A resurgence of syphilis in Brazil has been reported in recent years.
ObjectiveWith this in mind, the present study sought to investigate the frequency, demographics, and clinical characteristics of patients with acquired syphilis with oral involvement who received medical care at an Oral Medicine Reference Center in a Brazilian Public Hospital.
MethodsA retrospective study, spanning a period of 12 years, was performed to identify changing trends in syphilis over time. Medical records from all patients diagnosed with acquired syphilis who received medical care at the Hospital's Oral Medicine Clinic from 2005 to 2016 were reviewed, and the demographic and clinical data were collected.
ResultsA total of 85 patients had been diagnosed with acquired syphilis, with a significant increase in the number of cases over the past 5 years. Patients ranged from 16 to 76 years of age, with a peak in the third and fourth decades. Forty‐eight cases affected males (56.5%), while 37 cases affected females (43.5%). Most of the oral lesions appeared as unique ulcers or plaques, with the lips and tongue representing the most affected sites. All cases were positive for Venereal Disease Research Laboratory or Fluorescent Treponemal Antibody Absorption, and treatment was performed with Penicillin G benzathine in most cases (84.7%).
ConclusionThe frequency of oral syphilis has been rising over time and oral lesions may well represent a diagnostic clue; therefore, oral health professionals must be made aware and properly trained in an attempt to develop a high degree of clinical suspicion in the diagnosis of syphilis.
Um ressurgimento da sífilis no Brasil tem sido relatado nos últimos anos.
ObjetivoInvestigar a frequência, as características demográficas e clínicas dos pacientes com sífilis adquirida com envolvimento oral que receberam atendimento médico em um centro de referência em medicina oral em um hospital público brasileiro.
MétodoEstudo retrospectivo, abrangeu 12 anos, feito para identificar tendências de mudança na sífilis. Registros médicos de todos os pacientes diagnosticados com sífilis adquirida que receberam atendimento médico na clínica de medicina oral do hospital de 2005 a 2016 foram revisados e os dados demográficos e clínicos foram coletados.
ResultadosForam diagnosticas 85 pacientes com sífilis adquirida, com um aumento significativo no número de casos nos últimos 5 anos. A idade dos pacientes variou de 16 a 76 anos, com pico na terceira e quarta décadas; 48 casos eram do sexo masculino (56,5%) e 37 do sexo feminino (43,5%). A maioria das lesões orais apareceu como úlceras ou placas únicas, os lábios e a língua representaram os locais mais afetados. Todos os casos foram positivos para Venereal Disease Research Laboratory e Fluorescent Treponemal Antibody Absorption Test e o tratamento foi feito com penicilina G benzatina na maioria dos casos (84,7%).
ConclusãoA frequência da sífilis oral tem aumentado com o tempo e as lesões orais podem representar uma pista diagnóstica; portanto, os profissionais de saúde bucal devem ser conscientizados e devidamente treinados na tentativa de desenvolver um alto grau de suspeição clínica no diagnóstico da sífilis.
A sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pelo espiroqueta Treponema pallidum, inclui a infecção por contato orogenital. Outra via de transmissão é a congênita, na qual a doença é transmitida durante a gravidez.1 Em ambas as formas, congênita ou adquirida, a cavidade bucal é o local mais frequente da manifestação extragenital da sífilis.2 Os locais mais afetados por lesões sifilíticas secundárias são língua, gengiva, palato mole e lábios. As lesões orais geralmente aparecem como úlceras e placas mucosas.3
Na década de 1950, a sífilis foi erradicada nos países desenvolvidos e, devido à descoberta da penicilina, foi observada uma redução significativa na incidência da doença.4 Entretanto, um ressurgimento da doença foi relatado nos últimos anos.5 Muitos estudos descrevem esse problema na França, Holanda, Suécia, Alemanha, Irlanda, Noruega e Reino Unido.6–9 Esses estudos acreditam que o aumento do número de casos de sífilis está associado ao comportamento sexual de alto risco, coincide com a era da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).10
Nesse sentido, a sífilis continua a ser um grande problema de saúde pública no Brasil. A taxa de detecção da sífilis adquirida foi de 43,7 casos por 100 milhões de habitantes em 2015. De 2010 a 2016, 227.663 casos foram diagnosticados.11–13 Esse cenário aponta para a necessidade de amplas campanhas informativas, aliadas a ações preventivas do governo e de organizações não governamentais.11
O presente estudo procurou descrever a frequência, as características demográficas e clínicas da sífilis adquirida, diagnosticada através de manifestações orais em um centro de referência em medicina oral em um hospital público. Melhorias no conhecimento das manifestações epidemiológicas e bucais da sífilis são essenciais para orientar os cirurgiões‐dentistas e os profissionais de saúde para um diagnóstico correto e imediato e prevenção da doença.
