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Vol. 88. Núm. S1.
Páginas S1-S2 (Novembro - Dezembro 2022)
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Uma viagem pelo universo do zumbido
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Raquel Mezzalira
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, São Paulo, SP, Brasil
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O zumbido pode ser definido como a percepção de som na ausência de qualquer estímulo sonoro externo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 15% da população mundial tem zumbido e essa prevalência aumenta com a idade.1 Estudo populacional feito na cidade de São Paulo relata que 22% da população apresentam zumbido. Essa prevalência triplica em indivíduos com mais de 65 anos.2 Esse mesmo estudo observou que o incômodo pelo zumbido ocorreu em 64% dos casos e que interferiu nas atividades diárias em 18% dos indivíduos que relataram o sintoma.2 A perda auditiva está associada ao zumbido em aproximadamente 85‐96% dos casos.3 Esses números mostram que o zumbido não afeta as atividades diárias da maioria dos pacientes; entretanto, pode ter implicações negativas na qualidade de vida de uma parcela dos pacientes, tem relações comprovadas com a dificuldade de atenção e concentração, depressão e até mesmo ideação suicida. Esse grupo demanda maior atenção dos profissionais de saúde, embora todo zumbido deva ser investigado, independentemente de suas repercussões.

O estudo do zumbido obriga o médico a mergulhar no universo anatômico e fisiológico das vias auditivas e suas conexões, na tentativa de compreender sua origem e as reações que ele pode causar. O conhecimento das diversas redes neurais envolvidas nos diferentes aspectos do sintoma fez com que o zumbido deixasse de ser visto apenas como um fenômeno auditivo e passasse a ser considerado um distúrbio sensorial, cognitivo e emocional. O zumbido é gerado principalmente nas vias auditivas periféricas, a sua detecção ocorre nos centros subcorticais, enquanto sua percepção ocorre no córtex auditivo, o que faz com que cada paciente experimente diferentes reações ao sintoma.3 Várias comorbidades podem estar associadas ao zumbido. Entre as principais, destacam‐se as causas otológicas, cardiovasculares, metabólicas, hormonais, neurológicas, somatossensoriais e doenças com características somatopsíquicas. Dessa forma, o zumbido pode ser a manifestação inicial de várias doenças otológicas ou sistêmicas. Contudo, a depender do impacto do zumbido no indivíduo afetado, áreas do sistema límbico e do sistema nervoso autônomo que aumentam o desconforto do paciente podem ser ativadas. O processo cognitivo comportamental contribui para sua gravidade por meio de pensamentos negativos, atenção seletiva e hipervigilância. Portanto, é essencial distinguir entre a gravidade do zumbido e as reações causadas pelo mesmo. Para tanto, podem ser usados questionários que avaliam e quantificam o zumbido e seus efeitos na vida do paciente. Testes auditivos e eletrofisiológicos são necessários para avaliar as vias auditivas. Exames laboratoriais e de imagem também podem ser úteis, depende do tipo de zumbido.

O diagnóstico dos fatores envolvidos na origem do zumbido é o maior desafio no manejo desses pacientes. Uma vez superada essa dificuldade, a próxima etapa consiste em uma arte: o tratamento. A ciência tem sido muito generosa nesse ponto, pois várias opções de tratamento para o zumbido estão surgindo. A arte consiste em saber escolher e usar cada uma delas. O tratamento deve levar em consideração não apenas a etiologia, mas também as reações e expectativas do paciente em relação ao zumbido.4 No entanto, independentemente da terapia escolhida, o aconselhamento é o principal componente de todas elas. Explicar ao paciente o motivo do zumbido muitas vezes reduz as reações negativas relacionadas a ele. Posteriormente, é necessário o tratamento das causas envolvidas na origem do zumbido, na tentativa de melhorar ou mesmo eliminar o sintoma. Infelizmente, isso nem sempre é possível, porque a causa pode não ser tratável ou porque o paciente tem uma percepção acentuada do zumbido ao nível cortical, o que dificulta a melhoria, mas isso não significa que essa percepção não possa ser abordada. Nesse caso, as ações terapêuticas se concentram no uso de métodos para ignorar as informações relacionadas ao zumbido.

