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Vol. 86. Núm. 5.
Páginas 568-578 (Setembro - Outubro 2020)
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Vol. 86. Núm. 5.
Páginas 568-578 (Setembro - Outubro 2020)
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Central auditory processing in teenagers with non-cholesteatomatous chronic otitis media
Processamento auditivo central em adolescentes com otite média crônica não colesteatomatosa
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3905
Márcia Salgado Machadoa,
Autor para correspondência
marciasm@ufcspa.edu.br

Autor para correspondência.
, Adriane Ribeiro Teixeirab, Sady Selaimen da Costac
a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Departamento de Fonoaudiologia, Porto Alegre, RS, Brasil
b Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Departamento de Fonoaudiologia, Porto Alegre, RS, Brasil
c Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Departamento de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, Porto Alegre, RS, Brasil
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Estatísticas
Figuras (2)
Tabelas (4)
Tabela 1. Caracterização da amostra
Tabela 2. Resultados comparativos dos testes de PAC entre os grupos estudo e controle
Tabela 3. Resultados comparativos dos testes de PAC entre indivíduos do GC e os subgrupos do GE com alteração condutiva unilateral e bilateral
Tabela 4. Resultados comparativos dos testes de PAC entre o GC e o GE de acordo com a classificação da renda familiar
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Abstract
Introduction

Evidences of possible effects of early age otitis media with effusion in the central auditory processing, emphasize the need to consider such effects also in subjects with chronic otitis media.

Aim

To investigate and analyze the impact of non‐cholesteatomatous chronic otitis media on central auditory processing in teenagers.

Methods

This is a study in which 68 teenagers were recruited, 34 with a diagnosis of non‐cholesteatomatous chronic otitis media (study group) and 34 without otological disease history (control group). The evaluation of the subjects consisted of: anamnesis, pure‐tone threshold audiometry, speech audiometry and a behavioral test battery for assessment of central auditory processing.

Results

A statistically significant difference was found between the means observed in the study and control groups in all tests performed. An association was found between the control group and subgroups of the study group with unilateral alterations in all tests. An association was shown between the results for the control group and study group for family income, with a greater impact on subjects with a lower income.

Conclusions

Non‐cholesteatomatous chronic otitis media affects the central auditory processing in teenagers suffering from the disorder, and monaural low‐redundancy hearing is the most affected auditory mechanism. Unilateral conductive changes cause more damage than bilateral ones, and lower family income seems to lead to more changes to the central auditory processing of subjects with non‐cholesteatomatous chronic otitis media.

Keywords:
Auditory perception
Otitis media
Auditory perception disorders
Central auditory diseases
Teenager
Resumo
Introdução

As evidências de prováveis efeitos de otite média com efusão precoce no proces‐samento auditivo central, ressaltam a necessidade de se considerar tais efeitos também em sujeitos com otite média crônica.

Objetivo

Investigar e analisar o impacto da otite média crônica não colesteatomatosa no processamento auditivo central em adolescentes.

Método

Estudo para o qual foram recrutados 68 adolescentes, 34 com diagnóstico de otite média crônica não colesteatomatosa (grupo de estudo) e 34 sem história otológica (grupo controle). A avaliação dos indivíduos consistiu de: anamnese, audiometria do limiar auditivo para tons puros, audiometria vocal e bateria de testes comportamentais para avaliação do processamento auditivo central.

Resultados

Foi encontrada uma diferença estatisticamente significante entre as médias observadas nos grupos de estudo e controle em todos os testes. Foi encontrada uma associação entre o grupo controle e os subgrupos do grupo de estudo com alterações unilaterais em todos os testes. Houve associação entre os resultados dos grupos controle e de estudo para a renda familiar, com maior impacto nos indivíduos com menor renda.

Conclusões

A otite média crônica não colesteatomatosa afeta o processamento auditivo central em adolescentes, a audição monoaural de baixa redundância é o mecanismo auditivo mais afetado. Alterações condutivas unilaterais causam mais danos do que as bilaterais e a menor renda familiar parece conduzir a mais alterações no processamento auditivo central de indivíduos com otite média crônica não colesteatomatosa.

Palavras‐chave:
Percepção auditiva
Otite média
Distúrbios da percepção auditiva
Doenças auditivas centrais
Adolescente
Texto Completo
Introdução

O processamento auditivo central (PAC) aumenta a eficiência e a eficácia com que o sistema nervoso central usa informações auditivas.1 O PAC envolve um número de habilidades específicas que são necessárias para a compreensão do que se ouve.2 Quando esse processo é alterado, ocorrem dificuldades no processamento da informação auditiva percebida (American Speech‐Language‐Hearing Association, 2005), o que caracteriza o distúrbio do processamento auditivo central (DPAC).3

Existem várias causas conhecidas do DPAC, que incluem lesões cerebrais, distúrbios neurológicos e maturação tardia das vias auditivas centrais.4 Além dessas causas, a otite média com efusão (OME) recorrente precoce também foi considerada um fator de risco para o desenvolvimento do DPAC.2,5 Deve‐se notar que o termo “recorrente” refere‐se a um histórico de seis ou mais episódios da doença6 e o termo “precoce” é aplicado quando a condição ocorre durante os primeiros 5 anos de vida.7,8 Portanto, recomenda‐se que indivíduos com histórico significativo de otite média precoce ou outras condições que resultam em privação sensorial auditiva sejam encaminhados para avaliação do PAC.3

