Introdução: Leiomiossarcoma é um tumor raramente observado na glândula tireoide. O diagnóstico pode ser difícil e o tratamento é controverso.
Objetivo: O objetivo do estudo foi revisar a literatura sobre um tumor raro da glândula tireoide que possui alto índice de mortalidade.
Método: Dois casos de leiomiossarcoma da tireoide são apresentados, e os 23 casos anteriores relatados na literatura atual foram revisados.
Resultados: Um total de 25 casos de leiomiossarcoma da tireoide foi revisado. A queixa mais comum foi o rápido crescimento de um tumor cervical anterior; 10 dos 25 pacientes apresentavam metástases distantes no momento da admissão. Quinze dos 25 pacientes foram a óbito nos primeiros 12 meses após o diagnóstico.
Conclusão: O diagnóstico diferencial de leiomiossarcoma da tireoide é importante e deve ser feito com outras doenças malignas da glândula, especialmente carcinoma anaplásico. O prognóstico é ruim e não há consenso em relação ao tratamento.
Introduction: Leiomyosarcoma is a tumor which is rarely seen in the thyroid gland. The diagnosis may be difficult and the treatment is controversial.
Objective: The objective of the study is to review the literature about a rare malignant disease of the thyroid gland which has high mortality.
Methods: Two cases of thyroid leiomyosarcoma are presented and the previous 23 cases in the current literature are reviewed.
Results: A total of 25 cases of thyroid leiomyosarcoma are reviewed; the most common complaint was rapidly growing anterior neck mass, and ten of the 25 patients had distant metastasis at the initial admission. Fifteen of the 25 patients died with the disease in the first 12 months after the diagnosis.
Conclusion: The differential diagnosis of thyroid leiomyosarcoma is important and should be performed with other malignancies of the gland, especially with anaplastic carcinoma. The prognosis is poor and there is no consensus regarding the treatment.
Introdução
Os sarcomas são um grupo extremamente raro de tumores entre todas as neoplasias malignas da tireoide.1 Os tipos de sarcoma observados na tireoide são lipossarcoma, leiomiossarcoma e angiossarcoma.2-4 De acordo com a classificação histológica de tumores da Organização Mundial da Saúde (OMS), o leiomiossarcoma da tireoide é classificado como um tipo de tumor de células musculares lisas da glândula tireoide.5 Até o momento, ele foi descrito em 23 relatos de casos3,6-25 na literatura em língua inglesa. É ifícil fazer o diagnóstico do leiomiossarcoma da tireoide no período pré-operatório e diferenciá-lo do carcinoma anaplásico da tireoide.1,15 O prognóstico desse tumor é ruim. Tem-se demonstrado que cirurgias agressivas, radioterapia ou quimioterapia adjuvante não são eficazes na taxa de recorrência/recidiva ou sobrevida na doença.3,7,14,15 No presente relato, dois pacientes com leiomiossarcoma primário da tiroide são apresentados com a revisão da literatura.
Caso 1
Paciente do sexo masculino de 39 anos de idade foi admitido com queixas de perda de peso e odinofagia. Não havia história de uma doença sistêmica anterior. O paciente fumava um maço de cigarros por dia há 20 anos e consumia álcool diariamente. Não havia história de exposição a radiação. Durante o exame físico, um nódulo de 2 cm foi palpado no lobo esquerdo da tireoide. O hemograma estava normal, e o paciente era eutireoideo.
Na ultrassonografia (USG) da tireoide, foi observado um tumor sólido, hipoecoico, medindo 24 × 26 mm no lobo esquerdo da tireoide. A tomografia computadorizada (TC) revelou uma lesão nodular hipodensa, com calcificação distrófica no lobo esquerdo da tireoide (fig. 1). Além disso, vários nódulos metastáticos estavam presentes nos pulmões (fig. 2). Uma biópsia aspirativa por agulha fina guiada por USG não foi diagnóstica. Subsequentemente, foi realizada exploração cirúrgica do leito tireoidiano, e o exame de congelação da biópsia incisional retirada do tecido tireoidiano indicou um tumor maligno de células fusiformes.
Figura 1. TC do primeiro paciente mostrando um tumor nodular com calcificação distrófica.
Figura 2. Múltiplos nódulos intraparenquimais e metastáticos subpleurais no TC de tórax do primeiro paciente.
