Compartilhar
Informação da revista
Vol. 82. Núm. 5.
Páginas 602-609 (Setembro 2016)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Vol. 82. Núm. 5.
Páginas 602-609 (Setembro 2016)
Open Access
Métodos de alimentação para crianças com fissura de lábio e/ou palato: uma revisão sistemática
Visitas
9772
Giesse Albeche Duartea, Ramon Bossardi Ramosb, Maria Cristina de Almeida Freitas Cardosoa
a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação – Linha Musculoesquelética, Porto Alegre, RS, Brasil
b Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (4)
Tabela 1. Níveis de evidência ASHA13
Tabela 2. Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período que antecede a correção cirúrgica
Tabela 3. Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de lábio e/ou palato, lábio isolado ou lábio associado ou não a palato
Tabela 4. Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de palato associada ou não a lábio
Mostrar maisMostrar menos
Figuras (1)

Introdução: As dificuldades de alimentação em crianças com fissura labiopalatina (FLP) são frequentes e surgem logo ao nascimento, devido ao comprometimento das funções de sucção e deglutição. A utilização de métodos de alimentação adequados aos diferentes tipos de fissura e ao momento da vida da criança é primordial para seu pleno desenvolvimento.

Objetivo: Revisar estudos que compararam métodos de alimentação para crianças com FLP antes da correção cirúrgica e no pós-operatório.

Método: A busca compreendeu o período entre janeiro de 1990 e agosto de 2015, nas bases de dados PubMed, LILACS, Scielo e Google Acadêmicos e utilizando os termos: Fenda Labial ou Fissura Palatina e Métodos de Alimentação ou Aleitamento Materno ou Transtornos de deglutição e seus sinônimos. Esta revisão sistemática foi registrada no PROSPERO sob o número CRD42014015011. Foram incluídas publicações comparando métodos de alimentação nos idiomas português, inglês e espanhol. Pesquisas com síndromes associadas, métodos ortopédicos ou comparando técnicas cirúrgicas não foram incluídas.

Resultados: Os três estudos revisados sobre o período que antecede a correção cirúrgica apresentaram melhor desempenho na alimentação com três diferentes métodos: mamadeira compressível, seringa e paladai. Um único estudo abordou o pós-operatório de fissura de lábio e/ou palato, apresentando resultados positivos para a alimentação com método com sucção. Da mesma forma, no pós-queiloplastia os estudos mostraram melhores resultados com métodos com sucção. Após a palatoplastia, dois estudos apresentaram melhor desempenho com via alternativa de alimentação; um estudo com método com sucção; e outro que comparou métodos sem sucção apresentou melhores resultados com colher.

Conclusão: Os estudos mostram que antes da correção cirúrgica a utilização de métodos alter-nativos pode apresentar benefícios. No pós-operatório de queiloplastia, os métodos com sucção são mais benéficos. Porém, no período pós-operatório de palatoplastia há divergências quanto aos métodos mais indicados.

Palavras-chave:
Fenda labial; Fissura palatina; Métodos de alimentação; Aleitamento materno; Transtornos de deglutição

Introduction: Feeding difficulties in children with cleft lip and palate (CLP) are frequent and appear at birth due to impairment of sucking and swallowing functions. The use of appropriate feeding methods for the different types of cleft and the period of the child’s life is of utmost importance for their full development.

Objective: Review studies comparing feeding methods for children with CLP, pre- and postoperatively.

Methods: The search covered the period between January 1990 and August 2015 in the PubMed, LILACS, SciELO, and Google Scholar databases using the terms: cleft lip or cleft palate and feeding methods or breastfeeding or swallowing disorders and their synonyms. This systematic review was recorded in PROSPERO under number CRD42014015011. Publications that compared feeding methods and published in Portuguese, English, and Spanish were included in the review. Studies with associated syndromes, orthopedic methods, or comparing surgical techniques were not included.

