente portador de doença de Ménière
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Valentina Longonia,c,
Autor para correspondência
longonivalentina@gmail.com

Autor para correspondência.
, Paola Scagnellib, Giancarlo Tirellia, Vittorio Pietro Achillic
a Azienda Sanitaria Universitaria Giuliano Isontina, Head and Neck Department, ENT Clinic, Trieste, Itália
b Ospedale Maggiore, Radiology Department, Lodi, Itália
c Ospedale Maggiore, ENT Department, Lodi, Itália
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Introdução

Lesões primárias do saco endolinfático (SE) que surgem do saco ou ducto endolinfático são frequentemente mal diagnosticadas. Os tumores do SE são neoplasias raras e tipicamente destrutivas do osso temporal posterior.

Em 1984, durante uma descompressão de saco endolinfático, foi observado um tumor que surgia nele. Mais tarde, Heffner, em 1989, descreveu os tumores de SE como adenocarcinomas papilares de baixo grau.1 Hemangiomas são tumores vasculares benignos que devem ser incluídos no diagnóstico diferencial de lesão que envolve o saco endolinfático.2

Se os hemangiomas do osso temporal são considerados muito raros, Mangham et al. demonstraram 0,21% dos casos em 1.430 tumores intratemporais;3 os hemangiomas do saco endolinfático são ainda mais raros. Dois casos são descritos na literatura, um dos quais em um paciente com doença de Von Hippel‐Lindau (VHL).2,4

Hemangiomas do osso temporal mais frequentemente afetam o canal auditivo interno (CAI) e a região do gânglio geniculado. O hemangioma do nervo facial representa 0,7% de todos os tumores intratemporais.5

A perda auditiva neurossensorial progressiva e o zumbido pulsátil são os principais sintomas nos casos localizados no CAI; disfunção do nervo facial e/ou espasmos faciais são muito mais frequentes no caso de envolvimento da região do gânglio geniculado, mas os sintomas auditivos ou vestibulares não são excluídos.6

Os hemangiomas do osso temporal podem envolver os nervos cranianos e podem ser encontrados até mesmo na orelha média e externa. O diagnóstico pode levar anos até ser estabelecido.

Teste de imagem são necessários para excluir outras possíveis etiologias que se apresentam com os mesmos sintomas no paciente. Os hemangiomas intratemporais mimetizam outras lesões mais comuns da base do crânio, o que os torna difíceis de ser diagnosticados no período pré‐operatório.

O hemangioma do saco endolinfático pode ser diagnosticado erroneamente como muitas outras lesões benignas e malignas, tumores secundários e condições inflamatórias.

Relato de caso

Uma mulher branca de 48 anos, anteriormente tratada por alguns anos para doença de Ménière com dieta hipossódica, diuréticos e betaistina sem benefícios, veio ao nosso serviço e referiu novo início de crise de tontura grave, sem vertigem. Ela também tinha uma história de perda auditiva monolateral esquerda progressiva sem zumbido. Não relatava dor de cabeça, náusea, disfagia ou otalgia. A paciente tinha história de traumatismo cranioencefálico em tenra idade sem envolvimento de nervos cranianos, inclusive paralisia do nervo facial.

Ao exame físico, a membrana timpânica estava íntegra bilateralmente. Não havia evidência de nistagmo espontâneo ou evocado e oscilopsias multidirecionais foram detectadas no teste de Romberg. Nenhuma disfunção foi observada nos nervos cranianos VII, IX, X, XI, XII. Observou‐se paralisia facial leve à esquerda (House‐Brackmann grau II). A audiometria tonal revelou perda auditiva neurossensorial grave e assimétrica à esquerda.

As respostas do exame de potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) mostraram latência apenas ligeiramente aumentada no lado esquerdo para a onda V (ILD‐V 0,28). O teste calórico mostrou respostas vestibulares assimétricas com hiporreflexia à esquerda.

A tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) sem realce, com janela óssea, evidenciou erosão óssea na região do SE esquerdo. A ressonância magnética (RM) do cérebro e osso temporal com gadolínio‐DTPA (ácido dietilenotriamina penta‐acético) revelou uma lesão osteolítica na face posterior do osso petroso esquerdo, na região do SE, respectivamente isointensa ao cérebro em imagens ponderadas em T1, hiperintensa em imagens aprimoradas ponderadas em T2 e imagens acentuadas com realce pelo contraste (fig. 1).

Figura 1.