O exame histológico do espécime mostrou tumor de células fusiformes com fascículos altamente celulares. O tumor infiltrava a gordura adjacente e o músculo estriado – 5-10 mitoses/10 CGA foram contadas.
Exames imuno-histoquímicos mostraram resultados positivos para vimentina, actina e desmina no tecido tumoral, enquanto outros marcadores, incluindo pancitoqueratina, tireoglobulina e TTF-1, foram negativos (fig. 3a-d).
Figura 3 (a, b) Fotomicrografia do caso 1 mostrando tumor de células fusiformes dispostas em padrão fascicular com citoplasma eosinofílico (hematoxilina e eosina: 100×, 400×); (c) Células tumorais mostrando positividade difusa com actina (200×); e (d) positividade focal com desmina (400×).
A cirurgia não foi planejada devido à presença de doença metastática. Em vez disso, a radioterapia como tratamento paliativo foi planejada e aplicada. O paciente foi a óbito três meses após sua primeira visita, devido à metástase pulmonar difusa.
Caso 2
Paciente do sexo feminino de 72 anos de idade foi admitida com queixas de tumor de crescimento rápido no pescoço e dificuldade para respirar. Com o objetivo de proporcionar vias respiratórias para a paciente, foi realizada uma traqueostomia de urgência. Na TC de pescoço e tórax, observou-se uma tumor infiltrativa com origem no lobo tireoideano direito (fig. 4). A lesão espalhava-se para a área extracapsular, estendendo-se para o osso hioide e preenchendo completamente o terceiro e quarto níveis do pescoço. As bordas da lesão eram irregulares e havia calcificações circulares. O tumor circundava e infiltrava a artéria carótida comum direita, comprimia a traqueia e estreitava as vias aéreas. Na área jugular superior direita, havia múltiplos nódulos linfáticos. A TC de tórax mostrou a presença de muitos nódulos metastáticos nos pulmões, e o maior media 29 mm. Uma biópsia incisional foi realizada durante a traqueostomia. O tumor consistia em proliferação favorecendo um tumor mesenquimal maligno. As células tumorais apresentavam núcleos hipercromáticos, e 10-15 mitoses/10 CGA foram observadas. Tecido tireoidiano normal não foi observado em nenhuma das áreas. No exame imuno-histoquímico, pan-queratina, tireoglobulina e S100 eram negativas em células do tumor, enquanto vimentina, desmina e actina de músculo liso eram positivas (fig. 5a-d). Tratamento cirúrgico adicional não foi executado porque o tumor considerado clínica e radiologicamente irressecável. A paciente foi a óbito 45 dias após o diagnóstico, devido a uma complicação do estado geral.
Figura 4. TC da segunda paciente mostrando um tumor infiltrativo no lobo tireoidiano direito. Tubo de traqueostomia também observado na secção.
Figura 5. (a, b) Fotomicrografia do caso 2 mostrando tumor de células fusiformes semelhante ao caso 1 (hematoxilina e eosina: 100×, 200×); (c) Células tumorais mostrando positividade difusa com actina (200×); e (d) positividade focal com desmina (400×).
Discussão
Os sarcomas primários da glândula tireoide são extremamente raros.1 Entre todos os tumores da glândula tireoide, o leiomiossarcoma representa 0,014%.6 Ele, que faz parte do grupo de tumores de células musculares lisas, foi relatado na literatura, até o momento, em 23 pacientes.3,6,25 As idades dos pacientes relatados literatura variavam entre 43-90 anos, exceto por um paciente de 6 anos com deficiência do sistema imunológico, sendo a média de idade de 61,4 (tabela 1). As idades dos casos do presente relato eram 39 e 72 anos, respectivamente.
A etiologia dos tumores não é clara; porém, acredita-se que se desenvolvam a partir dos músculos lisos das veias da glândula tireoide.3,6,7 Alega-se também que o desenvolvimento de leiomiossarcoma possa ser o resultado de metaplasia do músculo liso em carcinoma anaplásico da tireoide.9 Os pesquisadores que avaliaram o leiomiossarcoma da tireoide em uma criança de 6 anos imunologicamente deficiente alegam que o tumor se desenvolveu por meio de uma transformação maligna dos músculos lisos, por estarem infectados com o vírus de Epstein-Barr (EBV).12
O sintoma inicial de todos os casos de adultos relatados na literatura foi principalmente um tumor de crescimento rápido no pescoço. Além disso, relatou-se que três dos casos apresentavam perda de peso; quatro apresentavam disfagia e odinofagia e três destes apresentavam disfonia; dois apresentavam dor no braço; um apresentava tosse recente; e um desenvolveu problemas respiratórios. Nossa segunda paciente apresentou tumor de rápido crescimento no pescoço e problemas respiratórios. O primeiro paciente apresentou odinofagia e perda de peso.