MétodoO protocolo do estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética em pesquisa (protocolo n° 55609516.1.0000.5149).
Um estudo retrospectivo foi feito no serviço de medicina oral do Hospital Metropolitano Odilon Behrens, em Belo Horizonte, Brasil. Esse hospital é um centro de referência regional em medicina oral. Nenhum dos pacientes havia procurado tratamento médico antes de ser tratado nesse centro de referência. Os prontuários de todos os pacientes diagnosticados com manifestações orais de sífilis adquirida (CID‐10‐A53.9) entre janeiro de 2005 e dezembro de 2016 foram recuperados. Casos sem confirmação sorológica (VDRL – Venereal Disease Research Laboratory ou Fluorescent Treponemal Antibody Absorption [FTA‐ABS]) foram excluídos. Os seguintes dados foram coletados dos prontuários médicos: idade, sexo, descrição da lesão oral, local afetado, estágio da doença, testes sorológicos e tratamento.
Os dados foram organizados em um banco de dados e análises descritivas foram feitas. Os testes qui‐quadrado de Pearson e t de Student foram usados para avaliar a associação entre as variáveis sexo, idade, local, apresentação clínica e estágio das lesões. O nível de significância foi estabelecido em 5%. As análises foram feitas com o software SPSS® versão 19.0 for Windows.
ResultadosUm total de 85 diagnósticos de sífilis adquirida foram registrados de 2005 a 2016, com um aumento acentuado no número de diagnósticos por ano nos últimos 5 anos (fig. 1).
Dos pacientes, 48 eram do sexo masculino (56,5%) e 37 do feminino (43,5%). A tradicional predominância masculina mudou nos últimos dois anos, nos quais pacientes do sexo feminino começaram a superar os do sexo masculino (fig. 2). A idade dos pacientes variou de 16 a 76 anos, com média de 29,58 anos. As mulheres apresentavam uma média mais baixa de idade (26,46) em relação aos homens (31,98) (p < 0,05) no momento do diagnóstico. A maioria dos pacientes foi diagnosticada na terceira década de vida (40%‐47%), seguida da quarta década (21% ?24,7%), porém o número de mulheres acometidas na segunda década (n = 14) foi maior do que o dos homens (n = 4) (p < 0,05). Portanto, o total de pacientes de 21 a 40 anos foi de 61 casos, representou 71,7%. Idades abaixo ou acima dessa faixa representaram 24 casos (28,3%). A sífilis adquirida foi mais frequente em homens do que em mulheres em quase todas as faixas etárias, exceto na segunda e quarta décadas de vida (p < 0,05) (fig. 3).
A maioria dos pacientes (72%‐84,7%) residia na cidade de Belo Horizonte (capital do estado onde o hospital está localizado), embora 13 indivíduos (15,3%) fossem de cidades vizinhas.
Os pacientes procuraram o serviço de medicina oral devido a lesões orais. Alguns deles relataram sintomas dolorosos ou dificuldade de engolir. A maioria percebeu a presença das lesões duas semanas antes da consulta.
As lesões orais foram descritas principalmente como únicas (96,5%) e ulcerações (78,8%). Os locais mais afetados foram a língua e os lábios (23% e 27,1% cada) (fig. 4). Quando as lesões eram observadas em vários locais, eram geralmente representadas por placas mucosas (p < 0,05). Comparações entre as outras variáveis não mostraram associação estatística.
Um diagnóstico do estágio secundário da sífilis foi estabelecido em 94,1% dos casos e todos os pacientes tiveram resultado positivo para VDRL e FTA‐ABS. Todos os 5 casos de sífilis primária foram diagnosticados em homens (p < 0,05). Trinta pacientes (35,3%) fizeram exames sorológicos adicionais, como hemograma e anti‐HIV. É importante notar que entre todos os 28 pacientes testados para o anti‐HIV um resultado foi positivo.
Penicilina‐G benzatina (84,7%) e doxiciclina (15,3%) foram os fármacos usados para o tratamento. O resumo dos resultados do nosso estudo pode ser visto na tabela 1.