Results: The three reviewed studies on the period prior to surgical repair showed better feeding performance with three different methods: squeezable bottle, syringe, and paladai bottle. Only one study addressed the postoperative period of cleft lip and/or palate repair, with positive results for the feeding method with suction. Likewise, the post-lip repair studies showed better results with suction methods. After palatoplasty, two studies showed better performance with alternative feeding routes, one study with suction method, and one study that compared methods with no suction showed better results with spoon.

Conclusion: The studies show that prior to surgical repair, the use of alternative methods can be beneficial. In the postoperative period following lip repair, methods with suction are more beneficial. However, in the postoperative period of palatoplasty, there are divergences of opinion regarding the most appropriate feeding methods.

Keywords:
Cleft lip; Cleft palate; Feeding methods; Breastfeeding; Swallowing disorders
Texto Completo

Introdução

Fissuras labiopalatinas (FLP) são malformações congênitas que podem acometer o lábio, o palato ou ambos,1 e são decorrentes de erros na fusão dos processos faciais embrionários2 por alterações no desenvolvimento normal do palato primário e/ou secundário.3

Desde o diagnóstico da fissura, a alimentação é uma das principais preocupações dos pais.4 As dificuldades de alimentação surgem logo ao nascimento, devido ao prejuízo no mecanismo de sucção e deglutição decorrente da alteração das estruturas anatômicas. Nesta fase inicial, a prioridade é a nutrição do lactente e o acompanhamento de seu ganho de peso.5

O tratamento inicial para FLP é cirúrgico. É preconizada a cirurgia corretiva de lábio até os 3 meses de vida, e de palato até os 9 ou 12 meses, pois a cronologia dos procedimentos admite certa variação de centro para centro especializado.6,7 A adequada nutrição é também fundamental para que a criança esteja apta a realizar a cirurgia corretiva da fissura; ou seja, com ganho de peso estável, sem alterações de saúde e em condições para receber anestésicos.8

Após a correção cirúrgica, estima-se que a criança seja capaz de se alimentar com menor dificuldade, pois suas estruturas orais estarão recompostas. No entanto, no pós-operatório imediato, a conduta quanto à alimentação ainda é variada, de acordo com os protocolos adotados pelos diferentes serviços e de acordo com o tipo de fissura.

Técnicas de alimentação pós-queiloplastia (cirurgia reparadora de lábio) podem variar consideravelmente. As recomendações geralmente variam de retorno imediato ao seio materno (SM)/mamadeira à abstinência de sucção por até seis semanas.9 Após a palatoplastia (cirurgia reparadora de palato), esta divergência é ainda maior, e há centros que adotam protocolos nos quais mamadeiras e bicos são proibidos por um período de 30 dias.10

Esta revisão sistemática teve como objetivo, à luz da literatura, descrever estudos que comparam métodos de alimentação para crianças com os diferentes tipos de fissura no período que antecede a correção cirúrgica e no período pós -operatório, visando instrumentalizar pais e profissionais para a muitas vezes difícil tarefa de alimentar as crianças com FLP.

Método

Estratégia de pesquisa

A busca na literatura publicada compreendeu o período entre 1 de janeiro de 1990 a 31 de agosto de 2015. A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, LILACS, Scielo e Google Acadêmicos, por incluírem a maior parte das publicações na área. Esta revisão sistemática é realizada de acordo com PRISMA Statement,11,12 e registrada no PROSPERO (http:// www.crd.york.ac.uk/PROSPERO/) sob o número CRD42014015011.