Grandes esforços têm sido feitos para elucidar o que realmente ocorre durante o desenvolvimento do PAC em casos de perda auditiva associada à otite média com efusão;7–21 no entanto, com base na revisão da literatura médica isso ainda não foi esclarecido até o momento.22

Portanto, como as evidências mostram que há uma associação entre a OME precoce e o DPAC permanente, é razoável especular que a relação também possa existir entre o DPAC permanente e a otite média crônica (OMC), caracterizada por infecção crônica da orelha média e mastoide.23 Entretanto, a literatura contém apenas estudos (prospectivos ou retrospectivos) que relacionam o PAC a um histórico de otite média com efusão precoce recorrente.

Dentre as doenças crônicas que afetam a orelha média, a otite média crônica não colesteatomatosa (OMCNC) é considerada a mais comum,24 geralmente é acompanhada de perfurações ou retrações timpânicas, além de otorreia e perda auditiva em longo prazo.25

Assim, o objetivo geral deste estudo foi investigar o impacto da OMCNC no processamento auditivo central em adolescentes, analisar a relação entre o PAC e o nível socioeconômico e comparar os resultados de testes do PAC obtidos de indivíduos com distúrbios condutivos unilaterais e bilaterais.

MétodoParticipantes

Estudo transversal, observacional e controlado. A amostra foi composta por dois grupos consecutivamente selecionados (amostra não probabilística): grupo controle (GC) composto por adolescentes sem histórico de doenças otológicas e grupo de estudo (GE) composto por adolescentes com diagnóstico de OMCNC. Indivíduos entre 12 e 18 anos foram considerados adolescentes.

Os seguintes critérios de inclusão foram usados para o grupo controle: adolescentes e que frequentassem escolas públicas; sem histórico de otite média recorrente6 ou precoce;7,8 avaliação audiológica normal (audiometria e imitanciometria); e desenvolvimento geral típico. O grupo de estudo foi constituído por 34 adolescentes de escolas públicas com diagnóstico de OMCNC unilateral ou bilateral, sem histórico de cirurgia otológica e com limiares auditivos médios nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000Hz de até 40dB NA na(s) orelha(s) afetada(s). Os grupos GE e GC foram pareados por idade, sexo, escolaridade materna26 e renda familiar.27

Os seguintes critérios de exclusão foram aplicados em ambos os grupos: presença de distúrbios mentais ou neurológicos ou de síndromes genéticas; indivíduos canhotos; histórico de formação musical formal; e presença de outros fatores de risco para perda auditiva. As informações sobre esses critérios foram coletadas dos prontuários de cada paciente (grupo de estudo) ou por meio de anamnese com os pais (grupo controle).

Os indivíduos do GE foram convidados a participar deste estudo no momento de sua avaliação audiológica, agendada no Serviço de Audiologia e Patologia da Fala e Linguagem, feita como procedimento de rotina nos ambulatórios de otite média crônica de origem. Os indivíduos do GC foram recrutados em escolas públicas. Todas as avaliações foram feitas por um pesquisador treinado com experiência na condução dos procedimentos do estudo. Este estudo foi avaliado e aprovado pelo comitê de ética da instituição de origem. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.

Procedimentos

Os seguintes procedimentos foram feitos nos indivíduos dos grupos controle e de estudo: anamnese, avaliação audiológica básica (audiometria e audiometria vocal), avaliação do processamento auditivo central com uma bateria de testes comportamentais (MLD, limiar diferencial de mascaramento; SSI‐ICM, identificação de sentenças sintéticas com mensagem competitiva ipsilateral; RGDT, teste de detecção de intervalo aleatório; DPS, testes tonais de padrão de duração; versão de Musiek, e TDD, teste dicótico de dígitos).

O MLD foi feito na intensidade de 70dB em orelhas com limiares auditivos dentro dos parâmetros normais (média quadritonal ≤ 25dB) ou até 50dB NS em orelha(s) com limiares alterados (média quadritonal >25dB). O critério de normalidade usado para a análise dos dados foi MLD ≥ 9dB.2

A SSI‐ICM foi aplicada a uma intensidade de 40dB NA na mensagem principal e a intensidade da mensagem competitiva ipsilateral foi medida sob duas condições de relação sinal‐ruído (0 e ‐15dB). Os critérios de normalidade basearam‐se nas recomendações dos autores do teste (≥ 80% das respostas corretas para uma relação sinal‐ruído de 0dB e ≥ 60% das respostas corretas para uma razão de ‐15dB).28

O RGDT foi feito e os resultados registrados de acordo com as recomendações descritas no manual do teste,29 usou‐se o parâmetro de normalidade RGDT ≤ 10ms para indivíduos com 12 anos ou mais.2

O DPS foi feito a uma intensidade de 50dB NA e uma apresentação binaural, foi usado o parâmetro de normalidade de pelo menos 73% de respostas corretas.30

