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Vol. 82. Núm. 5.
Páginas 610-613 (Setembro 2016)
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Fibrodentinossarcoma ameloblástico: um raro tumor odontogênico maligno
Ameloblastic fibrodentinosarcoma: a rare malignant odontogenic tumor
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Leorik Pereira da Silvaa, Jefferson da Rocha Tenórioa, Bartolomeu Cavalcanti de Melo Júniob, José Paulo da Silva Filhoc, George João Ferreira do Nascimentod, Ana Paula Veras Sobrale
a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Departamento de Odontologia, Patologia Oral, Natal, RN, Brasil
b Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Recife, PE, Brasil
c Instituto São Leopoldo Mandic, Centro de Pesquisas, SLMandic, São Paulo, SP, Brasil
d Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Faculdade de Odontologia, Centro Acadêmico de Ciências Biológicas, Patologia Oral, Patos, PB, Brasil
e Universidade de Pernambuco (UPE), Faculdade de Odontologia, Patologia Oral, Camaragibe, PE, Brasil
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Introdução

O fibrodentinossarcoma ameloblástico (FDSA) é um tumor odontogênico raro, histologicamente caracterizado por um componente ectomesenquimatoso sarcomatoso associado a quantidades variáveis de epitélio ameloblastomatoso benigno e à presença de dentina displásica.1 Na literatura médica, apenas 14 casos foram descritos. A etiologia do FDSA ainda é pouco conhecida, contudo, cerca de um terço dos FDSAs parece representar transformação maligna de um fibrodentinoma ameloblástico preexistente.1,2

FDSA tem predileção pela mandíbula e é um tumor mais comumente observado em pacientes homens por volta da terceira década de vida. Com frequência os pacientes se apresentam com inchaço doloroso, e FDSA é radiograficamente caracterizado por uma lesão radiolucente multilocular com margens indistintas, contendo ou não focos radiopacos. As metástases são raras, mas já foram relatadas recidivas. O tratamento de escolha é a ampla ressecção cirúrgica.3

Diante do exposto, nosso objetivo foi relatar um caso de FDSA mandibular agressivo, com ênfase nos aspectos clínicos, radiológicos e histopatológicos.

Relato de caso

Homem, 19 anos, encaminhado em 2014 ao serviço público para consulta de patologia oral. A inspeção extraoral revelou inchaço de grandes proporções com forte assimetria facial no lado esquerdo da face (fig. 1). O exame intraoral revelou extensa massa ulcerada e necrosada desde o dente 35, prolongando-se até o corpo e o ramo da mandíbula, com ausência clínica dos dentes 36, 36 e 38. Apesar da presença de ulceração, o paciente apenas informava dor à palpação. Foi observada limitação na abertura da boca e não havia evidência clínica de linfadenopatia regional.

Figura 1. Achados clínicos. Vista frontal do paciente exibindo notável assimetria facial.

O exame radiográfico revelou área de radiolucência pouco definida medindo cerca de 7 × 4,5 cm, em associação com molar (36) impactado, com ausência de margens esclerosadas e em associação com presença de numerosas manchas (flecks) radiopacas. Também foram observados expansão e adelgaçamento do osso cortical (fig. 2). Os principais diagnósticos diferenciais considerados foram: tumor odontogênico epitelial calcificante, cisto odontogênico calcificante e fibrodontoma ameloblástico.

Figura 2. Radiografia panorâmica revelando lesão radiolucente multilocular extensa com focos radiopacos na mandíbula esquerda, em associação com molar impactado (36).

Foi realizada uma biópsia incisional, e o material enviado para exame histopatológico. O exame microscópico das secções com coloração de rotina pela hematoxilina e eosina revelou proliferação neoplásica bifásica de tecido epitelial e mesenquimatoso odontogênico. O componente epitelial odontogênico consistia em numerosos cordões e ilhotas delimitadas por células colunares a cuboides ameloblastoides com inversão da polaridade nuclear. Na parte central dessas estruturas, as células neoplásicas tinham aspecto frouxo, lembrando o retículo estrelado do órgão do esmalte. O componente mesenquimatoso consistia em tecido conjuntivo primitivo com pleomorfismo significativo, caracterizado pela variação no tamanho e na forma das células, e também por hipercromatismo nuclear, alteração no índice núcleo/cito-plasma e figuras mitóticas dispersas (fig. 3). Foram identificadas áreas de necrose. Em algumas áreas, evidenciava-se hialinização justaepitelial. Também foram observadas áreas focais de material do tipo dentinoide com túbulos (fig. 4). Não foi possível identificar formação de esmalte, mesmo com a análise de várias secções. Também estavam presentes áreas de fibroma ameloblástico. Em vista disso, os achados radio-gráficos e histopatológicos apoiaram o diagnóstico de fibrodentinossarcoma ameloblástico.