A tomografia computadorizada de alta resolução do osso temporal revelou erosão óssea retrolabiríntica na região do saco endolinfático esquerdo, com margens irregulares e “padrão roído por traças” (A). A lesão apresentava sinal isointenso nas imagens ponderadas em T1da RM (B) e acentuado realce pelo contraste (C); sinal heterogêneo hiperintenso em T2‐WI (D).

(0,43MB).

O monitoramento intraoperatório do VII nervo craniano esquerdo mostrou condutividade.

Uma abordagem retrolabiríntica transmastoide foi feita sob anestesia geral para obter acesso que preservasse a cápsula ótica. Optou‐se por uma incisão auricular posterior esquerda estendida. Foi necessária uma mastoidectomia profunda para esqueletizar o seio sigmoide e o bulbo jugular. O canal semicircular posterior foi identificado e preservado. O segmento mastoide do nervo facial foi esqueletizado, mas não exposto (fig. 2). A dura‐máter da fossa posterior foi exposta, removeu‐se o osso entre o seio sigmoide e o labirinto ósseo. O SE e o aqueduto vestibular foram identificados com localização inferior à linha de Donaldson.

Figura 2.

Acesso transmastoideo retroauricular esquerdo, com preservação da parede posterior do meato e esqueletização do seio sigmoide (A); Esqueletização do canal semicircular posterior e remoção das células retrofaciais para exposição da região do Saco Endolinfático (SE) (B); Osso retrolabiríntico de aparência vermelha foi destacado ao perfurar‐se abaixo da linha de Donaldson. Parecia estar infiltrado e corroído por uma lesão vascularizada avermelhada que envolvia o SE (C); o SE foi removido juntamente com a dura da fossa posterior adjacente por estar envolvido na lesão (D).

(0,5MB).

Uma lesão osteolítica do SE, que infiltrava a dura‐máter da fossa posterior subjacente, tornou‐se aparente e foi removida totalmente. O labirinto posterior não se encontrava comprometido.

A abertura da dura‐máter da fossa posterior foi reparada com um tampão de gordura abdominal.

O exame histopatológico revelou a presença de hemangioma do SE (fig. 3).

Figura 3.

(HE, 10×) Visão microscópica de baixa ampliação do espécime mostra espaços vasculares dilatados irregulares, desprovidos de hemácias, trabéculas ósseas infiltrantes e tecido fibroso (A); (HE, 40×) Com maior ampliação, os espaços vasculares mostram‐se revestidos por uma única fileira de células endoteliais sem parede muscular subjacente (B).

(0,53MB).

O pós‐operatório transcorreu sem intercorrências: a audição não foi afetada, a tontura melhorou, mas persistiu, e não houve o aparecimento de vertigem.

A paciente não apresentou recidivas durante o seguimento de 12 meses.

Discussão

Às vezes, a doença de Ménière pode ser um sinal de hidropsia endolinfática que ocorre de maneira secundária a um outro processo, decorrente de uma doença não diagnosticada. Nesta paciente, a doença de Ménière poderia ser mimetizada pelo aumento da pressão dentro do sistema endolinfático secundário ao hemangioma do SE, ou por uma espécie de “efeito de roubo vascular” devido à lesão altamente vascularizada. Além disso, o audiograma poderia apresentar uma perda auditiva combinada de baixa e alta frequência devido à degeneração do órgão de Corti causada pela distensão do labirinto membranoso.6

Imagens em corte transversal na ressonância magnética e TCAR podem ser necessárias não apenas para excluir neuromas do acústico, meningiomas, paragangliomas, tumores endolinfáticos (TELs) ou outras lesões do ângulo pontocerebelar, mas também lesões intracranianas que se manifestam com distúrbios de equilíbrio e da audição, como a esclerose múltipla ou a hidrocefalia.

Existem poucos casos relatados de TELs em pacientes com doença de Ménière; os dois casos relatados de hemangiomas do SE se apresentaram com a tríade de Ménière atípica. O primeiro tinha histórico de vertigem e zumbido monolateral com audição normal bilateralmente2 e o paciente com VHL apresentou perda auditiva neurossensorial súbita.4