Finalmente, o TDD (estágio de integração) foi feito e analisado de acordo com as recomendações dos autores; portanto, um percentual de respostas corretas maior que 95% em ambas as orelhas foi considerado como parâmetro de normalidade.28

Vale ressaltar que o diagnóstico de DPAC baseia‐se na análise global dos resultados obtidos nos testes selecionados para avaliação comportamental do PAC, pois esses resultados refletem o funcionamento dos mecanismos fisiológicos do sistema nervoso auditivo central. No entanto, para o propósito deste estudo, a análise foi focada nos mecanismos auditivos,31 os quais foram avaliados por testes específicos: interação binaural (MLD), audição monoaural de baixa redundância (SSI‐ICM), processamento temporal (resolução temporal‐ RGDT e ordenação temporal ‐ DPS) e escuta dicótica (DD).

Equipamento

Todos os procedimentos para avaliação audiológica e comportamental do CAP (GE e GC) foram feitos em cabine acústica, usou‐se um audiômetro de dois canais (Interacoustics®, modelo AC40).

Subgrupos do grupo de estudo

Com o objetivo de analisar o impacto da unilateralidade e bilateralidade das alterações condutivas causadas pela OMCNC, o GE foi dividido em dois subgrupos. O primeiro foi formado por indivíduos do GE com alterações unilaterais condutivas (Unicon, Unilateral Conductive) que apresentavam um gap sem limiares auditivos suficientes para perda auditiva ou com perda auditiva condutiva leve em apenas uma orelha. O segundo subgrupo foi composto por indivíduos com alterações condutivas bilaterais (Bilcon, Bilateral Conductive), ou seja, aqueles que apresentavam um gap sem limiares auditivos suficientes para classificação da perda auditiva em ambas as orelhas, ou com perda auditiva condutiva leve em ambas as orelhas ou casos bilaterais mistos, caracterizados por uma orelha com gap e outra com perda auditiva condutiva.

Além dos subgrupos acima, a amostra do GE também foi estratificada em cinco subgrupos de acordo com o tipo de defeito condutivo: perda auditiva condutiva unilateral (UNICHL, Unilateral Conductive Hearing Loss), perda auditiva condutiva bilateral (BILCHL, Bilateral Conductive Hearing Loss), Gap unilateral (Unigap, Unilateral Gap), Gap bilateral (Bilgap, Bilateral Gap) e presença de perda auditiva condutiva em uma orelha e gap na outra (Mista).

Tamanho da amostra

O tamanho da amostra foi calculado com o software WINPEPI versão 11.43. Considerando um nível de significância de 5%, poder de 90% e um tamanho de efeito mínimo de 0,8 de desvio‐padrão entre os grupos,22 o número mínimo calculado de indivíduos por grupo foi de 33, total de 66.

Análise estatística

A análise estatística dos dados foi feita conforme descrito a seguir. As variáveis quantitativas são descritas como médias e desvios‐padrão ou medianas e intervalos interquartis; as variáveis qualitativas são descritas como valores absolutos e frequências relativas; o teste t de Student foi aplicado para comparar as médias entre grupos; o teste de Mann‐Whitney foi usado para dados assimétricos; o coeficiente de correlação de Pearson (distribuição simétrica) ou o coeficiente de correlação de postos de Spearman (distribuição assimétrica) foram aplicados para avaliar a associação entre os resultados do teste; o teste t de Student para amostras pareadas foi usado para comparar os resultados do TDD entre as orelhas direita e esquerda no grupo de estudo; e o teste de Cochran foi usado para comparar as variações entre os testes do PAC no grupo de estudo. O teste de Dunnett foi usado para verificar a associação entre o GC e os subgrupos com alterações unilaterais, bilaterais e mistas condutivas. O nível de significância adotado foi de 5% (p ≤ 0,05). As análises foram feitas no software SPSS versão 21.0.

Considerações éticas

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição do estudo, com o protocolo de aprovação n° 41689215.7.0000.5327.

Resultados

As características dos participantes do estudo estão apresentadas na tabela 1.

Tabela 1.

Caracterização da amostra

Variáveis  Grupo de Estudo(n=34)  Grupo Controle(n=34)  p 
Idade (anos) – média± DP  14,9±2,1  15,1±2,1  0,569 
Sexo – n (%)      1,000 
Masculino  22 (64,7)  22 (64,7)   
Feminino  12 (35,3)  12 (35,3)   
Anos de escolaridade – média± DP  8,8±1,9  9,3±2,3  0,308 
Idade de início OM – média±DP  2,24±1,8  –   
Escolaridade materna – n (%)      0,452 
Fundamental incompleto  15 (44,1)  11 (32,4)   
Fundamental completo  3 (8,8)  1 (2,9)   
Ensino médio incompleto  5 (14,7)  6 (17,6)   
Ensino médio completo  11 (32,4)  16 (47,1)   
Renda familiar – n (%)      0,865 
Vulnerável  16 (47,1)  17 (50,0)   
Classe média baixa  12 (35,3)  10 (29,4)   
Classe média média  6 (17,6)  7 (20,6)   
CA– média±DP
OD  21,2±10,8  5,9±3,9  <0,001a 
OE  21,2±11,4  5,7±3,4  <0,001a 
Gap – média±DP
OD  19,3±9,6  –   
OE  17,7±9,0  –   

CA, condução aérea; DP, desvio‐padrão; n, número; OD, orelha direita; OE, orelha esquerda.

a

p ≤ 0,05 (nível de significância estatística).