A estratégia de busca consistiu nos seguintes termos (Mesh): (“Cleft Lip”[Mesh] OR “Cleft Palate”[Mesh] OR “Ectodermal Dysplasia” OR “Cleft Lips” OR “Lip, Cleft” OR “Lips, Cleft” OR Harelip OR Harelips OR “Cleft Palates” OR “Palate, Cleft” OR “Palates, Cleft” OR “Cleft Palate, Isolated”) AND (“Feeding Methods”[Mesh] OR “Feeding Method” OR “Method, Feeding” OR “Methods, Feeding” OR “Breast Feeding”[Mesh] OR “Feeding, Breast” OR Breastfeeding OR “Breast Feeding, Exclusive” OR “Exclusive Breast Feeding” OR “Breastfeeding, Exclusive” OR “Exclusive Breastfeeding” OR “Deglutition Disorders”[Mesh] OR “Deglutition Disorder” OR “Disorders, Deglutition” OR “Swallowing Disorders” OR “Swallowing Disorder” OR “Dysphagia” OR “Oropharyngeal Dysphagia” OR “Dysphagia, Oropharyngeal”).

Critérios de seleção

Foram incluídos estudos com comparação entre métodos de alimentação para crianças com fissura de lábio e/ou palato e com publicação nos idiomas inglês, português ou espanhol, e com nível de evidência de 1b a 4, de acordo com os critérios propostos pela American Speech-Language-Hearing Association (ASHA)13 (tabela 1). Pesquisas com síndromes associadas à presença de FLP foram excluídas, assim como estudos que abordavam o uso de métodos ortopédicos ou referentes a técnicas cirúrgicas específicas. Uma busca manual foi realizada nas referências dos artigos selecionados para identificar outros possíveis estudos para integrar a revisão.

Análise dos dados

Dois pesquisadores (GAD e RBR) revisaram, de forma independente, os títulos e resumos de todos os artigos selecionados para avaliar se os estudos seriam elegíveis para inclusão na revisão. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra para confirmar a elegibilidade e para extração dos dados. Discordâncias foram resolvidas por discussão entre os dois investigadores. Quando necessário, um terceiro revisor (MCAFC) foi consultado. Estudos cujos resumos não forneceram informações suficientes, o texto integral do artigo foi elencado para a avaliação.

As seguintes informações foram extraídas de cada estudo: ano de publicação, nome do primeiro autor, tipo de estudo, população, métodos de alimentação comparados, número de indivíduos por grupo e parâmetros avaliados.

Resultados e discussão

A estratégia de busca realizada para seleção dos estudos incluídos nesta revisão é apresentada na figura 1. Na busca inicial, 382 artigos foram identificados como potencialmente elegíveis. Após análise do título e resumo, 348 artigos foram excluídos, pois não se detinham a comparar métodos de alimentação para crianças com FLP. Foi realizada a leitura completa dos 34 estudos restantes e, destes, 11 foram selecionados para integrar a revisão sistemática (sete com nível de evidência 1b, três 3b e um 413).

Figura 1. Estratégia de busca.

A faixa etária das populações estudadas esteve entre 0 e 18 meses no início dos estudos; no entanto, o tempo de acompanhamento foi variável. O tamanho amostral dos grupos estudados variou entre 18 e 96 sujeitos/observações por grupo.

Os estudos abordaram 16 diferentes situações de métodos ou associações de métodos de alimentação, e as principais características daqueles incluídos foram: via alternativa de alimentação – sonda nasogástrica; métodos de alimentação com necessidade de sucção – mamadeira e SM; métodos de alimentação sem necessidade de sucção – copo, colher, seringa e paladai (espécie de copo raso com bico utilizado popularmente na Índia).

Os parâmetros avaliados pelos estudos foram: aceitação e volume de alimento ingerido; desempenho na alimentação; tempo e intercorrências durante a alimentação; crescimento e ganho nutricional; exames de análises clínicas; dor; necessidade de sedação e/ou analgesia; deiscência, presença de fístula e outras complicações na ferida operatória; tempo de internação e custos hospitalares.

A tabela 2 apresenta as características de dois estudos que compararam métodos de alimentação no período que antecede a correção cirúrgica e um que integrou o período pré e pós-cirúrgico.

