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Vol. 83. Núm. 1.
Páginas 112-116 (Janeiro - Fevereiro 2017)
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Vol. 83. Núm. 1.
Páginas 112-116 (Janeiro - Fevereiro 2017)
Relato de caso
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Speech auditory brainstem response (speech ABR) in the differential diagnosis of scholastic difficulties
Potencial auditivo de tronco encefálico com estímulo de fala (PEATE‐fala) no diagnóstico diferencial de dificuldades escolares
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Milaine Dominici Sanfinsa,
Autor para correspondência
msanfins@uol.com.br

Autor para correspondência.
, Letícia Reis Borgesa, Thalita Ubialia, Maria Francisca Colella-Santosb
a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Ciências Médicas, Programa de Saúde da Criança e do Adolescente, Campinas, SP, Brasil
b Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Ciências Médicas, Curso de Fonoaudiologia, Campinas, SP, Brasil
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Tabela 1. Valores das avaliações do processamento auditivo
Tabela 2. Valores das avaliações auditivas feitas
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Introdução

A aprendizagem da linguagem falada e escrita depende da assimilação de elementos acústicos e da representação de características fonéticas de uma língua.1 O processamento auditivo, a consciência fonológica e a discriminação auditiva são fatores que interferem no aprendizado da leitura e da escrita por estarem diretamente relacionados à audição receptiva.2 Pesquisadores relacionam a existência de déficits auditivos em crianças com dificuldade de aprendizagem.3

A avaliação eletrofisiológica da audição permite o estabelecimento de uma correlação anatomofuncional no sistema nervoso auditivo central que ocorre pela ativação de diversas estruturas ao longo do sistema, após a estimulação acústica. Dessa forma, a análise da integridade e do funcionamento da via auditiva é recomendada nos casos de dificuldades de aprendizagem.4

O potencial evocado auditivo de tronco encefálico (Peate) pode ser eliciado por uma ampla variedade de estímulos sonoros: clique, tom puro, tom mascarado e som complexo (fala). Estudos documentaram a normalidade de respostas com o uso do clique em crianças com dificuldades de aprendizagem. Entretanto, recentes estudos sugerem que existam alterações apenas com o uso de estímulos de fala devido à existência de um déficit subcortical associado às desordens de aprendizagem.5–7

Relato de caso

Os indivíduos selecionados para este estudo foram classificados como portadores de dificuldades escolares e apresentam uma discrepância entre a aptidão e o desempenho acadêmico. O diagnóstico foi baseado em um longo e detalhado estudo feito por uma equipe multidisciplinar composta por psicóloga, fonoaudióloga, psicopedagoga, fisioterapeuta, psicomotricista, neuropediatra e psiquiatra do Laboratório de Pesquisa em Distúrbios, Dificuldades de Aprendizagem e Transtorno de Atenção da Faculdade de Ciências Médicas (Disapre) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para a concretização do diagnóstico, foi necessária a exclusão de alterações genéticas, orgânicas, psicológicas e psiquiátricas que pudessem ocasionar essas mesmas alterações. São dois casos do gênero masculino (10 e 11 anos) integrantes de um estudo de mestrado. Os responsáveis foram orientados e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido de n° 431.184/2013.

A avaliação audiológica básica foi feita bilateralmente, com resultados dentro da normalidade. Na avaliação comportamental do processamento auditivo (PA), foi identificada alteração nas habilidades auditivas de figura‐fundo para sons verbais, ordenação temporal e resolução temporal (tabela 1) e na avaliação eletrofisiológica do PA foram observadas respostas dentro da normalidade no Peate (clique) e Peall (tabela 2). Os resultados da avaliação das EOAT e EOAPD foram normais bilateralmente.

Tabela 1.

Valores das avaliações do processamento auditivo

  Caso 1Caso 2
Procedimentos  Orelha direita  Orelha esquerda  Orelha direita  Orelha esquerda 
DD  87,5%  92,5%  100%  95% 
TPF (nomeação)  48,27%  58,62%  43,33%  26,66% 
GIN%
GIN 
71,66%
4ms 
58,33%
8ms 
73,33%
5ms 
65%
6ms 
SSI (relação – 15 dB)  70%  50%  60%  30% 
Fala no ruído  88%  80%  84%  72% 

DD, teste dicótico de dígitos; GIN, gap in noise; GIN %, gap in noise (%); TPF, teste de padrão de frequência; SSI, teste de identificação de sentenças sintéticas com mensagem competitiva ipsilateral.