Todos os adolescentes do grupo de estudo apresentaram problemas em pelo menos dois mecanismos fisiológicos do PAC. A tabela 2 mostra uma comparação dos resultados obtidos no teste PAC entre o grupo de estudo e o grupo controle.

Tabela 2.

Resultados comparativos dos testes de PAC entre os grupos estudo e controle

Variáveis  Grupo de Estudo(n=34)  Grupo Controle(n=34)  pa  Tamanho de efeito 
SSI 0 – média±DP
OD (%)  53,2±15,5  100±0,0  <0,001  4,27 
OE (%)  53,5±15,2  100±0,0  <0,001  4,33 
SSI ‐15 – média±DP
OD (%)  29,1±15,8  96,2±6,0  <0,001  5,63 
OE (%)  31,8±15,3  95,3±6,1  <0,001  5,46 
TDD – média±DP
OD (%)  96,3±4,6  99,3±1,1  0,001  0,90 
OE (%)  97,6±3,0  99,4±1,1  0,003  0,80 
DPS – média±DP (%)  45,6±22,1  61,8±18,0  0,002  0,81 
MLD – média±DP (dB)  9,2±3,6  11,5±1,3  0,001  0,85 
RGDT – média±DP (ms)  14,1±6,4  4,1±1,6  <0,001  2,15 

dB, decibel; DP, desvio‐padrão; DPS, sequência de padrão de duração; MLD, limiar diferencial de mascaramento; ms, milissegundos; n, número; OD, orelha direita; OE, orelha esquerda; RGDT, teste de detecção de gap aleatório; SSI, identificação de sentenças sintéticas; TDD, teste dicótico de dígitos.

a

p ≤ 0,05 (nível de significância estatística).

A figura 1 mostra as associações relacionadas ao desempenho entre os testes de PAC no grupo de estudo.

Figura 1.

Alterações percentuais entre os testes de CAP no grupo de estudo. OD, Orelha Direita; OE, Orelha Esquerda; SSI, Identificação de Sentenças Sintéticas; TDD, Teste Dicótico de Dígitos; DPS, Sequência de Padrão de Duração; MLD, Limiar Diferencial de Mascaramento; RGDT, Teste de Detecção de Gap Aleatório.

(0,08MB).

Em relação aos resultados obtidos de acordo com o tipo de problema condutivo, os dados foram inicialmente comparados entre o GC e os subgrupos do GE com distúrbios condutivos unilaterais e bilaterais. Nessa análise, foi observada uma diferença estatisticamente significante em todos os resultados do teste de PAC na comparação do GC com o Unicon. Em relação à comparação entre o GC e o Bilcon, observou‐se associação significante entre os resultados do teste SSI (orelha direita e orelha esquerda em ambas as condições de escuta), DPS e RGDT (tabela 3).

Tabela 3.

Resultados comparativos dos testes de PAC entre indivíduos do GC e os subgrupos do GE com alteração condutiva unilateral e bilateral

Variáveis  Grupo Controle(n=34)  Subgrupo Unicon (n=15)  pa  Subgrupo Bilcon (n=19)  p 
SSI 0 – média±DP
OD (%)  100±0,0  50,7±10,3  <0,001  55,3±18,7  <0,001a 
OE (%)  100±0,0  52,7±10,9  <0,001  54,2±18,0  <0,001a 
SSI ‐15 – média±DP
OD (%)  96,2±6,0  27,3±13,9  <0,001  30,5±17,5  <0,001a 
OE (%)  95,3±6,2  28,7±9,2  <0,001  34,2±18,7  <0,001a 
TDD – média±DP
OD (%)  99,3±1,1  95,2±5,9  <0,001  97,2±3,1  0,054 
OE (%)  99,4±1,1  97,2±3,4  0,004  98,0±2,7  0,068 
DPS – média±DP (%)  61,8±18,0  46,4±23,1  0,034  44,9±21,9  0,010a 
MLD – média±DP (dB)  11,5±1,3  8,4±3,6  0,001  9,9±3,5  0,082 
RGDT – média±DP (ms)  4,1±1,6  13,0±6,9  <0,001  15,1±5,9  <0,001a 

Bilcon, subgrupo com alteração condutiva bilateral; dB, decibel; DP, desvio‐padrão; DPS, sequência de padrão de duração; MLD, limiar diferencial de mascaramento; ms, milissegundos; n, número; OD, orelha direita; OE, orelha esquerda; RGDT, teste de detecção de gap aleatório; SSI, identificação de sentenças sintéticas; TDD, teste dicótico de dígitos; Unicon, subgrupo com alteração condutiva unilateral.

a

p ≤ 0,05 (nível de significância estatística).