Com relação ao período que antecede a correção cirúrgica de lábio e/ou palato, foram comparados dois métodos alimentares: mamadeira rígida e mamadeira compressível. A pesquisa avaliou dados antropométricos (peso, comprimento e circunferência craniana) e confiabilidade do método de alimentação (avaliada pela necessidade de ajustes no bico ou mudança de método de alimentação pelo profissional da saúde). Os resultados mostraram não haver diferença entre as variáveis antropométricas, embora se tenha notado uma tendência no ganho de peso e circunferência craniana no grupo alimentado com mamadeira compressível, além de as crianças deste grupo necessitarem menor número de modificações no bico e apresentarem menor necessidade de su-porte e intervenção dos profissionais.14

A diferença entre o método assistido (mamadeira compressível) e a mamadeira rígida pode estar associada ao maior volume de ingestão de alimento e/ou ao menor gasto energético para extrair o alimento da mamadeira compressível, visto que, com o método assistido, é necessário menor esforço. No entanto, outro estudo avaliou crianças com fissura de palato comparando alimentação em mamadeira rígida e em mamadeira compressível, associada ou não ao uso de obturador, não demonstrando diferenças significativas entre os métodos com relação à ingestão calórica e ao crescimento.15

Apesar da alimentação em SM ser muito incentivada, sobretudo para crianças com FLP, muitas delas com fissura envolvendo o palato não apresenta bom desempenho na alimentação em SM e/ou mamadeira antes da correção cirúrgica. Portanto, Ize-Iyamu et al. compararam dois métodos alternativos: seringa vs. copo e colher. As crianças foram acompanhadas semanalmente, visando identificar o tipo e as dificuldades de alimentação, observar a alimentação, avaliar a eficiência da alimentação com relação ao escape e refluxo/ regurgitação de alimento e aferir o ganho de peso entre 0 e 14 semanas.

Os resultados evidenciaram que o grupo alimentado com seringa apresentou tempo de alimentação menor na avaliação de seis semanas; 100% dos bebês do grupo copo e colher exibiram escape e regurgitação, em comparação com 79% de escape e 74% de regurgitação com seringa em seis semanas. Além disso, as crianças alimentadas com uma combinação de leite materno e fórmula utilizando a seringa registraram um aumento significativo do ganho de peso entre a 10ª e a 14ª semana. Com isso, os autores relataram que a alimentação com seringa demonstrou ser um método prático, de fácil manejo, com maior volume administrado, menor tempo gasto na alimentação e que apresenta menos escape e regurgitação e ganho de peso significativo.16

Outro método alternativo, porém menos conhecido, é estudado por Ravi et al., que compara o impacto da alimentação com paladai, mamadeira e colher no padrão de ganho de peso de crianças de dois meses a um ano de idade. Foram observados melhores resultados no grupo alimentado com paladai para peso médio, velocidade média de ganho de peso e número de crianças bem nutridas até a cirurgia corretora do palato; no entanto, após a cirurgia e o início da alimentação complementar, o estado nutricional dos três grupos melhoraram.17

Apesar de o uso do paladai não ser comum em todo o mundo, estudos avaliando métodos menos difundidos são importantes, pois estes utensílios podem, isoladamente ou em conjunto com outros métodos, facilitar a ingestão de alimento e promover um gasto calórico menor para algumas crianças com fissura, contribuindo assim para o maior ganho de peso.18

A tabela 3 apresenta a caracterização de quatro estudos que compararam métodos de alimentação no período pós -operatório de cirurgia corretora de lábio e/ou palato, lábio isolado ou lábio associado ou não a palato.

A utilização de métodos com sucção no período pós-operatório é uma questão controversa. Cohen et al. compararam o uso de sonda ou seringa vs. SM ou mamadeira após a cirurgia reparadora de lábio e/ou palato. No estudo, foram avaliados: deiscência da ferida, presença de fístula oronasal, ganho de peso e estado nutricional. Os resultados referentes à deiscência da ferida e à presença de fístula foram semelhantes em ambos os grupos. Porém, na avaliação antropométrica e nutricional foi observado melhor ganho de peso e estado nutricional no grupo mamadeira e SM.19

No entanto, este estudo não realizou inferência estatística com relação a estas variáveis, pois foram avaliadas de maneira subjetiva pela impressão geral dos observadores e equipe de enfermagem. Devido a questões metodológicas e éticas, estudos desta natureza geralmente são impossibilitados de serem cegados, e as observações da equipe foram potencialmente tendenciosas.

