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Vol. 84. Núm. 1.
Páginas 1-2 (Janeiro - Fevereiro 2018)
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Editorial
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Microbioma and probiotics: from gut to Mars
Microbioma e probióticos: do intestino a Marte
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Bruno Acatauassú Paes Barretoa,b
a Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, PA, Brasil
b Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa), Belém, PA, Brasil
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Assim como o ser humano, que há várias décadas busca encontrar substrato biológico em estrelas e outros planetas, para que um dia possa ter uma opção viável para sua sobrevivência, é possível que muitos microrganismos, sobretudo as bactérias e, por que não?, os vírus que as infectam, também tenham feito isso, com sucesso, há vários milênios, e, por isso, hoje, mantêm uma relação mutual de convivência com o ser humano. Assim, temos microrganismos instalados, nos mais diversos sítios do corpo humano, onde, entre esses, o microbioma intestinal tem papel fundamental para o equilíbrio fisiológico e a sobrevivência da nossa espécie.

Que nível de “agressão” é necessário para que esses microrganismos assumam seus novos hospedeiros? Qual o melhor caminho para isso? E, ainda, como fazem para, mesmo que sejam “criaturas estranhas”, ganhar o benefício da tolerância imunológica? Essas são perguntas que por muito tempo ficaram alocadas em uma nuvem de incertezas e que provavelmente passaram pela cabeça de Nissle e Metchnikoff, mas que nas últimas décadas, em parte, têm sido esclarecidas.

Os estudos com animais do tipo germ‐free ratificaram a existência do eixo neuro‐imuno‐endócrino e a importância, ou melhor, a necessidade de se ter uma colonização adequada e precoce da microbiota, para o desenvolvimento morfofisiológico desses respectivos sistemas orgânicos. Mas quão precoce seria essa colonização? Segundo os estudos clássicos e o consenso científico, até alguns anos atrás todo ser humano, ao nascimento, teria seu trato intestinal e o conteúdo desse totalmente estéreis e as primeiras indicações de contaminação bacteriana só seriam reconhecidas algumas horas após o parto. No entanto, com o desenvolvimento de novas técnicas de identificação desses microrganismos, muitos são os estudos que já detectaram a presença de DNA de bactérias, como algumas espécies de lactobacilos, bifidobactérias, enterococos e clostrídios, tanto no útero, na placenta e no líquido amniótico de gestantes quanto no mecônio de recém‐nascidos. Essas descobertas, embora questionáveis ainda, pela necessidade de maior reprodutibilidade dos resultados, abrem uma perspectiva grande para o uso de cepas probióticas no campo das estratégias de prevenção pré e perinatais de doenças como as alergias, as alterações metabólicas e os distúrbios do comportamento.1,2

O racional para essas novas perspectivas de modulação da microbiota intestinal, por meio de cepas probióticas, estaria diretamente relacionado aos processos disbióticos que atingem precocemente as crianças, sobretudo em uma fase de colonização e maturação da microbiota intestinal, quer seja pelos fatores pré e perinatais, como o uso de antibióticos na gravidez, no parto ou no puerpério, a maior prevalência de partos cesarianos ou pelos fatores pós‐natais, como o menor tempo de aleitamento materno e a introdução de dieta qualitativamente inadequada, além do uso indiscriminado de antibióticos na faixa etária pediátrica. Essa situação de disbiose estaria relacionada ao incremento exponencial de doenças não transmissíveis na infância, tanto em curto prazo, ainda lactentes, quanto em longo prazo, quando adolescentes ou adultos.2

Probióticos, por definição, seriam “microrganismos vivos que quando administrados em quantidades adequadas conferem benefício à saúde do hospedeiro”. No entanto, essa é uma definição ampla que não especifica os tipos, as rotas de administração, os alvos e os possíveis efeitos na saúde humana. Por isso, o entendimento sobre a especificidade de cepas é fundamental nesse contexto, ou seja, os efeitos cientificamente comprovados, alcançados por uma espécie bacteriana isoladamente, não podem ser atribuídos a outras espécies ou mesmo a combinações de espécies, assim como a outros gêneros de microrganismos.