Além dos dados apresentados, os resultados da comparação entre o GC e os cinco subgrupos de acordo com o tipo de defeito condutivo são mostrados na figura 2.

Figura 2.

Gráfico mostra os resultados comparativos entre as médias dos testes do GC e subgrupos do GE de acordo com o tipo de alteração condutiva. PAC, Processamento Auditivo Central; CG, Grupo Controle; UNICHL, Perda Auditiva Condutiva Unilateral; BILCHL, Perda Auditiva Condutiva Bilateral; Unigap, gap unilateral; Bilgap, gap bilateral; OD, Orelha Direita; OE, Orelha Esquerda; SSI, Identificação de Sentenças Sintéticas; TDD, Teste Dicótico de Dígitos; DPS, Sequência de Padrão de Duração; MLD, Limiar Diferencial de Mascaramento; RGDT, Teste de Detecção de Gap Aleatório; dB, decibéis; ms, milissegundos.

(0,18MB).

Foi observada diferença estatisticamente significante entre o GC e os subgrupos descritos em relação aos resultados dos seguintes testes: SSI 0dB e ‐15dB nas orelhas direita e esquerda (todos os subgrupos, p<0,001), DD na orelha direita (UNICHL, p <0,001), TDD na orelha esquerda (Unigap, p=0,012), MLD (UNICHL, p <0,001; BILCHL, p=0,037; Mista, p=0,005) e RGDT (todos os subgrupos, p <0,001). Nenhuma associação foi encontrada entre o GC e quaisquer dos subgrupo no DPS.

No que se refere à análise da renda familiar na amostra, foi feita uma comparação entre os resultados obtidos nos testes de PAC nos grupos de estudo e controle para cada faixa de renda familiar observada para os indivíduos estudados (vulnerável, classe média baixa e classe média média) (tabela 4).

Tabela 4.

Resultados comparativos dos testes de PAC entre o GC e o GE de acordo com a classificação da renda familiar

Variáveis  Vulnerável  Classe Média Baixa  Classe média média 
  GE(n=16)  GC(n=17)  pa  GE(n=12)  GC(n=10)  p  GE(n=6)  GC(n=7)  p 
SSI 0dB média±DP
OD (%)  50,0±13,2  100±0,0  <0,001  60,8±15,1  100±0,0  <0,001a  46,7±18,6  100±0,0  <0,001a 
OE (%)  51,9±11,7  100±0,0  <0,001  59,2±16,2  100±0,0  <0,001a  46,7±19,7  100±0,0  <0,001a 
SSI‐15dB média±DP
OD (%)  28,8±18,2  95,9±6,2  <0,001  30,0±11,3  94,0±7,0  <0,001a  28,3±19,4  100±0,0  <0,001a 
OE (%)  30,6±12,9  95,9±6,2  <0,001  35,8±15,6  93,0±6,7  <0,001a  26,7±20,7  97,1±4,9  <0,001a 
TDD média±DP
OD (%)  94,5±5,6  99,3±1,2  0,005  97,5±2,8  99,3±1,2  0,083  98,8±2,1  99,6±0,9  0,368 
OE (%)  97,0±3,4  99,6±1,0  0,011  98,1±2,8  98,8±1,3  0,531  98,3±2,0  100±0,0  0,102 
DPS (%) média±DP  42,9±19,1  62,0±16,9  0,005  47,8±23,3  55,3±22,2  0,449  48,3±29,8  70,4±11,3  0,136 
MLD (dB) média±DP  8,9±4,2  11,4±1,4  0,033  9,3±3,2  11,6±1,3  0,041a  10,0±2,8  11,4±1,5  0,270 
RGDT (ms) média±DP  16,0±7,0  3,9±1,6  <0,001  12,4±3,3  4,6±2,1  <0,001a  12,8±8,8  3,6±0,61  0,050a 

dB, decibel; DP, desvio‐padrão; DPS, sequência de padrão de duração; GC, grupo controle; GE, grupo de estudo; MLD, limiar diferencial de mascaramento; ms, milissegundos; n, número; OD, orelha direita; OE, orelha esquerda; RGDT, teste de detecção de gap aleatório; SSI, identificação de sentenças sintéticas; TDD, teste dicótico de dígitos.

a

p ≤ 0,05 (nível de significância estatística).

Quando comparados os piores resultados médios dos testes de PAC no GC com os melhores do GE, observou‐se uma diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação aos testes SSI (p <0,001) e RGDT (p <0,001). No entanto, para os demais testes, essa diferença não foi significante: TDD na orelha direita (p=0,480), TDD na orelha esquerda (p=0,551), DPS (p=0,599) e MLD (p=0,286).

Além das análises acima, as seguintes variáveis foram testadas para associações com os resultados do teste de PAC para o grupo de estudo, embora nenhuma associação tenha sido encontrada: sexo (p >0,05), idade (p >0,05), escolaridade (p >0,05), idade de início da otite média (p >0,05), escolaridade materna (p> 0,10) e repetência escolar (p> 0,2).

Uma análise também foi feita para testar a presença de uma vantagem para a orelha direita em comparação com a orelha esquerda em relação aos resultados do teste TDD, mas nenhuma vantagem foi encontrada (p=0,08).