Quando comparada a alimentação em SM e alimentação com colher quanto ao peso e deiscência e aparência da cicatriz operatória após queiloplastia, os resultados mostraram que as crianças alimentadas em SM apresentaram ganho de peso significativamente maior e tempo de internação hospitalar ligeiramente menor. As crianças alimentadas com colher demonstraram-se mais irritadas, necessitaram de mais drogas analgésicas ou sedação e maiores despesas hospitalares. Além disso, houve um caso de deiscência da ferida operatória e um caso de hipertrofia da cicatriz no grupo alimentado em colher.20

Estudo semelhante avaliando alimentação com mamadeira e colher vs. colher após queiloplastia apresentou resultados bastante semelhantes entre os grupos, porém, houve uma melhor aceitação da alimentação no grupo que utilizou ma-madeira e colher. Além disso, os lactentes alimentados somente em colher apresentaram desconforto e irritabilidade devido à mudança brusca no método de alimentação que, antes da cirurgia, era realizada com mamadeira.21

Comparando a alimentação em SM/mamadeira vs. colher/ seringa com relação a deiscência da ferida e satisfação dos pais no pós-operatório de queiloplastia, observou-se resultados semelhantes quanto à deiscência da ferida; no entanto, os pais apresentaram-se mais satisfeitos e relaxados alimentando seus filhos em SM/mamadeira.22

Estas pesquisas com resultados favoráveis à alimentação por método com sucção corroboram outro estudo que observou que os lactentes submetidos a queiloplastia alimentados em mamadeira não apresentam prejuízos à cirurgia.9 Os resultados desfavoráveis para os métodos sem sucção (colher e seringa) podem estar associados à privação da sucção aos lactentes, o que os torna mais irritados e consequentemente mais agitados e chorosos, o que prejudica a recuperação e a ingestão de alimento, além de o movimento durante o choro poder prejudicar a ferida operatória.

A sucção é fundamental aos bebês pois além de uma fonte de alimentação constitui fator reconfortante23 e favorece a ligação entre mãe e filho, bem como o desenvolvimento de habilidades motoras orais.24 Dessa maneira, a alimentação sem restrições pós-queiloplastia vem tornando-se o padrão de cuidado,25 porque tem mostrado melhores resultados, bem como menores taxas de complicações.20-22

Por outro lado, entre as cirurgias primárias, a palatoplastia é a mais invasiva e está associada à maior dificuldade em aceitar alimentação por via oral adequadamente, o que pode interferir no ganho ponderal da criança.19,26 Além disso, tradicionalmente sugere-se que a mamadeira não seja utilizada logo após a palatoplastia, pois a pressão negativa indevida sobre a linha de sutura pode prejudicar os resultados.27

A tabela 4 caracteriza quatro estudos que compararam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de palato associada ou não a lábio.

Dois estudos comparam a alimentação por via alternativa de alimentação ou via oral/método com sucção nas primeiras 24 horas de pós-operatório de palatoplastia. O primeiro estudo analisou a alimentação, a analgesia, bem como o tempo de internação hospitalar de lactentes alimentados com mamadeira e sonda nasogástrica. O estudo mostrou que os pacientes alimentados por sonda foram mais estáveis, necessitaram de menor analgesia e receberam alta hospitalar mais cedo. Os pais destes bebês estavam mais relaxados, pois sabiam que seu filho era alimentado e tinha analgesia adequada, e os enfermeiros acreditavam serem capazes de prestar melhor qualidade de atendimento. Por outro lado, o grupo alimentado em mamadeira apresentou maior rejeição da alimentação, dor, preocupação da equipe, dificuldade em ofertar medicação e alimentação mais frequente e prolongada.28