Historicamente, desde o início do século XX, quando Ellie Metchnikoff atribuiu a longevidade dos camponeses búlgaros à dieta rica em leite fermentado (com presença marcante de Lactobacillus bulgaricus), uma série de outras espécies de lactobacilos tem mostrado capacidade probiótica, como L. acidophilus, L. rhamnosus, L. reuterii, L. casei, L. fermentum, L. gasseri, L. johnsonii, L. paracasei, L. plantarum. Assim como outras bactérias acidoláticas, como as bifidobactérias B. adolescentis, B. animalis, B. bifidum, B. breve e B. longum. Além de outros microrganismos, como alguns bacilos não acidoláticos (Bacilus clausii e Bacillus coagulans), espécies não patogênicas de Escherichia coli e alguns fungos como o Saccharomyces boulardii. Mais recentemente, novos elementos mutuais da microbiota intestinal mostraram capacidade probiótica e têm sido considerados uma promissora nova geração, entre os quais se destacariam Akkermansia muciniphila, Faecalibacterium prausnitzii, Roseburia spp. e Eubacterium hallii.3

Por conta disso, tem sido exponencial o crescimento dos estudos com probióticos, quer sejam pesquisas na área básica ou estudos clínicos, nas mais diferentes especialidades médicas. Fato esse que tem gerado várias análises subsequentes, por meio de guias, revisões simples, revisões sistemáticas da literatura ou metanálises. Assim, a Organização Mundial de Alergia (WAO), em recente guia, sugere como recomendações: o uso de probióticos na grávida e lactante de risco para atopia; e no lactente com o mesmo perfil de risco para desenvolvimento de alergias, por considerar estratégia benéfica na prevenção do eczema atópico, e, dessa maneira, diminuir a possibilidade de evolução da “marcha alérgica”, com posterior aparecimento de rinite alérgica e/ou asma. Tais recomendações desencadearam críticas acadêmicas, pela ausência de especificidade de cepa nas indicações. No entanto, como pediatra e imunologista clínico, considero tais recomendações corretas e corajosas, pois transparecem uma posição baseada em inúmeros estudos, com elevado nível de evidência científica. Assim, por que não indicar cepas específicas? A resposta é simples: porque ainda não temos estudos suficientes, com mesmo desenho, tipo de cepa e objetivos finais semelhantes. Por exemplo, no contexto otorrinolaringológico, recente revisão sistemática da Cochrane, que envolveu 3.720 participantes (adultos e crianças), mostrou que os probióticos são estatisticamente capazes de reduzir o número de infecções das vias aéreas superiores (IVAS), sua duração, o uso de antibiótico e o absenteísmo escolar/trabalho. No entanto, os próprios autores reconhecem a fragilidade das conclusões ao analisar estudos com diferentes espécies de cepas, em diferentes populações etárias. Ou seja, nesse caso “os meios não justificariam o fim”.4,5

Assim, em conclusão, acredito que a busca pelo desconhecido faça parte da natureza humana. Enquanto, em nível espacial, Marte nos traz informações promissoras, mas ainda distante em servir como próxima colônia humana. Por outro lado, a microbiota intestinal está cada vez mais mapeada, com identificação de novas espécies, novas interfaces e novos mecanismos, que ratificam de maneira irrefutável sua importância, assim como a dos probióticos, como estratégia de prevenção e tratamento para muitas doenças que atingem a nossa sociedade moderna.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
M.E. Perez-Muñoz, M.C. Arrieta, A.E. Ramer-Tait, J. Walteet.
A critical assessment of the “sterile womb” and “in utero colonization” hypotheses: implications for research on the pioneer infant microbiome.
[2]
M. Nuriel-Ohayon, H. Neuman, O. Koren.
Microbial changes during pregnancy, birth, and infancy.
Front Microbiol, 7 (2016), pp. 1031
[3]
F. Guarner, A.G. Khan, J. Garish, R. Eliakim, A. Gangl, A. Thomson, et al.
Diretrizes Mundiais da Organização Mundial de Gastroenterologia.
Probióticos e prebióticos, (2011),
[4]
A. Fiocchi, R. Pawankar, C. Cuello-Garcia, K. Ahn, S. Al-Hammadi, A. Agarwal, et al.
World allergy organization‐McMaster University Guidelines for Allergic Disease Prevention (GLAD‐P): probiotics.
World Allergy Organ J, 8 (2015), pp. 4
[5]
Q. Hao, B.R. Dong, T. Wu.
Probiotics for preventing acute upper respiratory tract infections.
Cochrane Database Syst Rev, (2015), pp. CD006895

Como citar este artigo: Barreto BA. Microbioma and probiotics: from gut to Mars. Braz J Otorhinolaryngol. 2018;84:1–2.

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