Características clínicas de 85 pacientes diagnosticados com sífilis adquirida devido a manifestações orais
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 48 | 56,5 |
Feminino | 37 | 43,5 |
Idade (anos) | ||
< 20 | 12 | 14,2 |
21‐30 | 40 | 47,0 |
31–40 | 21 | 24,7 |
41–60 | 9 | 10,6 |
61–80 | 3 | 3,5 |
Número de lesões orais | ||
Única | 82 | 96,5 |
Múltiplas | 3 | 3,53 |
Local | ||
Lábios | 23 | 27,1 |
Língua | 23 | 27,1 |
Bochecha | 14 | 16,5 |
Palato mole | 8 | 9,4 |
Tonsila palatina | 6 | 7,0 |
Orofaringe | 6 | 7,0 |
Comissura labial | 1 | 1,2 |
Assoalho da boca | 1 | 1,2 |
Ausentes | 3 | 3,5 |
Apresentação clínica | ||
Úlceras | 67 | 78,8 |
Placa mucosa | 17 | 20,0 |
Verrucosa | 1 | 1,2 |
Estágio da sífilis | ||
Secundário | 80 | 94,1 |
Primário | 5 | 5,9 |
Tratamento | ||
Penicilina G benzatina | 72 | 84,7 |
Doxiciclina | 13 | 15,3 |
A sífilis adquirida é uma doença sexualmente transmissível que se desenvolve em três estágios. Na fase primária, o complexo sifilítico é a principal característica. Isso engloba o “cancro”, que aparece no local de inoculação do T. pallidum, juntamente com a linfadenopatia. Não importa qual o tratamento, essas lesões iniciais podem se resolver naturalmente, enquanto o T. pallidum se dissemina ainda mais. O estágio secundário é caracterizado por múltiplas lesões mucosas e cutâneas, juntamente com linfadenopatia. Mais uma vez, essas lesões podem se resolver espontaneamente e o T. pallidum permanece como uma infecção latente; no entanto, cerca de um terço de todos os pacientes com sífilis secundária não tratada desenvolve a forma terciária.2
A mucosa oral de um paciente pode ser afetada em todos os três estágios, mas é mais comumente afetada no estágio secundário, o que foi confirmado no presente estudo. Lesões orais sifilíticas secundárias são geralmente múltiplas e mais diversificadas do que a úlcera única do estágio primário. No entanto, uma lesão isolada pode ser a única manifestação que aparece no estágio secundário. As lesões orais incluem manchas na mucosa, máculas, pápulas e uma forma nodular/ulcerativa. A presença de lesões cutâneas maculopapulares, linfadenopatia e histórico médico geralmente direciona o clínico para o diagnóstico adequado da sífilis secundária.3
Sabe‐se que as lesões sifilíticas na mucosa oral são bastante variáveis, simulam diversas doenças,14 como o HIV, líquen plano, úlceras eosinofílicas, úlceras traumáticas, linfomas, leucoplasia, gonorreia, carcinoma de células escamosas e sialometaplasia necrosante. Consequentemente, a apresentação clínica encontrada aqui incluiu úlceras, placas mucosas e lesões verrucosas. Como o exame histopatológico de rotina é inespecífico, os testes sorológicos são essenciais para obter‐se o diagnóstico final.
Os testes sorológicos usados para diagnosticar a sífilis são classificados como não treponêmicos e treponêmicos.4 Os testes não treponêmicos (VDRL e Rapid Plasma Reagin – RPR) são inespecíficos, embora sejam mais rápidos e mais baratos,6 e são amplamente usados na triagem e detecção da doença. Esses testes são reativos nas fases secundária e latente e são menos sensíveis em pacientes com sífilis primária. O VDRL e o RPR podem ser reativos em outras doenças, como lúpus eritematoso sistêmico, colite ulcerativa e rickettsiose.15 Os testes treponêmicos (FTA‐ABS, o ensaio de hemaglutinação de T. pallidum – TPHA) e o ensaio de micro‐hemaglutinação para T. pallidum – MHA‐TP são mais específicos e sensíveis e, portanto, tornam‐se positivos nos estágios iniciais da doença. Entretanto, são mais caros. Apesar das limitações apontadas acima, os testes sorológicos, juntamente com um exame clínico bem conduzido, desempenham um papel crucial no diagnóstico da sífilis.3 Todos os pacientes investigados no presente estudo apresentaram confirmação sorológica pelos testes VDRL e FTA‐ABS.