O segundo estudo avaliou o uso de morfina, número de episódios dolorosos, volume de fluidos intravenosos e alimentação enteral administrados. Os resultados obtidos mostraram que tanto o número de episódios dolorosos quanto a utilização de morfina foram semelhantes no grupo sonda e no grupo via oral; no entanto, o volume de alimentação recebida foi maior no grupo sonda e houve maior necessidade de fluido intravenoso no grupo via oral.29

Ambos os estudos de Kent et al. e de Hughes et al. avaliam, nas primeiras 24 horas após a palatoplastia, parâmetros de dor baseados no sistema de pontuação Face, Legs, Activity, Cry and Consolability – FLACC, aferido por meio da observação da equipe de enfermagem.30 Uma das possíveis limitações de ambos os estudos foi a falta de cegamento. Para corrigir isto, seria necessária a utilização de via alternativa de alimentação em todas as crianças, para manter os avaliadores cegos ao método de alimentação; no entanto, as sondas podem danificar a reparação do palato e causar dor, e isso poderia ser mais um fator para confundir os resultados.29

Por outro lado, resultados diferentes foram obtidos quando comparadas crianças alimentadas em mamadeira vs. colher, copo e seringa durante seis dias pós-palatoplastia. Os parâmetros analisados foram: complicações (hemorragia, problemas respiratórios, deiscência da ferida e fístula oronasal), frequência do uso de sedação, ingestão oral e ganho de peso. A taxa de complicações gerais, o uso de sedação e o ganho de peso foram semelhantes em ambos os grupos e, contudo, no sexto dia pós-operatório, a ingestão oral foi maior no grupo mamadeira. Segundo os autores, estes resultados sugerem que a mamadeira pode ser introduzida ao longo do período pós-operatório imediato, pois o método de alimentação não afetou o curso pós-operatório imediato de palatoplastia.31

Os resultados do estudo de Kim et al. com relação à cirurgia se mostram distintos dos estudos de Kent et al. e os de Hughes et al. A diferença pode ser explicada pelo fato de que o estudo de Kim et al. possuir uma amostra de pacientes relativamente homogênea quanto à extensão da fenda, usar técnica padronizada para o fechamento do palato e a cirurgia ser realizada por um único cirurgião, uma vez que a ocorrência de fístulas, por exemplo, parece estar relacionada com a gravi-dade da fissura32,33 e, variavelmente, com a técnica de fechamento do palato.32 Além disso, os estudos de Kent et al. e Hughes et al. avaliam apenas as primeiras 24 horas, enquanto o estudo de Kim et al. acompanha os primeiros seis dias pós -operatórios. Portanto, podemos supor que a sonda seria um método mais efetivo durante as primeiras horas, e a mama-deira poderia ser incluída na alimentação nos dias seguintes.

Outro fator importante a ser abordado são os protocolos adotados em diferentes hospitais, pois alguns locais proíbem a utilização de mamadeiras e bicos por certo período após a palatoplastia. Portanto, o estudo de Trettene et al. compara a alimentação com copo e colher no pós-operatório imediato de palatoplastia. Neste estudo, os cuidadores avaliaram 44 binômios por quatro horários consecutivos, intercalando o método de alimentação. Foram analisados posicionamento, tosse, engasgo, escape de alimento pela comissura labial, tempo de alimentação, volume aceito e segurança referida pelo cuidador.

Os resultados demonstram que a técnica que utiliza a colher apresentou escape de alimento pela comissura labial menos frequente e maior volume aceito, e as crianças submetidas a palatoplastia total apresentaram episódios de tosse menos frequentes durante a oferta da alimentação.10 Outro fator positivo com relação à utilização da colher é a maior estimulação oral e o favorecimento da contração muscular e estimulação das terminações nervosas em comparação ao copo.34,35

Apesar de haver pesquisas comparando métodos de alimentação semelhantes, não foi possível realizar meta-análise dos resultados apresentados nesta revisão sistemática. Os estudos apresentaram metodologias bastante distintas e, principalmente, parâmetros avaliados muito heterogêneos, o que impede a equivalência dos estudos, característica esta fundamental à viabilidade da meta-análise.