Figura 3. Achados histopatológicos. Padrão bifásico com epitélio odontogênico benigno circundado por componente sarcomatoso com intenso pleomorfismo celular e nuclear e figuras mitóticas (H&E, ×200).

Figura 4. Aspecto histopatológico, com deposição de material de tipo dentinoide. (H&E, ×200).

O oncologista e o cirurgião optaram pelo tratamento quimioterápico antes do tratamento cirúrgico. Inicialmente, foram instituídos três ciclos de uma combinação farmacológica compreendendo: vincristina, ciclofosfamida e cloxorrubicina, sem resposta satisfatória ao tratamento inicial; no dia marcado para a cirurgia, o paciente não compareceu, retornando apenas depois de transcorridas quatro semanas. Diante disso, foi instituída nova combinação de medicamentos em três ciclos, consistindo em ifosfamida, carboplatina e etoposido, para redução do tumor antes da cirurgia.

Mas, após dois ciclos de quimioterapia com esses novos medicamentos, ocorreu aumento significativo do tumor, com invasão da pele, limitação na abertura da boca e extrema deformidade facial (fig. 5). Depois da inesperada ocorrência dessa agressiva evolução tumoral, os cirurgiões realizaram hemimandibulectomia radical esquerda com miotomia das inserções musculares periféricas em associação com ressecção da pele afetada. A margem óssea de 3 cm antes da sínfise mandibular e os músculos periféricos removidos com margem de 2 cm estavam livres do tumor. Havia envolvimento do nervo alveolar inferior esquerdo pelo tumor, mas não havia invasão de vasos sanguíneos ou linfáticos. Foi efetuada dissecção cervical supraomoioidea ipsilateral de cerca de 18 linfonodos, para os quais não foi demonstrada presença de células tumorais. No pós-operatório, o paciente recebeu radioterapia (6.000 Gy).

Figura 5. Vista craniocaudal do paciente exibindo aumento significativo na massa tumoral depois de oito sessões de quimioterapia.

O paciente está sendo reavaliado a intervalos de 3 meses com radiografias e TC da cabeça e pescoço. Não houve evidência de metástase regional ou distante, e o seguimento clínico vem ocorrendo há um ano e meio.

Discussão

Os tumores odontogênicos (TOs) consistem em um grupo de lesões raras e heterogêneas, que representam menos de 4% de todos os espécimes das regiões oral e maxilofacial. As neoplasias odontogênicas malignas são ainda mais raras e constituem um pequeno percentual dos TOs. Em diversas séries publicadas em todo o mundo, a frequência varia entre 0 e 6,1%.4 Ainda não se conhece a patogênese dos TOs malignos, embora alguns autores tenham sugerido alterações no ciclo celular, expressão de proto-oncogenes e mutações nos genes de supressão tumoral na patogênese dessas lesões.4

A análise microscópica demonstra que o componente epitelial mole do FDSA é similar ao observado no fibrossarcoma ameloblástico, embora seja menos frequente.5,6 O diagnóstico definitivo de FDSA é estabelecido com base na avaliação histopatológica do componente mesenquimatoso, que normalmente demonstra características de malignidade, como atipia celular, pleomorfismo e figuras mitóticas. Além disso, nos casos em que se observa um material semelhante ao dentinoide, o diagnóstico final deve ser de FDSA.7,8

Apesar das diferenças morfológicas, a OMS diferencia sarcoma odontogênico desprovido de tecido dental duro (fibrossarcoma ameloblástico) dos tumores que exibem evidência focal de dentinoide (fibrodentinossarcoma ameloblástico) ou dentinoide + enameloide (fibro-odontossarcoma ameloblástico). Entretanto, o painel da OMS reconhece que a presença ou ausência de tecido dental duro em um sarcoma odontogênico não tem significância prognóstica. A literatura relata que, em geral, o comportamento biológico do FDSA é similar ao de outros sarcomas odontogênicos, isto é, alta agressivi-dade local e baixo potencial para envolvimento dos linfonodos regionais ou para metástase distante.6-8