Discussão

Este estudo demonstrou que os adolescentes com OMCNC apresentaram resultados significantemente piores quando comparados com o GC em relação a todos os testes de PAC feitos (MLD, SSI‐ICM, DPS, RGDT e TDD). No entanto, os resultados do teste TDD no grupo de estudo estavam dentro dos parâmetros de normalidade estabelecidos para o teste, apesar da diferença significante entre os grupos.

Com relação ao desempenho dos testes de PAC no grupo de estudo, os resultados da SSI foram os mais afetados, seguidos pelos resultados do DPS, RGDT, MLD e TDD (o menos afetado). Portanto, a OMCNC causou um impacto maior na audição monoaural de baixa redundância e um impacto menor na interação binaural e na escuta dicótica. Além disso, deve‐se notar o processamento temporal (ordenação temporal e resolução temporal), pois também foi observado um grande impacto no PAC nesses indivíduos.

Nenhum estudo que avaliou PAC em adolescentes com OMCNC foi encontrado na literatura. Assim, os resultados observados foram comparados com os resultados dos estudos que avaliaram o PAC em crianças com histórico de OME recorrente precoce.

Em relação aos resultados dos testes que avaliam a audição monoaural de baixa redundância, a literatura mostra que resultados semelhantes foram observados em indivíduos que apresentam OME recorrente.11,17,19 Além disso, um estudo19 demonstrou que crianças de escolas públicas com histórico de otite média com efusão são mais propensas a ter alterações na sua capacidade auditiva de figura‐fundo quando comparadas com um GC. Outro estudo relatou que o reconhecimento da fala no ruído é a tarefa mais sensível à privação auditiva.32

Deve‐se notar que, neste estudo, a diferença estatística observada nos resultados da SSI para ambas as orelhas e sob as duas condições de apresentação (relação sinal‐ruído de 0dB e ‐15dB) mostrou um tamanho de efeito muito forte, ou seja,>1,3.33 Assim, não há dúvidas sobre a dificuldade que esses indivíduos enfrentam no teste auditivo monoaural de baixa redundância (habilidades auditivas de figura‐fundo e fechamento auditivo). Essas habilidades são cruciais na sala de aula,2,11,34 um ambiente que não oferece condições favoráveis para a audição devido ao ruído, à reverberação e à distância entre o aluno e o professor.34 Portanto, é difícil para os alunos ignorarem os sons que interferem na fala do professor (ventiladores, passos no corredor, colegas conversando, buzinas ou ruídos da rua).2,11,34 Isso dificulta a compreensão do que está sendo dito e possivelmente prejudica o aprendizado.2,19,34

Em relação à interação binaural, outros estudos já mostraram alterações em crianças com histórico de OME,9,12–15,21 achados que corroboram os resultados encontrados neste estudo. Por outro lado, alguns estudos relatam que a OME não compromete a interação binaural; 10 essa é comprometida somente quando há uma alta incidência da doença durante os primeiros cinco anos de vida do indivíduo;7 ou a interação binaural é recuperada na adolescência.12 Neste estudo, a forte correlação entre os resultados de MLD e a interação binaural (TE=0,85) nos permite inferir que, na OMCNC, a interação binaural é alterada.

No que se refere ao processamento temporal, vários estudos já mostraram comprometimento em crianças com histórico de OME precoce.16,19,20,22 Um estudo19 descobriu que a resolução temporal e o ordenamento foram as habilidades mais afetadas em indivíduos provenientes de escolas públicas com histórico de otite média secretora; uma maior probabilidade de ter essas capacidades prejudicadas foi encontrada em indivíduos com a doença, quando comparados com indivíduos do GC. Por outro lado, um estudo8 sugeriu que a resolução temporal se torna normal após a recuperação dos limiares tonais, demonstra‐se que esse aspecto ainda levanta dúvidas quando se trata da OME precoce. Neste estudo, o processamento temporal mostrou‐se um dos mecanismos mais afetados e o tamanho do efeito observado na análise dos dados foi considerado “muito forte” (TE=2,15) no RGDT (resolução temporal) e “forte” (TE=0,81) no DPS (ordenação temporal).

Deve‐se notar que, com relação ao teste DPS, os valores observados no GC ficaram abaixo dos parâmetros de normalidade estipulados pelo autor do teste. Portanto, esse foi um teste mais difícil quando comparado ao teste de ordenação temporal Pitch Pattern Sequence (PPS), que tem sido usado principalmente para avaliar essa capacidade.35 Entretanto, devido à cuidadosa seleção dos indivíduos que compuseram o GC neste estudo, acredita‐se que esses valores estejam possivelmente associados ao status socioeconômico; isso ocorre porque os testes de ordenação temporal podem ser influenciados pela capacidade intelectual dos indivíduos.36 Assim, novos estudos são necessários para analisar os parâmetros de normalidade do DPS em diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos da população brasileira.