Conclusão

A alimentação a partir de métodos com sucção é possível e indicada para crianças com FLP antes da correção cirúrgica, sobretudo aquelas com fissuras pré-forame isoladas, pois são os casos que apresentam maior chance de sucesso. No entanto, de acordo com os resultados obtidos nos estudos, a utilização de métodos alternativos, como mamadeira compressível, seringa e paladai, pode ser benéfica em certos casos.

No período pós-operatório de queiloplastia os métodos com sucção parecem ser mais benéficos e não apresentam maiores complicações às cirurgias. No entanto, no pós-operatório de palatoplastia há divergências sobre o método de alimentação mais indicado, variando entre suspensão total de via oral por pelo menos 24 horas, privação de método com sucção e alimentação com método com sucção irrestrita. Mais estudos sobre métodos de alimentação, especialmente no período pós-palatoplastia, são necessários.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


Recebido em 6 de julho de 2015;

aceito em 8 de outubro de 2015

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.020

☆ Como citar este artigo: Duarte GA, Ramos RB, Cardoso MC. Feeding methods for children with cleft lip and/or palate: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:602-9.

* Autor para correspondência.

E-mail:duarte.giesse@gmail.com (G.A. Duarte).

Bibliografia
[1]
Avaliações fonoaudiológicas clínica e instrumental em indivíduos com fissura labiopalatina. Em: Jesus M, Di Ninno C, editores. Fissura labiopalatina. São Paulo: Roca; 2009. p. 57-75.
[2]
Crescimento craniofacial. Em: Altmann E, editor. Fissuras labiopalatinas. Barueri: Pró-Fono; 2005. p. 31-8.
[3]
Embriologia. Em: Altmann E, editor. Fissuras labiopalatinas. Barueri: Pró-Fono; 2005. p. 3-23.
[4]
Nutrition of children with cleft lip and cleft palate, a bibliographic study. Rev Lat Am Enfermagem. 2000;8:99-105.
[5]
Neonatal care of infants with cleft lip and/or palate: feeding orientation and evolution of weight gain in a nonspecialized Brazilian hospital. Cleft Palate Craniofac J. 2007;44:329-34.
[6]
Cirurgias primárias de lábio e palato. Em: Trindade IEK, Silva Filho OG, editores. Fissuras labiopalatinas: uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Santos; 2007. p. 73-85.
[7]
Fissuras labiais e palatinas. Em: Ferreira LM, editor. Manual de cirurgia plástica. São Paulo: Atheneu; 1995. p.165-73.
[8]
Cleft lip and palate: from origin to treatment. New York: Oxford University Press; 2002.
[9]
Postoperative feeding strategies for infants with cleft lip. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1997;42:169-78.
[10]
Feeding children in the immediate perioperative period after palatoplasty: a comparison between techniques using a cup and a spoon. Rev Esc Enferm USP. 2013;47:1298-304.
[11]
The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate healthcare interventions: explanation and elaboration. BMJ. 2009;339:b2700.
[12]
Meta-analysis of observational studies in epidemiology: a proposal for reporting. Meta-analysis of Observational Studies in Epidemiology (MOOSE) group. JAMA. 2000;283:2008-12.
[13]
The state of the evidence: ASHA develops levels of evidence for communication sciences and disorders. March 2007 [acessado em 15 de setembro de 2015]. Disponível em: http://www.asha.org.
[14]
Assisted feeding is more reliable for infants with clefts – a randomized trial. Cleft Palate Craniofac J. 1999;36:262-8.
[15]
Effectiveness of two feeding methods in improving energy intake and growth of infants with cleft palate: a randomized study. J Am Diet Assoc. 1994;94:732-8.