Nas radiografias, FDSA pode assumir aspecto uni ou multi-locular, com contornos mal circunscritos em associação com o dente e uma ou mais opacidades densas. O caso em tela tinha aspecto multilocular, em associação com o primeiro molar inferior esquerdo (36) e opacidades levemente densas. Esses achados radiográficos e a localização do tumor são altamente sugestivos de possibilidade de cistos odontogênicos e de tumoração.3,8 No diagnóstico diferencial clínico-radio-gráfico, devemos considerar tumor odontogênico epitelial calcificante, cisto odontogênico calcificante e fibrodontoma ameloblástico. Mas casos com contorno irregular e expansão e perfuração das corticais devem ser interpretados com cautela, e devemos suspeitar de possível tumor odontogênico maligno.

Em 62 casos revisados por Bregni et al.,7 a média de idade por ocasião do diagnóstico de FDSA era de 27,3 anos em uma faixa etária bastante ampla (3-83 anos). De acordo com esses 62 casos publicados, o tumor é mais comum em homens do que em mulheres (59,7% vs. 37,1%). Ademais, sarcomas odontogênicos são mais frequentes na mandíbula (79% dos casos) vs. maxila (21%), e a maioria dos casos se localizava na região posterior da mandíbula.9

Os sarcomas odontogênicos são descritos como lesões altamente recorrentes. Até a presente data, 25 (35%) dos 71 casos relatados tiveram pelo menos uma recidiva durante o período de seguimento dos pacientes; e 14 pacientes (19,7%) evoluíram para a morte em decorrência da doença em um intervalo de 3 meses até 19 anos. Os achados clínicos variam entre os casos relatados, mas normalmente ocorre dor e inchaço. Apesar do relato de envolvimento dos linfonodos regionais ou de metástases distantes em alguns casos, alguns autores consideram FDSA como um sarcoma de baixo grau.2-8

Em recente estudo epidemiológico multicêntrico realizado na América Latina, foram relatados 25 casos de tumores odontogênicos malignos; desse total, seis casos eram sarcomas odontogênicos. Todos os casos receberam um diagnóstico de fibrossarcoma ameloblástico e nenhum caso de FDSA foi identificado.10 Já em um estudo retrospectivo realizado no Brasil, foram descritos 240 tumores odontogênicos; contudo, nenhum sarcoma odontogênico foi diagnosticado.11

O tratamento de escolha para FDSA é a excisão cirúrgica radical sem dissecção cervical primária. Alguns investigadores recomendam quimioterapia e/ou radioterapia como procedimentos adjuvantes, mas os benefícios dessas estratégias são incertos.3 Particularmente no presente caso, o paciente não respondeu satisfatoriamente à quimioterapia antes da cirurgia, e o tratamento levou a agravamento clínico e maior agressividade do tumor. Esse fato sublinha o dilema sobre a indicação de quimioterapia adjuvante no tratamento desses sarcomas.

Conclusão

Resumidamente, informamos o primeiro caso de FDSA no Brasil e enfatizamos a importância de se considerar sarcoma odontogênico como diagnóstico diferencial de lesões maxi-lares osteolíticas, apesar de serem lesões extremamente raras. Em vista disso, essas lesões representam um desafio diagnóstico para clínicos e patologistas.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

CAPES e CNPq pelas bolsas de estudo de pós-graduação. Dra. Rachel e equipe do Centro de Oncologia no Hospital Universitário Oswaldo Cruz.


Recebido em 7 de abril de 2015;

aceito em 28 de abril 2015

DOI se refere ao artigo: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.04.009

Como citar este artigo: da Silva LP, da Rocha Tenório J, de Melo Júnior BC, da Silva Filho JP, do Nascimento GJ, Sobral AP. Ameloblastic fibrodentinosarcoma: a rare malignant odontogenic tumor. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;82:610-3.

* Autor para correspondência.

E-mails:leorikpereira@gmail.com, jeffersonrtenorio@gmail.com (L.P. da Silva).

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Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
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