A achado inicial durante o exame físico foi um tumor cervical anterior em 19 dos 23 casos relatados,9 o que pode ser explicado pelo rápido crescimento do tumor. Metástases linfáticas foram detectadas em dois pacientes,3,8 e uma paralisia unilateral da prega vocal foi detectada em um dos 23 pacientes.7
A revisão da literatura em termos de metástases distantes revelou que nove dos 23 pacientes apresentavam metástases distantes, que foram detectadas em exames iniciais ou durante os acompanhamentos. Em nossos pacientes, metástase pulmonar foi observada na TC de tórax inicial. O carcinoma anaplásico da tireoide tende a fazer metástase em linfonodos, enquanto o leiomiossarcoma raramente desenvolve metástase cervical.15
Nos casos relatados na literatura, os tumores observados na USG apresentavam bordas lisas ou irregulares hipoecoicas sem halo, com partes císticas, eram sólidos e, em alguns casos, tumores calcificados.7,9-11 Na TC, as tumores envolviam grandes áreas de necrose, com ou sem calcificação.6,10,11 Takayama et al., que investigaram os achados na RM de um caso diagnosticado com leiomiossarcoma da tiroide, observaram que o tumor era isointenso com tecido muscular em imagens ponderadas em T1, enquanto foi considerado de intensidade média em imagens ponderadas em T2. Os autores também relataram que a TC revelou um leve aumento do sinal em imagens com gadolínio em T1.14 Nos casos apresentados por Day15 e Just,16 os tumores tinham aparência semelhante na RM. Radiologicamente falando, percebe-se que o leiomiossarcoma da tireoide não é muito diferente de outros tumores. No primeiro caso apresentado neste artigo, uma lesão no lobo esquerdo da tireoide, áreas císticas e nódulos sólidos que incluíam calcificações foram encontrados na USG. Os achados da TC revelaram que esse tumor era hipodenso e continha calcificações distróficas. No segundo caso, uma lesão que obliterava completamente o lobo tireoidiano direito foi detectada na TC. A lesão apresentava bordas irregulares, calcificações circulares e infiltrava-se nos tecidos circundantes.
Um ligeiro aumento no nível de hormônio estimulante da tireoide (TSH) foi observado em um paciente na literatura14; os testes de função da tireoide dos outros pacientes relatados eram normais; e os pacientes aqui apresentados também eram eutireoideos.
Uma biópsia realizada por punção aspirativa com agulha fina e guiada por USG revelou proliferação de células fusiformes atípicas favorecendo um carcinoma da tireoide anaplásico de células fusiformes, carcinoma medular da tiroide ou tumor mesenquimal maligno. Com a observação de células fusiformes atípicas, concluiu-se que, além de carcinoma medular da tiroide e da versão fusiforme unicelular de carcinoma anaplásico da tireoide, o tumor epitelial fusiforme com diferenciação semelhante a timo (SETTLE), tumor fibroso solitário, fibrossarcoma e sarcoma sinovial também devem ser considerados para o diagnóstico diferencial.
Os níveis séricos de calcitonina dos pacientes apresentados neste trabalho estavam dentro dos limites normais, eliminando a possibilidade de carcinoma medular da tireoide. Por outro lado, descartar o carcinoma anaplásico da tireoide no diagnóstico diferencial é mais difícil; o tipo de célula fusiforme poderia ser diagnosticado como sarcoma.1 Necrose e degeneração cística são observadas com frequência tanto no leiomiossarcoma como no carcinoma anaplásico da tireoide. Para um diagnóstico patológico preciso, exame imuno-histoquímico e microscopia eletrônica são úteis,7,18 embora o último não possa ser realizado rotineiramente na prática clínica diária.