[16]
Feeding intervention in cleft lip and palate babies: a practical approach to feeding efficiency and weight gain. Int J Oral Maxillofac Surg. 2011;40:916-9.
[17]
Weight gain pattern of infants with orofacial cleft on three types of feeding techniques. Indian J Pediatr. 2015;82:581-5.
[18]
Aleitamento materno exclusivo em bebês com fissura de lábio e/ou palato. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:417-21.
[19]
Immediate unrestricted feeding of infants following cleft lip and palate repair. J Craniofac Surg. 1992;3:30-2.
[20]
Breast feeding or spoon feeding after cleft lip repair: a prospective, randomised study. Br J Plast Surg. 1996;49:24-6.
[21]
Immediate postoperative evaluation of the surgical wound and nutritional evolution after cheiloplasty. Cleft Palate Craniofac J. 2005;42:434-8.
[22]
Comparison of wound dehiscence and parent’s satisfaction between spoon/syringe feeding and breast/bottle feeding in patients with cleft lip repair. J Med Assoc Thai. 2013;96 Suppl. 4:S61-70.
[23]
Breastfeeding a baby with cleft lip or cleft palate. Em: International LLL, editor. Schaumburg, IL, 2004.
[24]
Cleft palate and craniofacial anomalies: effects on speech and resonance. New York: Cengage Learning; 2008.
[25]
Unilateral cheiloplasty. Em: Mathes SJ, editor. Plastic surgery, vol. 4. Philadelphia, PA: Saunders; 2006. p. 165.
[26]
Atendimento de enfermagem pré e pós-operatório. Em: Watson ACH, Sell DA, Grunwell P, editores. Tratamento de fissura labial e fenda palatina. São Paulo: Santos; 2005. p. 184-90.
[27]
Cleft palate. Em: McCarthy JG, editor. Plastic surgery, vol. 4. Philadelphia, PA: Saunders; 1990. p. 2723.
[28]
Nasogastric feeding for infants who have undergone palatoplasty for a cleft palate. Paediatr Nurs. 2009;21:24-9.
[29]
Does nasogastric feeding reduce distress after cleft palate repair in infants? Nurs Child Young People. 2013;25:26-30.
[30]
Pain assessment in infants and young children: the FLACC scale. Am J Nurs. 2002;102:55-8.
[31]
Effect of unrestricted bottle-feeding on early postoperative course after cleft palate repair. J Craniofac Surg. 2009;20 Suppl. 2:1886-8.
[32]
Cleft palate fistulas: a multivariate statistical analysis of prevalence, etiology, and surgical management. Plast Reconstr Surg. 1991;87:1041-7.
[33]
Incidence of oronasal fistulae and velopharyngeal insufficiency after cleft palate repair: an audit of 211 children born between 1990 and 2004. Cleft Palate Craniofac J. 2008;45:172-8.
[34]
Tratamento Precoce. Em: Altmann E, editor. Fissuras lábiopalatinas. 4th ed. Carapicuiba: Pró-Fono; 1997. p. 291-324.
[35]
O bebê com fissura labiopalatina: intervenção interdisciplinar. Em: Jesus MSV, Di Ninno CQMS, editores. Fissura labiopalatina: fundamentos para a prática fonoaudiológica. São Paulo: Roca; 2009. p. 10-28.
Idiomas
Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Announcement Nota importante
Articles submitted as of May 1, 2022, which are accepted for publication will be subject to a fee (Article Publishing Charge, APC) payment by the author or research funder to cover the costs associated with publication. By submitting the manuscript to this journal, the authors agree to these terms. All manuscripts must be submitted in English.. Os artigos submetidos a partir de 1º de maio de 2022, que forem aceitos para publicação estarão sujeitos a uma taxa (Article Publishing Charge, APC) a ser paga pelo autor para cobrir os custos associados à publicação. Ao submeterem o manuscrito a esta revista, os autores concordam com esses termos. Todos os manuscritos devem ser submetidos em inglês.