A dissecção da artéria vertebral (DAV) é um importante diagnóstico diferencial no paciente com vertigem, sendo possível a confusão com migrânea vestibular. Pode causar acidente vascular encefálico (AVE) em jovens e sua incidência estimada é de 1 a 1,5 em 100.000 por ano.1
Relato de casoS.V., gênero feminino, 34 anos, referia cefaleia temporal à esquerda com irradiação occipital e cervical posterior contínua, em pontada de forte intensidade, com início havia dois dias. No dia seguinte, começou a apresentar vertigem incapacitante, vômitos com pioria aos movimentos cefálicos. Foi ao hospital e obteve melhoria parcial com uso de antivertiginosos e analgésicos. Foi submetida à tomografia computadorizada de crânio (normal) e liberada com hipótese diagnóstica de migrânea vestibular. Horas depois, evoluiu com diplopia, disfagia, disfonia, dificuldade para tossir e oscilopsia, quando retornou ao hospital e foi internada. Antecedentes: hipotireoidismo; migrânea (cefaleia no período pré‐menstrual havia oito anos do tipo pulsátil, frontal, que cedia com o uso de analgésicos comuns); uso de contraceptivo oral. Negava história de trauma cervical. Ao exame físico, no momento da internação, apresentava marcha lentificada e de base alargada, ptose, enoftalmia e miose à esquerda, com nistagmo espontâneo horizontal para a direita de padrão arrítmico. Às provas cerebelares apresentava dismetria intensa e eudiadococinesia. Constatou‐se hipoestesia tátil em hemiface esquerda e hemicorpo direito, esse com hipoestesia térmica associada. Não houve alteração de força muscular. Fez‐se angiorressonância de artérias carótidas e vertebrais que evidenciou dissecção da artéria vertebral (DAV) esquerda, com infarto póstero‐inferior do bulbo (figs. 1‐3). A investigação de doença autoimune foi feita por meio da pesquisa de autoanticorpos e foi negativa, assim como a investigação de doenças infecciosas (HIV, sífilis, culturas). O video head impulse test sugeriu hipofunção com ganho diminuído nos canais lateral e anterior esquerdo (fig. 4). A anticoagulação foi instituída durante a internação, com enoxaparina em dose plena, substituída posteriormente pela varfarina. Obteve melhora clínica lenta e gradual e recebeu alta hospitalar após 18 dias de internação. Atualmente, após três meses de alta hospitalar, está em reabilitação vestibular e faz fisioterapia diária, com melhoria progressiva da coordenação motora. Deambula sem ajuda, mas ainda com leve desequilíbrio.
As doenças do tecido conectivo e o trauma são fatores de risco da DAV, porém esses estão ausentes na maioria dos pacientes, o que demanda forte suspeição clínica para seu diagnóstico.1
A associação com a migrânea é conhecida e essa pode atuar como fator predisponente para a DAV não traumática. Postula‐se que episódios repetidos de migrânea possam tornar as artérias envolvidas vulneráveis à dissecção.2
Em uma revisão sistemática, a vertigem foi o sintoma mais comum, presente em 58% dos casos de DAV, seguida pela cefaleia e dor cervical, que foram os sintomas iniciais em 67% desses.1 A artéria vertebral pode nutrir a artéria espinhal anterior cervical, com associação descrita entre DAV e isquemia da medula cervical.3
O caso relatado compõe a síndrome de Wallenberg, causada pela oclusão da artéria cerebelar posteroinferior, geralmente como consequência de DAV. Apresenta‐se com disfagia, disfonia pelo acometimento do núcleo ambíguo do vago, vertigem, alterações sensitivas da face, síndrome de Horner e síndrome cerebelar ipsilaterais e hemianestesia termoálgica do corpo contralateral.4
O tratamento para a DAV é a anticoagulação, exceto no acometimento intracraniano, pelo risco de hemorragia subaracnoidea. Instituída precocemente, melhora o prognóstico, o que justifica a importância do diagnóstico precoce.1,2 Devido aos possíveis efeitos adversos dos anticoagulantes, prefere‐se, muitas vezes, o uso de antiplaquetários.2 O estudo CADISS, que foi o primeiro ensaio clínico randomizado a comparar o tratamento antiplaquetário com o anticoagulante para a dissecção extracraniana das artérias carótida e vertebral, não detectou diferença entre os grupos para morte ou AVE, após três meses de tratamento.5
O acidente vascular encefálico foi encontrado em 63% dos casos, com maior prevalência na dissecção extracraniana; e a hemorragia subaracnoidea foi observada em 10%, todos com DAV intracraniana, provavelmente por seu longo percurso no espaço subaracnoideo.1 Ao estudar os infartos bulbares, Kim et al. atribuíram à DAV 9,2% do total de casos, 34,5% desses causados por aterosclerose de grandes vasos, destacada como a principal etiologia.6 A maioria dos casos de DAV apresenta evolução favorável, com prognóstico reservado em apenas 10% dos pacientes.1
ConclusãoPor se tratar de causa potencialmente tratável de AVE, a DAV deve ser considerada em pacientes com vertigem e dor craniocervical, mesmo sem fatores de risco. O diagnóstico precoce é fundamental, objetivando‐se a anticoagulação precoce, com melhora do prognóstico.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico‐Facial.
Como citar este artigo: Rocha M, Nakao BH, Manoel EM, Moussalem GF, Ganança FF. Vertebral artery dissection: an important differential diagnosis of vertigo. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:367–9.