Na doença de Von Hippel‐Lindau, 11% a 16% dos pacientes desenvolvem TELs, os quais ocorrem bilateralmente em cerca de 30% deles. A associação entre VHL e esses tumores foi identificada e confirmada por poucos autores. O tumor e hemangioma do SE podem mimetizar a doença de Ménière, apresentar imagens inicialmente normais; essas imagens não são claramente distinguíveis radiologicamente de tumores do SE no osso temporal ou entidade vascular, considera‐se que a malformação vascular pode coexistir em uma única massa. Os hemangiomas do SE são geralmente identificados pela presença de erosão óssea retrolabiríntica com margens irregulares geralmente chamadas de “padrão roído por traças”, espículas ósseas intratumorais presentes quase sempre em lesões centradas no saco endolinfático, e podem se estender para o CAI, porção medial da mastoide que invadem o nervo facial, ou para a fossa craniana posterior, invadem a dura‐máter na TCAR. O sinal em favo de mel (faveolamento) na TCAR pode estar presente e se correlacionar com a intensidade do sinal não homogêneo da RM. Na ressonância magnética, a lesão geralmente apresenta sinal isointenso nas imagens ponderadas em T1, um sinal heterogêneo hiperintenso nas imagens ponderadas em T2 e principalmente realce não homogêneo pelo contraste7,8.

Os hemangiomas do osso temporal podem apresentar sinais de cauda dural e no pré‐operatório podem ser confundidos com meningiomas. Uma classificação adicional de hemangiomas é proposta na literatura, por Mulliken e Glowacki, que usaram um sistema de classificação para lesões vasculares9. O diagnóstico diferencial para o hemangioma inclui neoplasias benignas e malignas do osso temporal. Os paragangliomas são de longe os mais comuns. O osso temporal pode ser um local de aparecimento de carcinoma papilar metastático da tireoide ou carcinoma renal. Schwannomas do nervo facial, papilomas do plexo coroide, neoplasias ceruminosas, meningiomas, podem ser erroneamente diagnosticados como hemangiomas. Mielomas, carcinomas nasofaríngeos, xantomas, abscesso do ápice petroso ou osteomielite também podem fazer parte do diagnóstico diferencial. Há uma variedade de nomes usados para tumores do SE; particularmente o tumor papilar do saco endolinfático tem muitos sinônimos, o que reflete as incertezas histogenéticas e comportamentais. Eles têm natureza benigna, mas invasiva; eles são localmente agressivos; metástases a distância são descritas, mas são excepcionalmente raras, mesmo possíveis. Os achados clínicos e radiológicos nem sempre conseguem diferenciar o hemangioma de outras lesões neoplásicas ou inflamatórias do SE que apresentam realce com o gadolínio.1 Portanto, a ressecção cirúrgica permanece o tratamento de escolha. A abordagem cirúrgica depende da localização, da extensão da lesão e do estado auditivo da orelha ipsilateral e contralateral. Em caso de audição pré‐operatória favorável, uma abordagem retrolabiríntica transmastoide é indicada. Caso a preservação da audição não valha a pena, uma abordagem translabiríntica que sacrifique a audição residual é a melhor escolha. Se a lesão envolver o labirinto posterior, a labirintectomia deve ser recomendada.2 Uma abordagem endoscópica transcanal, combinada com uma minicraniotomia transmastoide retroauricular, foi descrita em um caso de hemangioma do nervo facial, com o objetivo de respeitar o bloco labiríntico e a cóclea5. Entretanto, não está exatamente claro se os hemangiomas devem ser considerados tumores ou malformações vasculares.10

Conclusão

Os hemangiomas, a depender da localização e da apresentação clínica, podem ser confundidos com vários tipos de lesões. A TCAR sem realce e a ressonância magnética com contraste do osso temporal e da base do crânio são recomendadas para pacientes nos quais a doença de Ménière é suspeitada, mas a “tríade de sintomas” é atípica ou não está presente. O protocolo de vigilância por imagem em pacientes com suspeita de doença de Ménière pode ser útil para controlar um novo aparecimento de tumor do SE, mas a regularidade adequada não é claramente previsível. Como a avaliação radiológica pode não ser suficiente para fazer um diagnóstico pré‐operatório, a ressecção cirúrgica é a opção de escolha para ter‐se uma definição histopatológica. Uma postura expectante com exame de imagem pode não ser recomendada devido à sua natureza invasiva local. Uma abordagem retrolabiríntica transmastoide permite preservar a cápsula ótica. Recomenda‐se a remoção radical com ressecção da dura‐máter que reveste o saco para obter‐se uma remoção completa e prevenir recorrências. As estratégias de vigilância devem ser consideradas em pacientes com VHL.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse

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Como citar este artigo: Longoni V, Scagnelli P, Tirelli G, Achilli VP. A rare case of endolymphatic sac hemangioma in a patient alleged to have Ménière's disease. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:370–3.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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