A terapia cognitivo‐comportamental visa identificar e alterar o significado emocional do zumbido. Outra abordagem possível é o mindfulness, que vem demonstrando benefícios no zumbido, reduz o incômodo e facilita sua aceitação pelo paciente. Uma terceira forma de melhorar essa situação é a acupuntura, cuja descarga elétrica causada pela estimulação da agulha desencadeia potenciais de ação que influenciam a atividade do núcleo olivococlear ou modulam as conexões entre a via auditiva e o sistema límbico e amígdala, que são áreas relacionadas ao desconforto causado pelo zumbido. Seguindo esse mesmo caminho, existem ainda duas outras modalidades de tratamento que atuam nas vias auditivas centrais, que são a estimulação magnética transcraniana, que modula a neuroplasticidade em áreas corticais e talâmicas, e a neuromodulação, cujo mecanismo de ação no zumbido é atribuído à interferência nos sinais provenientes das vias auditivas centrais e seus circuitos associados que chegam ao córtex cerebral.

Devido à grande associação entre zumbido e perda auditiva, melhorar a estimulação acústica para superar a falta de estimulação do cortex auditivo é fundamental. Nesse sentido, o uso de próteses auditivas e/ou gerador de som são a primeira opção de tratamento. Além disso, os sons ambientais também podem ajudar a minimizar os efeitos da reorganização cortical mal‐adaptada e reduzir a percepção do zumbido. A terapia sonora também é indicada para pacientes com zumbido e audição normal.

Até o momento, não há medicamentos com indicação específica para o tratamento do zumbido. No entanto, muitos deles podem ser úteis no controle de sintomas associados, como depressão e ansiedade, ou na melhoria da função da orelha interna, e sua escolha deve levar em consideração as necessidades do paciente. Algumas opções são medicamentos que melhoram o suprimento vascular, o metabolismo da orelha interna e a função neuronal (Ginkgo biloba, vitamina D, vitamina B12, zinco), medicamentos que agem nos canais iônicos (gabapentina e carbamazepina), medicamentos que atuam nos neurotransmissores (clonazepam, inibidores seletivos da recaptação de serotonina, ciclobenzaprina) etc.4

As associações anatômicas e funcionais entre orelha, cabeça, articulação temporomandibular e pescoço são bem conhecidas e são responsáveis por um subgrupo muito comum de zumbido: o somatossensorial. O mecanismo é complexo e envolve a desinibição da atividade do núcleo coclear dorsal por meio da via somatossensorial serotoninérgica. Essa condição vem aumentando nos dias atuais com o home office e consequentes posturas inadequadas. Além disso, a incidência do bruxismo vem aumentando devido ao estresse causado pela pandemia de Covid‐19 e pela aceleração do ritmo de vida. Nesse contexto, a abordagem fisioterapêutica dos pontos‐gatilho miofasciais é o tratamento indicado para esse tipo de zumbido.5

A variedade de fatores que podem gerar o zumbido e influenciar no grau de desconforto aponta para a necessidade de uma abordagem individualizada e geralmente interdisciplinar. Talvez a melhor abordagem seja o aconselhamento e a oferta de sons. Existem vários instrumentos disponíveis para tratar o zumbido e melhorar as reações negativas causadas por ele. Infelizmente, alguns estão disponíveis somente em centros de pesquisa, embora a maioria seja acessível a todos os pacientes. Cabe ao maestro escolher qual instrumento ou instrumentos usar e reger a orquestra.

Referências
[1]
M.D. Seidman, G.P. Jacobson.
Update on tinnitus.
Otolaryngol Clin N Am., 29 (1996), pp. 455-465
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J. Oiticica, R.S. Bittar.
Tinnitus prevalence in the city of São Paulo.
Braz J Otorhinolaryngol., 81 (2015), pp. 167-176
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P.J. Jastreboff.
Phantom auditory perception (tinnitus): mechanisms of generation and perception.
Neurosci Res., 8 (1990), pp. 221-254
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E.T. Onishi, C.C. Coelho, J. Oiticica, R.R. Figueiredo, R.C. Guimarães, T.G. Sanchez, et al.
Tinnitus and sound intolerance: evidence and experience of a Brazilian group.
Braz J Otorhinolaryngol., 84 (2018), pp. 135-149
[5]
C.B. Rocha, T.G. Sanchez.
Efficacy of myofascial trigger point deactivation for tinnitus control.
Braz J Otorhinolaryngol., 78 (2012), pp. 21-26

Como citar este artigo: Mezzalira R. A journey through the tinnitus universe. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:S1–S2.

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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