Com relação à integração binaural, vários estudos mostraram uma vantagem da orelha direita na escuta dicótica em crianças com histórico de OME precoce,14,15,18 fato explicado pelo retardo maturacional, provavelmente decorrente da inconsistência do estímulo auditivo causado pela perda auditiva flutuante, associada à otite média precoce com efusão.19 Neste estudo, essa vantagem não foi observada, o que era esperado devido à idade dos indivíduos da amostra (≥ 12 anos), pois a maturação da percepção auditiva permanece estável a partir dos 10/12 anos.37 Além disso, os resultados deste estudo são consistentes com os resultados observados no TDD, significantemente menores quando comparados a um indivíduo do GC.19,22

Embora a porcentagem média de acertos no TDD no grupo de estudo tenha apresentado normalidade em ambas as orelhas, uma diferença significante, com um tamanho de efeito forte, foi encontrada no GE em relação ao GC. Essa observação não pode ser ignorada; portanto, acredita‐se que o mecanismo de integração binaural esteja provavelmente prejudicado em adolescentes com OMCNC.

Em relação às características da perda auditiva condutiva causada pela OMCNC, alguns aspectos precisam ser examinados. A associação observada entre os resultados de todos os testes de PAC no GC e nos grupos com perda auditiva condutiva unilateral e bilateral demonstra que ambas (perda unilateral e bilateral) alteram a percepção auditiva ao nível do sistema nervoso auditivo central (SNAC). No entanto, os casos unilaterais claramente apresentam maior comprometimento.

Portanto, quando o cérebro é privado de entrada binaural e recebe apenas estimulação monoaural, o córtex sofre uma reorganização durante os anos seguintes.38 Além disso, a perda auditiva unilateral afeta não apenas as funções auditivas – como localizar sons e ouvir ruídos 17 – mas também o desenvolvimento da fala e da linguagem,39 o comportamento e o desempenho escolar.40 Essas mudanças parecem ocorrer devido a uma restrição de entrada de sinais através das vias auditivas bilaterais, possivelmente leva a uma reorganização permanente. Assim, a entrada (input) unilateral fortalece as vias auditivas no lado estimulado, enquanto as vias de desenvolvimento da orelha com privação permanecem imaturas ou estão sujeitas a alterações degenerativas ou reorganização.38

Além disso, em relação aos efeitos da perda auditiva condutiva unilateral, um estudo com modelo animal também demonstrou alterações na audição binaural,41 o que foi explicado pela atenuação e atraso na condução sonora, o que causaria distorções das pistas acústicas usadas para localização de sons e de outros aspectos da audição binaural. Consequentemente, parece que o sistema auditivo central responde dinamicamente ao nível de entrada neural recebida das orelhas.42

Assim, há evidências de que a perda auditiva condutiva presente na otite média pode causar assimetria nos níveis auditivos das orelhas, como nos casos de alteração unilateral condutiva, o que resultaria em um efeito negativo no processamento auditivo complexo,43 conforme demonstrado neste estudo.

Na análise dos subgrupos estratificados por tipo de alteração condutiva (unilateral ou bilateral), observou‐se que os testes SSI e RGDT (processamento auditivo e temporal de baixa redundância monoaural) foram afetados da mesma maneira, independentemente da extensão da perda condutiva resultante (unilateral vs. bilateral; perda auditiva condutiva leve vs. presença de gap sem grau de perda). Esses resultados apoiam os dados obtidos a partir da análise de desempenho dos testes de PAC no GE.

Além disso, a análise mostrou que houve associação significante entre os resultados do TDD e alterações exclusivamente unilaterais, indicou também a relevância da audição binaural para a capacidade de integração binaural. Em contrapartida, os resultados do MLD foram significantemente associados a alterações em todos os subgrupos com perda auditiva (UNICHL, BILCHL e Mista), o que reforça a influência que esse teste geralmente apresenta na detecção de perdas auditivas condutivas e/ou neurossensoriais periféricas.44

Portanto, este estudo indica um aspecto bastante relevante. Cabe ressaltar que as alterações observadas neste estudo não se limitaram aos casos de perda auditiva condutiva, mas também a casos de gap unilateral e bilateral. Devem‐se enfatizar os casos unilaterais, os quais, na clínica médica, geralmente não são considerados no encaminhamento para avaliação e reabilitação terapêutica, sob o argumento de que a orelha contralateral é normal. Entretanto, como mostrado neste estudo, esses casos parecem ter um impacto maior no processamento auditivo central do que os casos bilaterais; portanto, eles não devem ser ignorados.

É evidente que mais pesquisas são necessárias para elucidar o mecanismo relacionado às alterações condutivas unilaterais e bilaterais, otite média crônica e processamento auditivo central. No entanto, essa primeira evidência é digna de consideração e mais investigação.

A relevância do status socioeconômico na otite média é bem conhecida. No entanto, isso não foi discutido extensivamente na literatura, provavelmente porque é um campo que se encontra fora da experiência dos pesquisadores biomédicos.45 Os dados sobre escolaridade materna e renda familiar foram considerados neste estudo como indicadores socioeconômicos, foi feita a análise de suas correlações com o PAC nos adolescentes da amostra. A escolaridade materna não mostrou associação com os resultados do PAC. Por outro lado, alguns resultados relacionados à renda familiar apresentaram correlações significante s; por exemplo, todos os indivíduos do GE com renda familiar “vulnerável” apresentaram resultados significantemente piores em todos os testes do PAC, quando comparados aos indivíduos com a mesma renda familiar. Essas associações também foram observadas em três testes (SSI, MLD e RGDT) nos indivíduos classificados no estrato “classe média baixa”, nos grupos controle e de estudo e somente em dois testes (SSI e RGDT) no subgrupo “classe média média”. Portanto, os dados sugerem que as mudanças parecem menos evidentes à medida que aumenta a renda familiar.

