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Vol. 81. Núm. 4.
Páginas 363-367 (Julho 2015)
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A importância do reteste da triagem auditiva como indicador da real alteração auditiva precoce
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Daniela Polo Camargo da Silvaa, Priscila Suman Lopezb, Georgea Espíndola Ribeiroa, Marcos Otávio de Mesquita Lunac, João César Lyrad, Jair Cortez Montovanie
a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Programa de Pós-graduação, Bases Gerais da Cirurgia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
b Programa de Pós-graduação, Bases Gerais da Cirurgia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
c Área Neonatologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
d Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
e Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
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Introdução: O diagnóstico precoce da surdez minimiza impactos no desenvolvimento infantil. Fatores que interferem na efetividade dos programas de triagem são estudados.

Objetivo: Verificar a relação entre sexo, peso ao nascimento, idade gestacional, presença de risco para deficiência auditiva, local de realização da triagem auditiva neonatal e resultados “passa” e “falha” no reteste.

Método: Estudo de coorte prospectiva, em hospital de referência terciário. A triagem foi realizada em 565 neonatos, por meio das emissões otoacústicas evocadas transientes, em três unidades de internação antes da alta hospitalar e o reteste, no ambulatório. Sexo, peso ao nascimento, idade gestacional, presença de indicadores de risco para deficiência auditiva e local de realização do exame foram considerados.

Resultados: Nasceram a termo 86%, prematuros 14% e risco para deficiência auditiva, 11%. Dentre os 165 neonatos retestados, apenas o local de realização do exame, Unidade de Cuidados Intermediários, se relacionou com manutenção da “falha” no reteste.

Conclusões: Sexo, peso ao nascimento, idade gestacional e presença de indicadores de risco para deficiência auditiva não se relacionaram com “passar” e/ou “falhar” no reteste. A realização do exame em unidades de cuidados intermediários aumenta a chance de permanência de “falha” no exame de Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes.

Palavras-chave:
Audição
Estimulação acústica
Recém-nascido
Triagem neonatal

 

Introduction: Early diagnosis of hearing loss minimizes its impact on child development. We studied factors that influence the effectiveness of screening programs.

Objective: Investigate the relationship among gender, weight at birth, gestational age, risk factors for hearing loss, venue for newborn hearing screening and “pass” and “fail” results in the retest.

Methods: Prospective cohort study in a tertiary referral hospital. The screening was performed in 565 newborns through transient evoked otoacoustic emissions in three admission units before hospital discharge and retest in the outpatient clinic. Gender, weight at birth, gestational age, presence of risk indicators for hearing loss and venue for newborn hearing screening were considered.

Results: Full-term infants comprised 86% of the cases, preterm 14%, and risk factors for hearing loss were identified in 11%. Considering the 165 newborns retested, only the venue for screening, Intermediate Care Unit, was related to “fail” result in the retest.

Conclusions: Gender, weight at birth, gestational age and presence of risk factors for hearing loss were not related to “pass” and/or “fail” results in the retest. The screening performed in intermediate care units increases the chance of continued “fail” result in the Transient Otoacoustic Evoked Emissions test.

Keywords:
Hearing
Acoustic stimulation
Newborn
Neonatal screening
Texto Completo

Introdução

Com o uso de exames eletrofisiológicos e eletroacústicos na população pediátrica, o diagnóstico precoce da deficiência auditiva passou a ser possível já nos primeiros meses de vida, por meio da triagem auditiva neonatal universal (TANU),1 tornando-a obrigatória, no Brasil, pela lei federal nº 12.303, em todos os recém-nascidos.

Para a compreensão e efetividade da realização da TANU, é necessário reconhecer a importância de diversos fatores, tais como: o ambiente de realização do exame, as condições clínicas do neonato e a realização próxima à alta hospitalar. Além disso, o reteste dos que não passaram no primeiro exame deve ser realizado em pelo menos 90% dos que falharam na TANU, preferencialmente antes da alta hospitalar, ou até o terceiro mês de vida.2

A dificuldade em atingir esse índice recomendado pode ocorrer tanto por questões inerentes aos neonatos, tais como óbitos, doenças pós-natais e internação em outra unidade, quanto por falta de adesão familiar. Portanto, o desafio de diminuir o número de falhas no exame inicial, bem como o de evitar o não comparecimento dessas crianças para o reteste, ainda são motivos de estudo.3-5 O objetivo deste estudo foi verificar a relação entre o sexo, o peso ao nascimento, a idade gestacional, a presença de indicadores de risco para deficiência auditiva, o local de realização da TANU e os resultados “passa” e “falha” no reteste.