Na análise imuno-histoquímica, a coloração com citoqueratina mostra a origem epitelial, e a coloração vimentina mostra a origem mesenquimal.26 Embora os leiomiossarcomas reajam positivamente com vimentina, actina específica do músculo e desmina, eles não reagem com queratina, tiroglobulina, cromogranina e calcitonina.6 O perfil imunocitoquímico do carcinoma anaplásico é um tanto variável e inespecífico, embora seja muitas vezes positivo para citoqueratina.27 A variante de carcinoma anaplásico de células fusiformes pode ser diferenciada de sarcoma com coloração positiva com citoqueratina.28 Nos casos apresentados, a coloração negativa do tumor com tireoglobulina, TTF-1 e queratina, e a coloração positiva com vimentina e actina no tecido do primeiro caso levaram ao diagnóstico imuno-histopatológico de leiomiossarcoma. O segundo caso recebeu o mesmo diagnóstico, pois, na amostra, o tumor foi corado negativamente por queratina, S100 e tireoglobulina, e corado positivamente por vimentina, desmina e actina de músculo liso.
Os leiomiosarcomas primários de tecidos moles raramente causam metástase na glândula tireoide. Para os pacientes apresentados neste trabalho, o fato de não haver outro foco nos exames radiológicos e história prévia de cirurgia ou malignidade descartou essa possibilidade.
Embora existam várias abordagens para o tratamento, desde cirurgia agressiva até radioterapia e quimioterapia adjuvante, foi relatado que nenhum tratamento produziu efeito sobre a taxa de recidiva da doença ou de sobrevida.3,7,14,15 As abordagens cirúrgicas sugeridas na literatura variam de lobectomia da tireoide à tireoidectomia total mais esvaziamento cervical estendido. Devido à característica invasiva do tumor, alguns autores sugerem a cirurgia radical para obter controle local da doença.11,15,18 Há também casos em que não há ressecção cirúrgica do tumor, tal como nos apresentados acima, que não foram submetidos a excisão cirúrgica do tumor.
A quimioterapia é uma forma alternativa de tratamento, embora esteja longe de ser benéfica. Devido à superexpressão de receptores tirosina-quinase, como c-kit, em leiomiossarcomas da tireoide, acredita-se que os inibidores de tirosina-quinase, como o mesilato de imatinibe, sejam uma etapa do método de tratamento. O paciente tratado com cirurgia mais mesilato de imatinibe foi a óbito seis meses após o diagnóstico.15 Wang et al.23 relataram um caso de leiomiossarcoma que foi submetido a tireoidectomia mais esvaziamento cervical anterior e recebeu tratamento adicional com ifosfamida e adriamicina, mas o prognóstico e o resultado não foram relatados. Além disso, como tratamento adicional, a radioterapia adjuvante pode reduzir o risco de recidiva local.18
O prognóstico dos pacientes com leiomiossarcoma da tireoide é ruim. A doença é quase sempre fatal, e as taxas de sobrevida foram estimadas em 5 a 10% no primeiro ano.17 Os relatos na literatura indicam que 14 dos 23 pacientes foram a óbito em meses, devido à doença; quatro dos sete que sobreviveram tiveram uma doença recorrente e/ou metastática. Dentre eles, a duração mais longa de um paciente livre de doença foi de cindo anos (tabela 1). O intervalo entre o surgimento das queixas e o óbito foi de alguns meses para ambos os pacientes apresentados neste artigo.
Em conclusão, embora seja uma malignidade rara da tireoide, o leiomiossarcoma deve ser levado em consideração, especialmente em pacientes que apresentam tumores de rápido crescimento na porção anterior do pescoço e metástases distantes. A avaliação imuno-histoquímica é necessária para diferenciá-lo de outras doenças malignas e agressivas da tireoide, como o carcinoma anaplásico. O leiomiosarcoma da tiroide é um tumor agressivo e tem um prognóstico ruim; a necessidade de uma abordagem oncológica e cirúrgica agressiva ainda é controversa.
Conflitos de interesse
Os autores declaram não haver conflitos de interesse.
Recebido em 15 de outubro de 2015;
aceito em 13 de novembro de 2015
* Autor para correspondencia.
E-mail:alperenvural@yahoo.com (A. Vural).
☆ Como citar este artigo: Şahin Mİ, Vural A, Yüce İ, Çağlı S, Deniz K, Güney E. Thyroid leiomyosarcoma: presentation of two cases and review of the literature. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:715-21.
DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.11.020