Tabela 2.

Valores das avaliações auditivas feitas

  Caso 1Caso 2
Procedimentos  Orelha direita  Orelha esquerda  Orelha direita  Orelha esquerda 
Média de 500, 1.000 e 2.000Hz  5 dB  5 dB  10 dB  5 dB 
LRF (dB)  5dB  5 dB  10 dB  5 dB 
IRF (%)  100%  96%  96%  100% 
Curva timpanométrica  Tipo A  Tipo A  Tipo A  Tipo A 
Reflexos acústicos ipsilaterais e contralaterais  Presente  Presente  Presente  Presente 
EOAT  Presente  Presente  Presente  Presente 
EOAPD  Presente  Presente  Presente  Presente 
PA  Alterado  Alterado  Alterado  Alterado 
Peate (clique)  Normal  Normal  Normal  Normal 
Peate (fala)  Alterado  Não feito  Alterado  Não feito 
Peall  Normal  Normal  Normal  Normal 

EOAPD, emissões otoacústicas por produto de distorção; EOAT, emissões otoacústicas transientes; IRF, índice de reconhecimento de fala; LRF, limiar de reconhecimento de fala; PA, processamento auditivo; Peall, potencial evocado auditivo de longa latência; Peate, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

O Peate com estímulo de fala foi feito com a sílaba /da/ sintetizada, a uma taxa de 10,9 estímulos por segundo, fornecida pelo software BioMARKTM do equipamento Biologic. Foram calculados 6.000 estímulos, com duas varreduras de 3.000, a análise foi feita na soma dos traçados. O estímulo foi apresentado na orelha direita, via fone de inserção, a 80 NPS, devido à vantagem do hemisfério esquerdo para o processamento da fala.8

O estímulo é constituído pela consoante /d/ (porção transiente – onset) e uma vogal /a/ abreviada (porção sustentada – frequency following response). A onda C representa a transição entre a consoante e a vogal, enquanto que a onda O representa o fim da vogal (fig. 1). Após a coleta, foram analisadas a latência e a amplitude da porção transiente (ondas V e A) e o slope VA (amplitude VA/duração VA), a onda normativa do BioMARKTM é usada como base de análise. Em ambos os casos, foram encontradas respostas alteradas nos valores de latência das ondas V, A e slope VA (figs. 2 e 3).

Figura 1.

Representação da resposta eletrofisiológica para sílaba /da/ sintetizada. Arquivo pessoal do pesquisador de uma avaliação feita no software BioMARKTM.

(0,18MB).
Figura 2.

Potencial evocado auditivo de tronco encefálico com estímulo de fala com respostas alteradas. Dados do pesquisador de um paciente do gênero masculino (10 anos).

(0,35MB).
Figura 3.

Potencial evocado auditivo de tronco encefálico com estímulo de fala com respostas alteradas. Dados do pesquisador de um paciente do gênero masculino (11 anos).

(0,35MB).
Discussão

Na análise dos resultados, observou‐se que no Peate com estímulo clique não foram observadas alterações nos dois casos, o que corroborando estudos na literatura que defendem a teoria de que apenas os processos envolvidos na codificação de sinais de fala, na região do tronco encefálico, estão alterados nas crianças com dificuldades de aprendizagem, evidenciam que os Peates com estímulos clique e fala diferem na maneira como estimulam as estruturas auditivas ao longo do sistema nervoso auditivo central (SNAC), visto que os estímulos acústicos são diferentes e refletem processo neurais distintos.5,7

Na análise do Peate com estímulo de fala foi observada alteração nos dois casos, com a presença de um prolongamento significativo dos valores de latência absoluta das ondas V e A, bem como do slope VA. Estudos corroboram esses achados e descrevem que existe distinção entre os valores de latências das ondas V e A em crianças com dificuldade de aprendizagem, quando comparadas com as crianças com desenvolvimento típico, o que leva a ponderar acerca de um funcionamento diferenciado nas estruturas responsáveis pela geração dessas ondas, ou seja, a região de lemnisco lateral e colículo inferior, e na codificação dos sons de fala.5–7