Método

O estudo foi realizado em hospital de referência terciário, com aprovação de Comitê de Ética local (processo nº 3395/09) de setembro de 2011 a junho de 2012. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos pais ou responsável legal do neonato.

Trata-se de um estudo de coorte prospectiva.

Durante o período do estudo, 565 neonatos realizaram TANU em três unidades distintas de internação: alojamento conjunto (AC), unidade de cuidados especiais (UCE) e unidade de cuidados intermediários (UCI), antes da alta hospitalar. Somente para os que apresentaram alteração no primeiro exame, o reteste foi realizado no ambulatório de Fonoaudiologia, após a alta hospitalar.

A triagem auditiva foi realizada por meio das emissões otoacústicas evocadas transientes, com o equipamento portátil OtoRead/Interacoustics e o neonato em estado de sono natural no colo da mãe ou berço.

Utilizou-se como critério de análise o parâmetro de PASSA/ FALHA descrito no protocolo do próprio equipamento, com estímulo clique, intensidade de 83 dB SPL e avaliadas seis bandas de frequências (de 1500 Hz a 4000 Hz). Os valores considerados como “PASSA” foram: emissões otoacústicas presentes em uma relação sinal/ruído de 6 dB em pelo menos três bandas de frequências consecutivas, inclusive 4000 Hz, e tempo máximo de realização do exame de 64 segundos.

As variáveis sexo, peso ao nascimento, idade gestacional, presença de indicadores de risco para deficiência auditiva2 e local de realização do exame (AC, UCE e UCI) foram consideradas na análise estatística dos neonatos que apresentaram “falha” na avaliação inicial.

Foram utilizados os testes de Qui-quadrado e Exato de Fisher. As análises foram consideradas significativas se p ≤ 0,05 e realizadas com o software SPSS versão 21.0.

Resultados

Realizaram a TANU, antes da alta hospitalar, 565 neonatos, sendo que 48% (n = 270) eram do sexo feminino e 52% (n = 295) do masculino. O peso médio ao nascimento foi de 3.663 g (peso mínimo de 695 g e máximo de 4.700 g). Com relação à idade gestacional, 86% (n = 484) nasceram a termo, 14% (n = 81) prematuros.

Os indicadores de risco para deficiência auditiva estavam presentes em 11% (n = 65) dos neonatos. Encontramos índice de Apgar baixo ao nascimento (n = 24), peso ao nascimento < 1,500 g (n = 11); UTI > 48 horas (n = 10), uso de ventilação mecânica maior que cinco dias (n = 6), sífilis congênita (n = 6), uso de ototóxicos (n = 4), filhos de mãe usuária de drogas (n = 3), malformações craniofaciais (n = 2), toxoplasmose congênita (n = 1) e história familiar de deficiência auditiva na infância (n = 1).

Como mostra o fluxograma da figura 1, 59% dos neonatos (n = 331) “passaram” na avaliação inicial. Dentre os 234 neonatos que “falharam”, 30% (n = 69) não compareceram ao reteste, resultando em 165 neonatos reavaliados, e comprovaram a “falha” inicial apenas 8% (n = 13).

Figura 1 Fluxograma dos pacientes atendidos no período do estudo (n = número).

As relações entre as variáveis sexo, prematuridade, presença de indicador de risco para deficiência auditiva, local de realização do exame e “passar” no reteste não foram estatisticamente significativas em ambas as orelhas (tabelas 1 e 2).

Já a relação entre essas mesmas variáveis e a manutenção de “falha” no reteste, em pelo menos uma orelha, foi significativa para o local de realização do primeiro exame na unidade de cuidados intermediários (tabela 3).