A ocorrência de sífilis costumava ser um grande problema de saúde antes da descoberta da penicilina.16 Após a era dos antibióticos, a sífilis permaneceu uma infecção controlada por algumas décadas. Entretanto, uma nova carga da doença tem sido relatada em todo o mundo.5,8 É importante notar que este ressurgimento da sífilis também coincide com o ressurgimento do HIV na sociedade.6,10
O presente estudo confirmou esse ressurgimento da sífilis, como pode ser visto no aumento alarmante da doença nos últimos cinco anos. Aspectos sociais e comportamentais parecem desempenhar papéis importantes nesse cenário e têm sido apontados como os principais motivos para esse ressurgimento. A diminuição das práticas sexuais seguras, o otimismo com o tratamento antirretroviral, o uso de drogas recreativas e o uso de medicamentos para disfunção erétil são alguns exemplos de mudanças comportamentais que acarretam riscos mais altos.6
Os casos foram pesquisados no presente estudo através de um estudo retrospectivo baseado no diagnóstico de sífilis adquirida (CID‐10‐A53.9). Todos os casos notificados eram de pacientes com lesões orais, ressaltam a importância do treinamento dos profissionais de saúde oral para identificação da sífilis adquirida.
O presente estudo identificou a faixa etária mais afetada como a de 20 a 39 anos, exatamente a idade reprodutiva.5 Além disso, o aumento da frequência da doença em pacientes do sexo feminino também abre a porta para o risco de sífilis congênita. Portanto, é fundamental oferecer à população ações preventivas e educativas para evitar a transmissão vertical da sífilis.11,14 Pacientes acima de 60 anos representaram apenas 3,5%, enquanto os jovens no início da segunda década de vida representaram 14,2%. Embora os casos mais frequentes tenham sido observados em indivíduos de 20 a 39 anos, há estudos que mostram um aumento de casos entre os idosos (60 a 76 anos de idade).7,17 Isso pode ser explicado pelo aumento da população idosa, pelo desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da disfunção erétil, bem como outras possibilidades de contato sexual.18 O envolvimento desses extremos em idades destaca a necessidade de ações mais amplas de saúde pública.
Relatos na literatura mostram uma importante associação entre a sífilis e a infecção pelo HIV.19,20 Acredita‐se que as lesões sifilíticas representam uma porta para o HIV, que, por sua vez, facilita a infecção. Além disso, ambas as doenças compartilham a via sexual da infecção.10,21 Outros estudos apontaram que é essencial que todos os pacientes suspeitos de infecção por sífilis sejam submetidos a testes de HIV.18 No Brasil, o teste anti‐HIV tem sido recomendado em casos de suspeita de doença sexualmente transmissível desde 2016, de acordo com recomendação do Conselho Federal de Medicina. Isso explica por que apenas alguns pacientes fizeram esse teste. Da mesma forma, no presente estudo, todos os pacientes testados para HIV apresentaram sorologia positiva. Assim, ações informativas sobre sexo seguro podem ser eficientes na redução da sífilis, HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Além disso, é importante que todos os parceiros sexuais de pacientes com sífilis também sejam testados.
A penicilina continua a ser o tratamento de escolha para a sífilis22,23 e a maioria dos pacientes foi tratada com penicilina‐G benzatina. Curiosamente, um protocolo de dose única ou dupla de azitromicina também tem sido recomendado para melhorar a adesão ao tratamento.24,25
Estudos retrospectivos que usaram registros médicos têm a vantagem de fornecer informações a baixo custo; entretanto, os dados coletados dependem de quão completa é a informação. Além disso, no presente estudo, casos de sífilis adquirida em pacientes sem lesões orais não puderam ser diagnosticados e os números poderiam ser subestimados. Apesar dessas limitações, os resultados descritos neste trabalho estão de acordo com a literatura.
ConclusãoEm conclusão, o presente estudo corrobora relatos sobre a nova carga de sífilis nos últimos anos. O estudo relatou 85 casos de sífilis adquirida diagnosticados através de lesões orais, destacou a necessidade da educação continuada e capacitação dos profissionais de saúde oral. Pacientes de todas as idades e sexos foram afetados, o que reforça a necessidade de ações preventivas mais disseminadas.
FinanciamentoEste trabalho recebeu o apoio da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e subsídio # 05/2016da PRPq/UFMG (Pró‐Reitoria de Pesquisa, Universidade Federal de Minas Gerais. Michelle Danielle Porto Matias é bolsista da Fapemig.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Como citar este artigo: Matias MD, Jesus AO, Resende RG, Caldeira PC, Aguiar MC. Diagnosing acquired syphilis through oral lesions: the 12 year experience of an Oral Medicine Center. Braz J Otorhinolaryngol. 2020;86:358–63.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.