Os achados deste estudo sugerem a existência de um comprometimento funcional no processamento da fala na região do tronco encefálico, identificado pelas latências atrasadas das ondas V, A e slope VA, e que os mecanismos fisiológicos encontram‐se alterados, mesmo sem existir uma alteração neurobiológica comprovada nos casos de diagnóstico de dificuldades escolares. Em consequência dessa inabilidade de percepção de fala, ocorre um déficit no processo comunicativo e de linguagem, com prejuízo das informações linguísticas e paralinguísticas, propicia‐se assim uma dificuldade nas habilidades acadêmicas que pode trazer sérias consequências na qualidade de vida e nas interações sociais e culminar nos distúrbios de aprendizado. Dessa forma, existe um impacto negativo no processamento dos sinais acústicos rápidos nas estruturas especializadas do córtex, que não respondem, de modo sincrônico e organizado, ao estímulo sonoro, e dificultam a interpretação e a compreensão do significado da mensagem nas crianças com problemas escolares.

Diversas alterações do processamento dos sons podem ser encontradas em pacientes com transtornos de aprendizagem. Assim, as alterações em diferentes níveis da trajetória auditiva deveriam ser investigadas para permitir um diagnóstico diferencial. Uma das maneiras de avaliar o SNAC é por intermédio da bateria de testes comportamentais. Todavia, a avaliação é demorada e necessita da participação efetiva do paciente. No caso de pacientes com dificuldades escolares, o Peate com estímulo de fala é indicado por se tratar de um procedimento objetivo, prático e eficaz, que não depende da resposta do paciente, é independente da atenção e fornece uma análise de medidas numéricas que pode servir como preditor do grau da desordem.

De acordo com Chandrasekaran e Kraus,9 a análise das variações de valores de latências absolutas do Peate com estímulo de fala pode contribuir para a diferenciação e o estabelecimento de diferentes quadros clínicos, além de permitir uma medida objetiva do processamento subcortical da fala. Essa análise seria muito importante nos casos de dificuldades de aprendizagem que englobam diversos outros subgrupos de desordens, entre eles as dificuldades escolares. Pesquisadores salientam que esse procedimento pode ser usado para avaliar o funcionamento auditivo e fornecer informações adicionais nos diagnósticos de dificuldades de aprendizagem e em desordens do processamento auditivo.10

Os achados deste estudo sugerem que as alterações na percepção e no processamento das informações auditivas associadas às crianças com dificuldades de aprendizagem parecem ser as mesmas das crianças com dificuldades escolares. Assim, salienta‐se a importância de se avaliarem as crianças portadoras de dificuldades escolares, visto que as alterações no processo de codificação dos sons de fala parecem ser de fundamental importância no processo de aprendizagem. Conhecer a magnitude das alterações auditivas apresentadas por esses pacientes pode permitir o planejamento de práticas mais assertivas na prevenção, detecção e no tratamento desse transtorno.

Conclusão

A análise dos casos demonstrou a importância do uso do Peate com estímulo de fala na avaliação de crianças com dificuldades escolares, mediante as alterações encontradas neste estudo. Esse procedimento é objetivo, rápido e eficaz, não necessita da participação consciente do paciente e fornece parâmetros numéricos que podem comprovar a maturação do SNAC, pode servir como um marcador biológico das dificuldades escolares.

O estudo do Peate com estímulo de fala parece ser muito promissor e outros estudos com um número maior de sujeitos seriam importantes para acompanhar e comprovar as alterações encontradas. Além disso, o acompanhamento longitudinal desses casos seria interessante para comprovar a acurácia do teste e a eficácia dos tratamentos, bem como averiguar e monitorar as consequências do prejuízo na percepção de fala nos casos de dificuldades escolares.

Financiamento

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
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S.F. Regaçone, A.C.B. Gução, C.M. Giacheti, A.C.L. Romero, A.C.F. Frizzo.
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Ear Hear, 31 (2010), pp. 302-324
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Subcortical differentiation of stop consonants relates to reading and speech‐in‐noise perception.
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Hear Res, 1 (2014), pp. 5-22

Como citar este artigo: Sanfins MD, Borges LR, Ubiali T, Colella‐Santos MF. Speech‐evoked auditory brainstem response in the differential diagnosis of scholastic difficulties. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:112–6.

A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.

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