Discussão

A avaliação auditiva nos primeiros dias após o nascimento possibilita melhor prognóstico do desenvolvimento de lingua-gem, sendo os primeiros meses de vida considerados como um período crítico de maturação e plasticidade do sistema auditivo central.6,7

Para a identificação precoce da surdez, a utilização de medidas objetivas, como o registro das emissões otoacústicas evocadas e o potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE), é recomendada.2,7 No entanto, a realidade brasileira aponta a aplicação em larga escala das emissões otoacústicas evocadas como primeira medida, e após a “ falha” confirmada dessas a utilização do PEATE para diagnóstico.1,4

Na confirmação da surdez, essas crianças devem receber intervenção precoce por meio de adaptação de aparelho de amplificação sonora individual/implante coclear e início de terapia fonoaudiológica até o sexto mês de vida.2 Para isso, recomenda-se a realização da triagem auditiva preferencialmente antes da alta hospitalar.8-11

Entretanto, os achados da TANU nos primeiros dias de vida, antes da alta hospitalar, podem ter interferências que induzem à “falha” no exame, como: a dificuldade de se controlar o ruído em unidades de internação, as condições clínicas do neonato e a presença de vérnix no conduto auditivo externo.4,12 Por outro lado, no reteste, em que as condições de exame são melhores, é possível verificar se a “falha” é em decorrência de um problema auditivo, e não de fatores alheios a este.

As diferentes unidades de internação do neonato foram consideradas nesse estudo, por se tratar de um hospital escola com grande número de nascimentos/mês e, portanto, cuja maternidade disponibiliza quatro unidades de internação. O AC compreende neonatos saudáveis; a UCE abriga neonatos com quaisquer destes fatores: baixo peso ao nascimento (< 2.000 g), idade gestacional menor que 34 semanas, desconforto respiratório sem necessidade imediata de intubação e ventilação mecânica ou, ainda, neonatos cujas mães não estão aptas a cuidarem de seus filhos no AC logo após o parto. Na UCI, estão os neonatos que precisam de monitorização, mas que dispensam cuidados de uma unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal, sendo esta responsável apenas pelos casos graves.

Este estudo mostra que 92% dos neonatos “passaram” no reteste, índice muito próximo ao preconizado por JCIH,2 mesmo se tratando de um hospital que atende gestantes e bebês de alto risco, principalmente para a deficiência auditiva.

Por um lado, a perda de 30% no reteste pode ser justificada pelo aumento de programas de triagem auditiva neonatal na cidade de origem, sendo uma opção de mais fácil acesso e, por outro lado, as gestações de alto risco aumentam a possibilidade de reinternação desses neonatos, além de óbitos ou doenças que impeçam o retorno. A falta de reconhecimento, ou ainda, de compreensão quanto à importância do exame auditivo, são habituais e podem oferecer impacto na identificação precoce da surdez.

Embora a presença de indicador de risco para deficiência auditiva e a prematuridade aumente as chances de “falha” na TANU,13,14 nosso estudo não encontrou relação desses fatores com a manutenção de “falha” no reteste, mas sim com o local de realização do exame, especialmente para os que realizaram o exame inicial na UCI. Esse achado pode ser explicado pelo fato de que os neonatos que permaneceram nessa unidade são os que apresentam maiores complicações antes, durante e/ou após o nascimento.

Este estudo abordou a importância da realização do reteste das emissões otoacústicas, mas não descarta o encaminhamento para o PEATE ou este como primeira medida, principalmente nos neonatos de risco para deficiência auditiva. No entanto, a realização das emissões otoacústicas, principalmente no reteste, diminuiu o número de falso-positivos, principalmente quando a avaliação inicial foi realizada em ambientes críticos de internação.

As crianças desse estudo, após a confirmação da “falha” no reteste, foram conduzidas para avaliação diagnóstica e, na confirmação da deficiência auditiva, os encaminhamentos para tratamento médico e fonoaudiológico foram realizados.

Apesar de as condições de realização da triagem, antes da alta hospitalar, ainda não serem ideais, o reteste é imprescindível para a identificação precoce da real alteração auditiva, ressaltando a importância do investimento em fatores que contribuam com adesão ao reteste, como a educação dos profissionais envolvidos na saúde materno-infantil e orientação familiar.

Conclusão

Sexo, peso ao nascimento, idade gestacional e presença de indicadores de risco para deficiência auditiva não se relacionaram com “passar” e/ou “falhar” no reteste. A realização do exame em unidades de cuidados intermediários aumenta a chance de permanência de “falha” no exame de Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 15 de janeiro de 2014;

aceito em 4 de julho de 2014

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.07.019

Como citar este artigo: da Silva DPC, Lopez PS, Ribeiro GE, Luna MOM, Lyra JC, Montovani JC. The importance of retesting the hearing screening as an indicator of the real early hearing disorder. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:363-7.

☆☆ Instituição: Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil.

* Autor para correspondência.

E-mail:daniela-polo@uol.com.br (D.P.C. da Silva).

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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