Cabe ressaltar que os testes SSI e RGDT mostraram diferenças significante s entre o GC e o GE em todos os estratos de renda familiar e esses dados são consistentes com os resultados da análise do percentual de defeitos observados em cada teste, pois esses foram o primeiro e o terceiro testes mais afetados. Ressalta‐se, ainda, que os testes TDD e DPS, que exigem maior demanda cognitiva devido às estruturas do SNAC envolvidas nos mecanismos de integração binaural e ordenação temporal, mostraram associação entre os grupos apenas para o subgrupo “vulnerável”. Nesse sentido, o status socioeconômico, neste estudo representado pela renda familiar, parece interferir negativamente no processamento auditivo central de adolescentes com OMCNC.

Também investigamos se os piores resultados obtidos no GC poderiam ser semelhantes aos melhores resultados no GE. No entanto, essa semelhança foi observada apenas nos testes DD, DPS e MLD, mas não foi encontrada nos testes SSI e RGDT, o que está de acordo com as outras análises.

Portanto, com base nesses resultados, verificamos que a maior parte do sistema nervoso central estava funcionalmente comprometida em adolescentes com OMCNC; isso porque os testes de PAC usados neste estudo para avaliar cada um dos mecanismos auditivos são sensíveis às seguintes lesões: metade inferior do tronco encefálico (interação binaural),35 tronco encefálico e córtex auditivo primário (audição monoaural de redundância baixa)46 conexões intra‐hemisféricas e inter‐hemisféricas (ordenação temporal)2 e córtex auditivo primário (resolução temporal).47

Portanto, a hipótese inicial de que a otite média crônica afetaria o PAC foi confirmada. Esse efeito do PAC está relacionado com a gravidade e duração dos sintomas que ocorrem com a doença. Nesse contexto, é essencial mencionar a teoria do continuum48 que descreve a otite média como uma série de eventos contínuos que podem se iniciar como otite média secretora e evoluir (se não tratada ou se não houver regressão espontânea) para a otite média crônica.49 Portanto, os adolescentes com diagnóstico de OMCNC provavelmente apresentaram alterações no orelha média, mesmo que sutis, ao longo do seu desenvolvimento.

Acredita‐se que essas alterações interferiram no desenvolvimento adequado do sistema nervoso auditivo central dos adolescentes deste estudo devido aos efeitos deletérios sobre a qualidade dos sinais auditivos35,50 que ocorreram no orelha médio desde a infância. Além disso, a presença de líquido no orelha média também pode interferir na percepção da fala,37 mesmo na ausência de alteração auditiva relevante.

Diante dos resultados encontrados, destaca‐se a relevância deste estudo por se tratar de um trabalho inédito, cuidadosamente elaborado e baseado em um serviço de referência para o tratamento da otite média crônica. A amostra representativa e o alto poder dos dados estatísticos usados na análise dos dados, que se refletem na intensidade do DPAC nos adolescentes testados, também são dignos de nota.

No entanto, é crucial observar a necessidade de maiores esclarecimentos sobre o mecanismo de escuta dicótica nessa população, pois os adolescentes do grupo de estudo apresentaram escores normais, o que lança dúvidas sobre o impacto da OMCNC na integração. Para os outros mecanismos avaliados, seus impactos no PAC foram evidentes.

Este estudo demonstrou que a OMCNC pode afetar o PAC em adolescentes; portanto, os médicos que cuidam desse grupo devem ser instados a encaminhar esses indivíduos para a avaliação do PAC e para uma intervenção terapêutica adequada, com vistas a uma melhor qualidade de vida para esses indivíduos. Sugerem‐se novos estudos em indivíduos com otite média crônica (colesteatomatosa e não colesteatomatosa), a fim de ampliar o conhecimento sobre seu impacto no PAC e possibilitar aos profissionais envolvidos encaminhar adequadamente essa população conforme necessário.

Conclusões

A otite média crônica não colesteatomatosa provoca alterações nos seguintes mecanismos fisiológicos do processamento auditivo central: interação binaural, processamento temporal e audição monoaural de baixa redundância, o último é o mais afetado. Além disso, o processamento auditivo central é afetado por perdas condutivas unilaterais e bilaterais associadas à doença, o efeito é maior em casos unilaterais. A renda familiar parece ser um indicador socioeconômico associado ao agravamento do distúrbio do processamento auditivo central em pacientes com otite média crônica não colesteatomatosa.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Como citar este artigo: Machado MS, Teixeira AR, Costa SS. Central auditory processing in teenagers with non‐cholesteatomatous chronic otitis media. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:568–78.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

Estudo vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

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